Otávio Augusto
postado em 23/09/2017 07:42

;Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz.; A frase do início do século 20 é do poeta russo Vladimir Maiakovski. De um povo alegre, nós nos tornamos uma das nações onde mais se diagnostica casos de depressão e ansiedade. No Brasil, 5,8% , ou 12 milhões de pessoas, são deprimidas ; a maior prevalência da América Latina. Somos líderes mundiais quando o assunto é a ansiedade ; 9,3% da população sofre com o problema. Ao todo, são 18,6 milhões.
Os dados da Organização Mundial de Saúde alertam para a raiz de uma série de problemas que podem ser evitados, como o suicídio. Mas as estatísticas revelam uma faceta da sociedade que até pouco tempo não despertou nenhuma reação: como tratamos quem está próximo de nós. O mundo moderno, cada vez mais, impõe efeitos colaterais à condição humana. O estresse do dia a dia cobra seu preço e sentimentos como agitação, melancolia e depressão atingem a população independentemente da condição social, idade ou gênero.
O último mês foi dedicado à conscientização da população para chamar a atenção de como estamos encarando as doenças mentais e os efeitos que elas causam. O desfecho mais triste, quando a pessoa atenta contra a própria vida, tem aumentado significativamente. O Brasil é o oitavo país em número absoluto de suicídios. Aqui ocorrem 32 casos por dia, segundo dados do Ministério da Saúde. Entre 2011 e o ano passado, foram 48.304 tentativas e 55.649 óbitos.
A capital federal segue a mesma tendência. Desde 2010, a Secretaria de Saúde registrou 16 mil tentativas. Chegou a hora de mudar. Essa é a conclusão da Associação Brasiliense de Psiquiatria. A presidente da entidade, Maria Dilma Alves Teodoro, recebeu o Correio para alertar sobre os efeitos do que ela considera um ;grave problema de saúde pública;. ;O papel de cada um é não ter medo de falar, buscar informações, se importar com o próximo e ajudar na busca por tratamento médico;, alerta.
Maria Dilma, há mais de uma década, participa da organização da campanha Setembro Amarelo ; que busca a conscientização e disseminação de informações sobre suicídio e doenças mentais. Com o símbolo da ação, um laço amarelo, ela é categórica: ;Se não agirmos, o suicídio vai virar o que um dia a tuberculose e a Aids representaram para o mundo;.

Ultimamente vemos circular muitas informações sobre suicídio. Era um tabu conversar sobre isso. O que é essencial neste contexto?
O suicídio sempre foi algo que as pessoas tiveram dificuldade de conversar. Existe muito preconceito e medo. Culturalmente, isso sempre foi escondido e as famílias têm dificuldade de lidar. O que temos visto é que nossos índices têm crescido significativamente. Nossa população está vulnerável. Quase todos os casos têm ligação com doenças mentais e podem ser evitadas.O que precisa mudar?
Suicídio hoje é uma questão de saúde pública. A gente tem visto os índices crescerem, os jovens atentando contra a vida, as famílias desassistidas. É uma discussão que as pessoas ainda têm medo de fazer e que precisa que a gente converse, oriente a população e crie mecanismos de prevenção.Onde falhamos?
A grande dificuldade é o preconceito em relação às doenças mentais. Isso traz grande prejuízo para o indivíduo e para sua família. Temos suicídios ligados ao transtorno bipolar, depressão, esquizofrenia e na questão da dependência química. Isso está sendo subnotificado.As doenças mentais são colocadas em segundo plano?
Pelo preconceito com a doença mental, e pela dificuldade de se entender, é mais fácil o indivíduo dizer que tem diabetes ou hipertensão, que também são doenças crônicas. Socialmente as doenças físicas são aceitas e pessoas ressaltam a importância de se fazer o tratamento e procurar o médico. Se pensa que porque as pessoas têm trabalho e uma família estruturada não há motivo para ter depressão, por exemplo. Só que esses motivos existem. A depressão não acomete quem está desempregado ou sem estrutura. Ela é uma doença que tem componente genético, alteração de substâncias cerebrais. É uma enfermidade como qualquer outra que precisa ser tratada. Uma das complicações é o suicídio. A dificuldade está em diagnosticar e tratar, para assim prevenir o suicídio.[SAIBAMAIS]As pessoas acreditam que falar sobre suicídio pode aumentar os casos. Como a psiquiatria avalia isso?
