Cidades

Após cinco meses de obras, captação de água do Lago Paranoá começa hoje

O objetivo é reduzir os problemas de abastecimento no Distrito Federal. Especialistas, no entanto, alertam para a capacidade de tratamento da empreitada

Pedro Grigori - Especial para o Correio
postado em 02/10/2017 06:00
O novo subsistema fica na altura da ML 4 do Setor de Mansões do Lago Norte: custo de R$ 42 milhões

A primeira obra de captação de água a ser inaugurada no Distrito Federal nos anos 2000 entra em operação hoje. Durante cinco meses, 200 pessoas trabalharam sete dias por semana para que o Subsistema do Lago Paranoá fosse entregue ; mesmo assim, houve 30 dias de atraso. A obra, além de marcar a retomada dos investimentos do governo em abastecimento hídrico, será pioneira na capital federal ao captar água em um mesmo ponto receptor de esgoto tratado, ou seja, o espelho d;água. O fato abre debate entre especialistas, que alertam para a capacidade do reservatório em diluir elementos químicos, como o fósforo.

Segundo a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), mesmo que o lançamento de esgoto tratado contribua para o aporte de fósforo no Lago Paranoá, é a emissão indevida do recurso, antes do tratamento, o responsável pelo aumento significativo do elemento químico. O ato é enquadrado na Lei n; 9.605, de 1998, norma dos crimes ambientais, com pena de reclusão de 1 a 5 anos. Na última semana, a Agência Nacional das Águas (ANA) divulgou o Atlas Esgotos, mostrando que o DF é a única unidade da Federação a tratar todo o dejeto coletado. Porém, 17% da população ainda estão à margem dessa realidade. Moradores de áreas de loteamento irregulares, onde não há rede, convivem com vazamentos que chegam aos mananciais.

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[SAIBAMAIS]Quinze Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) estão em funcionamento no DF. Duas delas, localizadas nas asas Sul e Norte, têm o Lago Paranoá como receptor. No total, as estações devolvem 1.769 litros de esgoto tratado por segundo. O Correio visitou o ETE Sul na última semana e acompanhou o processo. O rejeito chega à estação por um canal coberto, para evitar que o odor e os gases poluentes se espalhem. O primeiro filtro é um gradeamento grosseiro, que impede que objetos grandes passem para as próximas etapas. Nos últimos anos, a grade parou de pneus a cadáveres.

Dois filtros são responsáveis por separar os detritos. O que é retirado segue para um contêiner de 1,4 mil litros, que logo se enche com uma massa verde, contando desde fezes até restos de preservativos. O recipiente fica escondido em uma edificação sem janelas, onde só há duas entradas, por um cano e por um portão. No local, o cheiro é insuportável.

Após a separação, a fase líquida segue para os reatores aeróbios, que, por meio de bactérias específicas, degradam a matéria orgânica e os nutrientes. O esgoto, então, vai para os decantadores secundários, para a separação de micro-organismos da água tratada. As bactérias são devolvidas para a estação a fim de receberem o novo esgoto, e a fase líquida é lançada no corpo receptor. Testes de qualidade ocorrem a cada 15 minutos na ETE Sul. A água que entra no Lago Paranoá é imprópria para consumo, rica em nitrogênio, mas apresenta a mesma transparência da água potável e odor quase imperceptível.

Debate

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) acompanha a situação do esgoto no Lago Paranoá. A promotora de Defesa do Meio Ambiente Marla Eliana de Oliveira alerta para a proliferação de algas no espelho d;água, sinal do florescimento desregulado de cianobactérias. O fenômeno altera a cor da água para um verde intenso e diminui o índice de oxigênio, resultando na morte de muitos peixes. ;O perigo da captação do Lago Paranoá é que, se você retira água para o abastecimento, a capacidade de diluição de impurezas cai. É uma situação com que precisamos ter bastante cuidado;, explica.

Para o professor Sérgio Koide, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), as ligações clandestinas de esgoto colocam em risco a qualidade da água. ;A região do Lago Paranoá é rodeada por novos bairros e clubes, que podem gerar problemas com a entrada de elementos químicos. Seja pelo bombeamento irregular de esgoto direto para o lago, seja pelo fósforo que vem dos jardins. O excedente do que é adubado acaba sendo levado pelas chuvas;, detalha.

Segundo Sérgio, nos últimos anos, exemplos práticos revelam queda na qualidade da água devido ao fósforo. Foi o que se viu no Lago Norte, quando se formaram vários cordões de líquido verde. ;Para essa primeira captação, que é menor, não acredito que vá piorar a situação do lago. Mas agora que estamos tratando de um lago em que a água será utilizada para consumo humano, esperamos que os órgãos públicos e a população comecem a se preocupar mais com essas questões;, cobra.

A eficiência média de remoção de matéria orgânica nas ETEs de Brasília é de 92%. Por nota, a Caesb informa que, para implantar a captação do Lago Paranoá, realizou-se um estudo de impacto ambiental para que a obra passasse por licenciamento. ;Foi avaliada a condição de qualidade da água do Lago Paranoá, mostrando-se compatível para abastecimento público. O monitoramento sistemático da qualidade da água é medida necessária que a Caesb realiza, sendo fundamental para acompanhar eventuais variações da qualidade;, ressalta.


Investimento

Construída para abastecer Lago Norte, Paranoá, Itapoã e Taquari, a obra do Lago Paranoá começará captando 350 litros de água por segundo. Durante 90 dias, a operação será assistida pela empresa responsável pelo projeto, a Enfil, e, ao decorrer do período, a vazão aumentará até chegar a 700 litros por segundo. A verba para a construção saiu da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, ligada ao Ministério da Integração Nacional, com o objetivo de diminuir a crise hídrica enfrentada pelo DF desde o ano passado.


533
Notificações relacionadas ao uso irregular de recursos hídricos apenas neste ano

41
dessas foram consideradas infrações, sendo punidas com reclusão


Memória


Peixes mortos
Em 1; de julho, centenas de peixes mortos apareceram às margens do Lago Paranoá, próximo ao Núcleo Rural do Boqueirão. Relatório do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) mostrou que o incidente se deu por dois motivos: a Barragem do Lago Paranoá ficou, durante seis dias, com a vazão das comportas reduzidas a zero, enquanto a Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) manteve o volume de esgoto tratado lançado no rio. Com isso, os níveis de fósforo e de nitrogênio encontrados na água não conseguiram ser diluídos, provocando o fenômeno.

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