Cidades

Educação e cultura são fundamentais para igualdade racial, diz especialista

A adoção de cotas raciais pela UnB é destacada como um avanço, mas todos são taxativos: ainda há muito a ser feito

postado em 01/04/2016 06:02

A adoção de cotas raciais pela UnB é destacada como um avanço, mas todos são taxativos: ainda há muito a ser feito


A articulação que a estudante de serviços sociais da Universidade de Brasília (UnB) Alessandra Beatriz dos Santos, 20 anos, demonstra ao falar foi construída durante toda a formação em escolas públicas do Distrito Federal. Mesmo que a qualidade do ensino dos colégios governamentais, na maioria dos casos, fique aquém da dos particulares, foi a partir dali que ela conseguiu construir noções de cidadania em relação à cor da sua pele e, hoje, ter argumentos suficientes para justificar o quanto políticas de afirmação, como as cotas raciais, são necessárias para a diminuição da violência que mata os jovens negros do Brasil. O caminho a ser trilhado é o tema da quinta e última reportagem da série O genocídio invisível.

;Antes, se via poucos negros nas instituições de ensino superior. Não existiam oportunidades de mudanças, muitos sequer concluíam o ensino médio. A educação é um dos meios de evitar a morte de jovens negros;, garante. A UnB foi a primeira instituição de ensino superior no país a implantar um sistema de cotas visando a reparação do débito histórico que o Brasil tem com a comunidade negra: atualmente, 5% das vagas são destinadas a alunos que se declaram afrodescendentes.

Os efeitos mais imediatos refletem em estudantes como Alessandra, que ainda estão na faculdade. Mas, para especialistas, sua verdadeira eficácia será mostrada a longo prazo. ;Não há dúvidas que as cotas já tiveram um papel importante para a diminuição da violência contra a juventude negra. Essa geração de jovens negros que se formará em um curso superior vai poder contar sua história e descrever a própria realidade sem restrições;, garante o antropólogo José Jorge de Carvalho, responsável pela adoção das cotas raciais na UnB, em 2004. Para ele, até então, o que se via eram casos pontuais de negros no ensino superior e ;brancos solidários;, que se engajavam na luta. ;Agora, há uma intelectualidade negra fazendo esse papel que não vai mais ser silenciada.;

Integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), Juliana Cezar Nunes acredita que as cotas contribuem para tirar grande parte da juventude negra da vulnerabilidade. ;É uma forma de eles contornarem uma situação que foi criada no passado, no qual poucos integravam o ensino superior. O jovem ganha outras dimensões. Isso, desde a entrada na faculdade, com a transformação por meio do estudo. É a oportunidade de crescer.;

Porém, políticas afirmativas limitadas ao ensino superior não são capazes de frear, de forma mais imediata, o genocídio simbólico da juventude negra, atestado no relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência contra Jovens Negros e Pobres, entregue no ano passado. Para a historiadora Elaine Meireles, ações como o Plano de Prevenção à Violência contra a Juventude Negra, desenvolvido pelo governo federal, ainda ficam aquém da real urgência da situação no Brasil: atualmente, um jovem negro de 21 anos tem 147% de chances a mais de morrer assassinado que outro de cor diferente. ;Esses projetos ainda não chegam a atingir o público majoritário, deixando uma grande parcela desses jovens de fora dos seus benefícios;, reclama.

Muito a conquistar

Dessa forma, o papel de despertar uma consciência de raça também fica nas mãos de setores da sociedade civil organizada. Para Samuel Estrella, produtor cultural que trabalha com o movimento negro em São Sebastião, é preciso potencializar o mercado criativo das regiões periféricas de forma a estimular os jovens. ;Medidas como as cotas são louváveis, mas ainda é pouco. É preciso trazer as políticas públicas para dentro da periferia. Se não, eles vão continuar morrendo. São garotos de 12, 13, 14 anos que querem ter acesso também ao que os outros jovens da sua idade têm.; A própria formação de ícones dentro do movimento ajudam a garantir à juventude negra uma representatividade que diminua o racismo institucional, que ainda persiste na sociedade brasileira. A cantora brasiliense Ellen Oléria é taxativa: ;A arte não me ajudou a entender o racismo; a violência racial me ajudou a entender o racismo. A arte me ajuda a encarar o racismo.;

De acordo com ela, sua infância foi permeada de discursos que ;escureceram; seus pensamentos, falas e raízes para ela aprender, ainda mais, a se colocar contra qualquer manifestação contrária à sua cor. ;O discurso da meritocracia pretende mascarar, apagar o que já está muito bem marcado no cotidiano e na memória: uma história do Brasil racista. É por causa dela e de um povo que muitas vezes insiste em prolongar esse tipo de tradição, sem críticas ou revisões, que sobrevive o projeto de extermínio das populações negras, principalmente os jovens negros.;

Ativista do movimento negro, Claudia Maciel teve o irmão assassinado com um tiro na cabeça em Samambaia quando ele tinha apenas 16 anos, em janeiro do ano passado. Isso fez com que ela começasse a acompanhar os jovens da região. Em um ano, ela viu outros 15 deles serem mortos. Todos negros. Para ela, as cotas raciais não são suficientes. ;O lazer é um caminho. Atualmente, somente o Plano Piloto é contemplado com esses espaços. Não há meios para o jovem da periferia participar. O esporte também é um ótimo aliado, mas não há incentivo nas comunidades mais pobres, onde predominam os negros;, explica.


Quando ele existe, há quem o aproveite. Raylane Stephany Barbosa, 23 anos, ingressou no segundo curso superior pelas cotas raciais. No ano passado, ela se formou em serviços sociais pela UnB e, em 2015, iniciou a graduação em designer de moda pela Instituto Federal de Brasília (IFB). ;Antes, muitos não conseguiam sair do ensino médio. As cotas deram a oportunidade do negro se reconhecer na sociedade e também ser reconhecido por todos.;

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