Cidades

Opinião: desprezo e burocracia blindam EMB, que merece mais dignidade

Como diz Nélson Rodrigues, subdesenvolvimento não é algo que se improvisa; é obra de décadas, de séculos

Severino Francisco
postado em 07/10/2015 11:00
Como diz Nélson Rodrigues, subdesenvolvimento não é algo que se improvisa; é obra de décadas, de séculos
Tive o privilégio de escrever o livro Da poeira à eletricidade (Ed. ITS), sobre as primeiras cinco décadas de história da música em Brasília. Ao fim de um ano e meio de pesquisa, cheguei à seguinte conclusão: guardadas as devidas proporções e observadas as pertinentes relativizações, nenhuma outra capital brasileira produziu, em suas cinco primeiras décadas de existência, um acervo tão expressivo de experiências educacionais, de experimentações estéticas, de diversidade de gêneros, de fusões multiculturais e de revelação de talentos. É de fazer inveja a outras capitais duzentonas, trezontonas ou quatrocentonas.

Como se explicaria o florescimento da música em território tão hostil à cultura quanto a Brasília pós-ditadura militar, dominada por mandatários de espírito burocrático, desamantes da arte? A resposta é simples. Se no teatro, nas artes plásticas ou no cinema, a cidade viveu instantes de ápice e declínio na produção, a música sempre foi um campo mais estável. E, com certeza, isso pode ser explicado pelo fato de contar com três instituições fortes no cultivo da música: o Departamento de Música da UnB, desde 1962; a Escola de Música de Brasília, inaugurada em 1974; e, a partir da década de 1990, a Escola de Choro Raphael Rabello.

Uma cidade nova, artificial, criada em três anos e oito meses, precisa de instituições culturais para não permanecer chucra nas pastagens de Goiás ou medíocre em um cenário modernista avançado, percebeu Darcy Ribeiro, ao conceder um espaço privilegiado à cultura no projeto original da UnB. Reco do Bandolim, criador da Escola de Choro Raphael Rabello, e o maestro Levino de Alcântara, criador da Escola de Música de Brasília, são dois visionários.

Infelizmente, Brasília é conhecida pelo que tem de pior: a sua classe política. Mas a história da música é, efetivamente, uma das coisas que nos confere dignidade. E, neste sentido, desde a inauguração em 1974, a EMB teve um papel crucial. De lá saíram ou por lá passaram, entre outros, Ney Matogrosso, Hamilton de Holanda, Cássia Eller, Lula Galvão, Beth Ernest Dias e Jaime Ernest Dias. É um espaço democrático que acolhe talentos do Plano Piloto e das cidades-satélites.

Com essa folha de bons serviços prestados à comunidade, a EMB mereceria um tratamento digno. No entanto, a instituição tem sido brindada, absurdamente, com uma atitude de desprezo e de espírito burocrático. Na verdade, ela padece de um lento e longo processo de deterioração e de uma política de desinvestimento perpetrada por sucessivos governos nas coisas da cultura. Como diz Nélson Rodrigues, subdesenvolvimento não é algo que se improvisa; é obra de décadas, de séculos. O resultado é, simultaneamente, a agonia da EMB e a ameaça da especulação imobiliária, de olho naquele espaço privilegiado.

É uma incongruência que o mesmo governo que lançou a candidatura de Brasília ao título de Cidade Criativa, pela Unesco, deixe a Escola de Música de Brasília em tamanho estado de abandono, mesmo em uma situação de grave crise econômica. A quem interessa a degradação da Escola de Música de Brasília? Ela é um patrimônio cultural de Brasília e precisa ser defendida pelos brasilienses.

PS:Está rolando um abaixo-assinado virtual para salvar a EMB. O endereço é: www.change.org/p/assine-agora-para-salvar-e-preservar-a-escola-de-música-de-brasília.

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