Isso é um mito. Precisamos falar sobre esse assunto e esclarecer as dúvidas. Muitas vezes o indivíduo está desiludido com a vida e com uma dor ou sofrimento muito grande e ele pensa no suicídio. Muitas vezes, por questões sociais, ele não fala. O indivíduo quando está com esse sentimento e deseja morrer, na verdade ele não está pensando em morte. Ele quer diminuir a dor que ele tem. Se ele pudesse acabar com o sofrimento ele o faria e continuaria vivendo. Como não disseminamos as possibilidades e as alternativas, a pessoa acredita que morrer é a solução. Não mostramos a possibilidade para o indivíduo falar, desabafar e buscar ajuda. Fingir que não existe não vai acabar com o pensamento suicida.
Há sinais específicos?
Os dados mostram que a maior parcela das pessoas que cometem suicídio nos avisaram. Isso pode ser de uma forma que não foi explícita. Muitas vezes começa em uma conversa, em que se fala sobre a tristeza, sobre a alteração no sono, sobre a perda do prazer por viver. O indivíduo pode ter o hábito de ir ao cinema e começa a deixar de fazer, pois não vê mais graça. Se isolar dos amigos, falar pouco, produzir menos no trabalho são sinais. Isso ocorre quando a pessoa perdeu o interesse pela vida.As pessoas dão importância a esses sintomas?
Muitas vezes as pessoas notam, mas não dão importância. Às vezes as famílias não valorizam que um dia a pessoa estava mais triste e, no outro, fez um comentário pessimista. Vemos nos adolescentes que estão muito na internet, nos jogos digitais, no celular e o contato familiar acaba sendo menor. Esse convívio é essencial para que as pessoas percebam um comportamento diferente para poder orientar e interferir. Isso vale em todas as fases da vida.
Qual o comportamento adequado para contribuir socialmente e mudar essa realidade?
O papel de cada um é não ter medo de falar, buscar informações, se importar com o próximo e ajudar na busca por tratamento médico. Quando perceber que alguém precisa de ajuda é obrigação perguntar ;está tudo bem?; ou ;conte comigo se precisar conversar!”. Temos que ouvir mais, receber mais as pessoas. As pessoas se aproximam, mas não encontram acolhimento. Por outro lado, o paciente tem que pedir ajuda. Não pode ter vergonha de procurar o psiquiatra e tomar o remédio. Por que o vizinho pode ser diabético e tomar o remédio dele e eu não posso ter depressão e me tratar? Por que ele tem que ser mais aceito? O que os casos de suicídio representam para a sociedade?
Hoje, temos um grave problema de saúde pública e que, se a gente não tirar o preconceito, não vamos salvar vidas. Falar de suicídio é falar de vida. Precisamos caminhar em defesa da vida. Os nossos amigos, vizinhos e familiares estão morrendo e não estamos nos importando.Como podemos ajudar?
O contexto ao redor desse indivíduo influencia muito. Temos que avaliar a questão da doença, do meio cultural, as questões profissionais, os relacionamentos afetivos. Isso tudo pode ser um gatilho para despertar a doença e desencadear o suicídio. A gente têm que olhar de frente e encarar a nossa realidade. Os profissionais tem que notificar os casos, em casa as pessoas tem que se importar com os outros e dessa forma a sociedade cobra políticas públicas de prevenção.De onde vem o preconceito?
Vem do medo, como o que aconteceu com a tuberculose, Aids, e está acontecendo com o câncer e acontecerá com o Alzheimer. A gente sabe claramente que algumas doenças que historicamente mataram muitas pessoas, desencadearam estudos, investimentos e políticas públicas para prevenir. Foi a partir disso, que se mudaram os dados. Sabemos do preconceito que houve com esses males. Quantos indivíduos não foram excluídos do seu convívio familiar porque tinham tuberculose e eram perigosas? Há 30 anos, como foi grande o preconceito com a Aids. Por que não encarar as doenças mentais e perceber que é possível tratar e manter as pessoas com boa qualidade de vida? Por que não investir em prevenção?