Cidades

DF oferece assistência psicológica para condenados por abuso sexual

Em iniciativa inédita no país, a Secretaria de Saúde do DF oferece assistência para quem cometeu o crime contra crianças e adolescentes e cumpriu pena em regime fechado

Gabriella Bertoni - Especial para o Correio
postado em 10/07/2017 06:00

Ilustração mostra homem com lobo na cabeçaPromover uma mudança cultural é o primeiro passo para combater o abuso sexual contra crianças e adolescentes. Com base nisso, uma iniciativa inédita no país, promovida pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal, oferece atendimento psicológico, desde 2013, para autores de violência contra jovens. O Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância à Violência (PAV Alecrim) atende condenados pelo crime e que cumpriram pena em regime fechado.


O projeto atendeu 110 pessoas, a maioria homens entre 40 e 59 anos, casados ou em união estável. Atualmente, 25 passam por acompanhamento e todos são encaminhados pela Justiça ; eles não podem ter outro delito associado ao abuso sexual ; para encontros individuais e em grupo. O objetivo é trabalhar na perspectiva de ressignificação da violência. ;É preciso investir muito em mudança cultural, pois, por muitos anos, a sexualidade dos homens envolvendo menores não era vista como crime;, explica Fernanda Falcomer, chefe do núcleo de estudos do PAV Alecrim.

Em 2015, no DF, foram registrados 915 casos de violência sexual contra meninos e meninas, de 1 a 18 anos. O dado é da Diretoria de Vigilância Epidemiológica, da Secretaria de Saúde. O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) mais recente, divulgado pelo Ministério da Justiça, em 2014, aponta que 2.316 pessoas estavam presas por crimes de estupro de vulnerável no Brasil.

Para a gestão do projeto, o programa alcança resultados satisfatórios. ;Todos saem do sistema prisional muito reflexivos. Até o momento, não tivemos reincidência;, comenta Fernanda. Os assistidos no PAV Alecrim têm relação familiar com a vítima. O primeiro atendimento é feito individualmente, momento em que o infrator pode falar sobre si e o ato cometido. Depois disso, ele passa por mais quatro encontros com psicólogos e psiquiatras. O acompanhamento ocorre em grupos de 10 a 15 pessoas. Por oito reuniões, de três horas cada uma, são feitas intervenções e trabalhos temáticos relacionados à violência, ao estigma da sexualidade, às questões familiares e aos projetos de futuro.

O programa funcionava desde 2009, atendendo adolescentes que praticavam abusos. Mas foi ampliado a pedido da Vara de Execuções Penais do DF. A equipe de atendimento conta com cinco profissionais, sendo dois psicólogos, dois assistentes sociais e um psiquiatra. As reuniões ocorrem de quarta a sexta-feira, no Hospital Regional da Asa Norte (Hran).

Tratamento

O abuso sexual tem relações complexas com a sociedade machista e com o mito da sexualidade incontrolável do homem. Esse é o entendimento de Vicente Faleiros, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e na pós-graduação em psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). Especialista em violência contra a criança e o adolescente, ele acredita que a prevenção é o melhor caminho. ;Diálogo na família e na escola é fundamental;, alerta (leia Três perguntas para).

No caso dos abusadores, a diretora do PAV Alecrim reforça o perfil de traumas psicológicos. ;Verificamos a vivência de vários tipos de violência na infância, como abusos físico e psicológico, além de trabalho infantil. Poucos relatam violência sexual, até porque o tema é extremamente carregado de preconceito;, aponta Fernanda. A maioria dos condenados pelo crime é casada ou está em um relacionamento estável. ;Geralmente, há relação familiar entre agressor e vítima. Com esse atendimento, conseguimos intervir no ciclo da violência. É preciso que o abusador entenda que a violência sexual é crime;, conclui.


Diferença

Abuso Sexual
Geralmente, o abusador não apresenta comportamento condenável social ou legalmente e, na maioria dos casos, está próximo à vítima e conta com a confiança dela. Quem comete a violência sexual, independentemente de qualquer transtorno de personalidade, se aproveita da relação familiar, da proximidade social ou da vantagem etária e econômica.


Pedofilia
Presente na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), a pedofilia é considerada um transtorno de personalidade causado pela preferência sexual por crianças e adolescentes. É caracterizado por fantasias sexuais excessivas e repetitivas envolvendo crianças e, dificilmente, um pedófilo sente atração sexual por adultos.

Três perguntas para Vicente Faleiros, professor emérito da UnB e professor de pós-graduação em Psicologia da UCB

A maioria dos agressores tem relação familiar com a vítima. Quais são os sinais para identificar que há algo errado?
As vítimas apresentam sinais diversificados e não um pacote de sinais ao mesmo tempo. É preciso estar atento ao seu desenvolvimento e alguém de confiança conversar com a criança sobre seus relacionamentos. Notar mudanças no corpo, principalmente nos órgãos genitais, como presença de sangue e esperma. A criança fala de si direta ou indiretamente por símbolos, desenhos, toques. Notar o interesse demonstrado pela sexualidade fora dos padrões da idade, o descaso com roupa e estudos, a ida frequente ao banheiro. É necessário dialogar com a criança delicadamente.

Quais são as características de um agressor? É possível reconhecer sinais nele?
O ato do abuso sexual tem sido muito estudado, mas, em geral, é praticado por pessoas com mais idade do que a da criança, do sexo masculino, próximo à vítima, que busca a confiança dela, que a seduz e a ameaça ao mesmo tempo e a obriga a manter tudo em segredo. Essa proximidade pode ser de padrastos, pais, tios, instrutores ou irmãos mais velhos. A agressão sexual não é somente física, mas se faz também por pornografia, fotos, voyeurismo, toques.

Qual é o tratamento mais eficaz para evitar a reincidência do abuso sexual?
Há, em geral, uma parte da pena que obriga o abusador a seguir tratamento, além do afastamento dele da vítima. A adesão a essa dinâmica terapêutica depende da sua oferta rigorosa e da motivação do agressor. A Justiça Restaurativa pode ajudar o abusador a reparar a vítima ou a pedir perdão. Há países em que há a opção voluntária do abusador para uma castração química por meio de inibidores da libido. Trata-se de opção voluntária, é importante insistir.

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