Cidades

Líderes que exploravam 50 travestis responderão por tráfico de pessoas

Após nove meses de investigação, polícia prende grupo que aliciava jovens de baixa renda de outras unidades da Federação para trabalhar no Distrito Federal em rede de prostituição

Deborah Fortuna
postado em 27/09/2017 06:38
Além da prisão das líderes da organização criminosa, várias vítimas prestaram depoimento ontem no Departamento de Polícia Especializada (DPE)
Elas vieram de Manaus, São José dos Campos (SP), São Paulo, Goiânia e outras cidades, pequenas ou grandes, de diferentes unidades da Federação. A manauara, por exemplo, pisou em Brasília na segunda-feira, pronta para uma vida com casa, comida e trabalho. A jovem, de cabelos lisos pretos, não imaginava que seria levada, na madrugada de ontem, por policiais civis para prestar depoimento no Departamento de Polícia Especializada (DPE). Ela e outras 50 travestis eram vítimas de uma organização criminosa desmantelada ontem pela Operação Império, após nove meses de investigação. Dez pessoas foram presas, inclusive cinco travestis acusadas de tráfico de pessoas.

Com as prisões, a Polícia Civil do DF fechou o quebra-cabeça de um inquérito iniciado em 11 de janeiro. Naquela data, um grupo de travestis denunciou à Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin) que outras garotas de programa chefiavam e extorquiam as vítimas em Taguatinga.

Para aliciá-las, as cafetinas entravam em contato com jovens travestis de classe baixa por meio das redes sociais ou mesmo por telefone. Para as que moravam em outras unidades federativas, as líderes arcavam com os custos das passagens. ;Era muito fácil as meninas aceitarem. Elas viam as fotos das chefes e queriam ter o estilo de vida e a beleza delas;, explica a delegada adjunta Elisabete Maria de Morais, da Decrin.

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[SAIBAMAIS]De fato, a vida exibida pelas líderes da gangue nas redes sociais contrasta com aquela pobre e violenta da maioria das vítimas. O Correio teve acesso aos perfis das cafetinas e de comparsas presos. Nelas, fotos em casas noturnas de Brasília e o alto número de ;amigos; chamavam a atenção das jovens travestis. ;Como eram alvo de discriminação na escola e na família, a ostentação das aliciadoras mostrava que aquele era o caminho da aceitação para as meninas;, acrescenta Elisabete.

Perigo
Entretanto, seguir o padrão das futuras chefes custava caro. Em Brasília, as que ainda não haviam desenvolvido seios e glúteos avantajados tinham de arcar com plásticas. Inclusive, com cirurgias de altíssimo risco à saúde. Uma das cafetinas aplicava, sem nenhuma supervisão médica, silicone industrial para desenvolver as nádegas das travestis, procedimento que pode levar à morte por embolia ou necrose.

As vítimas gastavam R$ 4 mil para a operação. De acordo com a investigação, o valor era pago diretamente à cafetina ou acrescentados à dívida que se acumulava e amarrava as travestis à organização. A responsável pela aplicação do silicone responderá por exercício ilegal da medicina.

Durante o tratamento clandestino, as prostitutas eram obrigadas a permanecer de bruços durante uma semana para impedir que o produto vazasse para outras partes do corpo. O silicone industrial, diferentemente do utilizado em clínicas médica regulares, dificilmente, é retirado do organismo das pacientes. A Polícia Civil ainda não relacionou nenhuma morte de travestis do grupo à aplicação da substância.

Hierarquia
As líderes do grupo cuidavam de cinco imóveis, três em Taguatinga Sul e dois no Riacho Fundo. Os apartamentos funcionavam como abrigo para as travestis aliciadas. Mesmo quem não dormisse lá era obrigado a pagar diárias de R$ 50 e R$ 70 para permanecer nos pontos de prostituição controlados pelas cafetinas ; o principal deles, próximo a uma fábrica de refrigerantes em Taguatinga. O valor dos programas varia entre R$ 80 e R$ 100, dependendo da classe social do cliente.

Das chefes presas, Brenda Souza era apontada como a ;cabeça; da organização. Ela e cinco comparsas atendiam aos chamados de ;mãe; vindos das travestis que abrigavam. Uma das chefes, no entanto, morreu baleada no último dia 8. A polícia ainda investiga se duas outras travestis pertencentes a um grupo rival, também detidas ontem, têm relação com o assassinato.

A violência, inclusive, faz parte da vida das vítimas da exploração sexual. Com as cafetinas, a Polícia Civil apreendeu dois revólveres calibre 38, além de dois facões e um cassetete. A alta hierarquização ; componente que levou o grupo a ser tratado como organização criminosa ; compreendia uma equipe de ;soldados;. Segundo a corporação, homens e outras travestis garantiam a segurança das prostitutas e entravam em confronto com rivais, além de praticarem roubos.

Facadas
Duas semanas depois do início das investigações, outro crime revelou o tamanho do esquema de exploração sexual de travestis: a morte a facadas da transexual Ágatha Lios em uma central de distribuição dos Correios. A jovem de 22 anos fazia parte da mesma organização das quatro colegas que a assassinaram por ;ser bonita demais;, de acordo com a Polícia Civil.

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