Cidades

Brasilienses se reúnem em bloco da Asa Sul para brincalhaço

O protesto foi marcado pelo Facebook após a síndica proibir crianças de brincarem no bloco

Alessandra Modzeleski - Especial para o Correio
postado em 29/01/2017 11:23

Alegria tomou conta do bloco H da 312 Sul

Bolinhas de sabão, oficina de peteca, jogos de carta e palhaços. Assim, crianças e adultos se divertiram na manhã deste domingo (29/1), no "Brincalhaço", no Bloco H, da 312 Sul. Com diversão, pais protestam contra uma proibição do condomínio de que crianças brinquem no pilotis.

Morador do bloco há quatro meses, o bancário Renato Rabelo aderiu ao ato com as duas enteadas, de quatro e dois anos. "Eu sempre saio de bicicleta para comprar pão e levo as meninas. Certo dia o porteiro me falou que era proibido no condomínio. Achei bem rigoroso e exagerado", explicou. "Eu sou a favor desse ato porque mostra que no mundo de hoje as pessoas são muito controladoras. Dizem que essa norma é pela segurança das crianças. Mas quem brinca se machuca, certo?", defendeu o bancário.

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Felipe Montenegro, 34 anos, mora no bloco desde 2010, e conta que desde a infância é morador da Asa Sul. "Quem nunca correu e foi chamado atenção pelo porteiro ou síndico? Eu já brinquei muito embaixo do pilotis na infância", lembra. Felipe conta que o filho da subsíndica brinca muito no bloco e outras crianças também. "Nunca vi um episódio de proibição rígida assim. Se ocorreu, foi uma exceção. O que ocorre é que aqui tem muitos idosos e há um cuidado maior para que não se corra ou ande de bicicleta podendo se machucar ou machucar alguém".

[SAIBAMAIS]Mesmo sem presenciar algum evento que reforce a manifestação, Felipe concorda com o ato. "Acho fantástico. Brasília é isso mesmo. De um eventual problema a gente sai fortalecido e a comunidade também. Além disso, o condomínio precisava de uma festa dessa", diverte-se.

A movimentação ganhou adesão de moradores de outros blocos do Plano Piloto. A professora Julia Schonor mora na 412 norte e fez questão de trazer o enteado de 7 anos. Durante uma partida de dominó com a criança, ela explicou que uma norma dessas não pode existir nos dias de hoje. "As crianças estão cada vez mais na frente da TV, impedidas de brincar. Isso não é certo. Devemos incentivar. Participar de um protesto desse é questão de cidadania".

O advogado do condomínio, Carlos Félix estava na manifestação. De acordo com ele, no regimento não existe uma proibição de brincar, o que o condomínio proíbe é que andem de bicicleta. "Essa norma deve ser analisada na próxima reunião de condomínio. Os moradores vão votar se há necessidade ou não da exclusão dela", explicou. A próxima assembleia geral esta marcada para 4 de fevereiro, sábado. Apesar da polêmica em torno do assunto, o advogado defende o brincalhaço. "Acho que esse movimento é saudável ao direito da criança".

Informada sobre a proibição, a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude acionou o Conselho Tutelar da região para garantir o direito das crianças do bloco e de toda a comunidade. O secretário da pasta, Aurélio Araújo acompanhou o protesto. "A gente avalia que a norma do condomínio não pode estar acima do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Restringir o espaço não é o caminho adequado. Devemos estimular o direito de brincar ao invés de coibir".

O secretário informou que o Conselho Tutelar já fez contanto com a síndica do bloco, Maria Salete Borges. O órgão irá fazer um trabalho pedagógico com a gestora. Se houver uma reincidência, ela será notificada com um processo, ou no Ministério Público ou na Vara da Infância.

A síndica do bloco defendeu que não há proibição, o que há, é uma norma que proíbe a aglomeração de pessoas e trânsito de bicicletas no pilotis. "Não sou eu quem proíbe, o que proíbe é a norma do regimento de 1971. Ele possui 47 anos de vigência e já marcamos assembleia para altera-lo e moderniza-lo". A mulher alega que tem quatro netos, que participam das brincadeiras e que ela e os porteiros nunca falaram para uma criança subir ou proibiram ela de brincar.


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Acesso ao Pilotis

Os artigos 9; e 32;, da Portaria n; 166/2016, do Iphan, regulamentam e garantem o uso livre e público dos pilotis, permitindo a franca circulação de pedestre e usuários. Em nota, o Iphan informou que "parece bastante evidente que a sua intensa utilização, por crianças, jovens e adultos, faz de Brasília ser o que é: uma cidade diferente, vocacionada ao viver cotidiano e aos encontros que não devem ser impedidos por decisões restritivas de usos".

Na obra Brasília revisitada, de 1985-1987, sobre as características fundamentais do Plano Piloto, o próprio arquiteto Lucio Costa defendia a acessibilidade do local. "A escala residencial, com a proposta inovadora da superquadra, a serenidade urbana assegurada pelo gabarito uniforme de seis pavimentos, o chão livre e acessível a todos através do uso generalizado dos pilotis e o franco predomínio do verde, trouxe consigo o embrião de uma nova maneira de viver, própria de Brasília e inteiramente diversa das demais cidades brasileiras." (Brasília revisitada 1985/87, Características fundamentais do Plano Piloto, item 1)

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