Cidades

Especialistas cobram mais fiscalização e elogiam a detenção de poderosos

O grande número de escândalos, denúncias e prisões envolvendo nomes do DF leva a questionamentos sobre a qualidade da política regional

Alexandre de Paula
postado em 25/05/2017 06:00
Senadores cassados, renúncias e as recentes prisões de dois ex-governadores e de um ex-vice-governador do DF colocam a capital nos holofotes quando o assunto é a qualidade de políticos. O que levou Brasília a se ver envolvida em tantos escândalos e denúncias é a pergunta que sempre fica.

Para entender o que pode causar tantos casos de corrupção e compreender como uma quantidade tão expressiva de políticos da cidade se envolveu em problemas judiciais e crimes diversos, que maculam a imagem e a estrutura da cidade, o Correio ouviu cientistas políticos e representantes de instituições que militam pela ética e pela transparência na sociedade. De acordo com eles, a questão é nacional, mas Brasília, de fato, tem características próprias que podem explicar, pelo menos em parte, o problema.

Secretário-geral da associação Contas abertas (ONG cujo objetivo é aumentar a transparência pública e o combate à corrupção), Gil Castello Branco acredita que o fato de o governo federal estar situado aqui pode facilitar o acesso a atividades irregulares. ;Essa proximidade do poder talvez exacerbe relações promíscuas, fazendo com que, quase que sucessivamente, tenhamos problemas com autoridades dos mais diferentes naipes, senadores, governadores, deputados;, avalia.

Para ele, outra questão é a grande quantidade de recursos disponíveis nos cofres públicos da cidade, o que pode atrair políticos corruptos. ;Por causa do fundo constitucional, o DF tem recursos superiores aos de vários municípios e estados. Digo que o corrupto vai aonde o dinheiro está. Há obras gigantescas que praticamente só poderiam ser feitas aqui;, aponta.

Dos primórdios

Cientista político e professor da Universidade de Brasília, João Paulo Peixoto aponta a maneira como a cidade foi formada como uma das possíveis explicações para a questão. Ele entende que a criação da cidade não trouxe junto uma representação política forte.

;Acredito, sim, que é uma consequência do fato de Brasília não ter vocação política. A criação da cidade acabou com a atividade política que havia no Rio de Janeiro e isso não veio para cá;, explica. Segundo ele, a transferência, da maneira como foi feita, não criou essa representatividade. ;Brasília surgiu dentro desse ambiente. Essa imposição é o que está na base disso;, analisa.
Outros especialistas destacam que o pouco tempo de criação da capital e, consequentemente, de atividade política contribui para essa questão. ;Brasília é um local onde a democracia é ainda muito recente, por conta disso levou muito tempo para termos uma Câmara Distrital, então o Legislativo demorou a surgir e não cumpre ainda seu papel de maneira efetiva;, aponta Gil Castello Branco.

Cientista político e também professor da UnB, David Fleischer concorda que o fato de a capital ser ainda uma cidade jovem pode de fato ter influência nessas questões. ;Essa é uma hipótese que pode ser uma explicação, sim. Até porque outros estados que foram criados recentemente, como Acre e Rondônia, também tiveram problemas com governadores;, pensa.

Pouca fiscalização

A ineficiência de órgãos fiscalizadores é outro fator apontado pelos especialistas para que o DF enfrente tantos escândalos e denúncias. Gil Castello Branco afirma que tanto a Câmara Legislativa (ela mesma envolvida em inúmeros escândalos) quanto o Tribunal de Contas não conseguem ser efetivos.

A razão disso seria também a influência política, acredita. ;A Câmara (local) é de certa forma imatura e não exerce o papel fiscalizador que deveria. Ela se torna um apêndice do Poder Executivo, numa relação que deveria ser de independência;, comenta.

Ele destaca também que a maior parte das denúncias que acabaram revelando esquemas de corrupção não vieram à tona por iniciativa dos órgãos fiscalizadores. ;Há um problema também nos tribunais que se tornam apêndices do Poder Executivo, como a Câmara, porque os ministros e conselheiros são indicados. Isso tira a independência e é algo que precisa ser mudado;, acredita.

A demora no julgamento e na avaliação das contas também é outra questão que torna o problema mais grave. ;Até agora, as contas do governo de Agnelo, por exemplo, sequer foram julgadas. Ele foi preso, há diversas suspeitas, mas esse procedimento básico ainda não ocorreu;, destaca.

População

Para o presidente do Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), Edson Vismona, a questão também encontra reflexos na população. ;Há uma contaminação mútua. Muitos desses políticos foram eleitos depois de escândalos serem constatados. A sociedade precisa estar mais atenta a esses valores, ela não pode aceitar que essas pessoas voltem.;

Vismona acredita que a questão ética está no centro da maioria dos problemas que afligem a política brasileira. ;Temos que eleger pessoas sintonizadas com valores éticos. Sem isso não vamos ter uma sociedade desenvolvida. É inadmissível se ter dirigentes, infelizmente em todos os níveis, acreditando que a ética é relativa e que se pode passar por cima desses valores;, argumenta.

Apesar da expressividade dos problemas enfrentados pelo DF, especialistas concordam que a questão é nacional e que aflige todo o país. ;Esse é um exemplo do Brasil. Infelizmente não é só Brasília. Temos isso em todos os estados, em todas as capitais. Há uma perversão e uma contaminação horrível na nossa política;, aponta Vismona.

Gil Castello Branco também enfatiza que ocorre uma ;contaminação geral; que atinge a todo país. ;Estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais estão passando por coisas parecidas, não é só um fenômeno brasiliense. Há um processo de degradação política com grande profundidade com raízes pelo Brasil afora;, acredita.


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