Cidades

Pais são denunciados por tentar matar o filho de apenas dois meses

Mãe é suspeita de ter injetado insulina no filho e provocado hiperinsulinismo. O pai, acusado de fornecer o medicamento, nega. Por meio de decisão judicial, os dois foram afastados do convívio com outras quatro crianças, que vivem em um abrigo

Júlia Campos - Especial para o Correio
postado em 08/10/2017 06:00
Bebê estava internado desde 24 de junho com suspeita de hiperinsulinismo congênito
A promotoria de Justiça do Tribunal do Júri de Brasília denunciou um pai e uma mãe por tentativa de homicídio por motivo torpe contra o filho de apenas dois meses. O documento acusa Cláudia* de injetar insulina na criança, em julho, no Hospital Universitário de Brasília (HUB).
[SAIBAMAIS]
O bebê estava internado desde 24 de junho com suspeita de hiperinsulinismo congênito. Apesar das reações graves, o garoto teve pronto atendimento médico e sobreviveu. Dois filhos do casal, diagnosticados com a mesma doença, morreram no ano passado. Ela chegou a fazer campanhas em que pedia dinheiro para comprar medicamentos que estavam em falta na Secretaria de Saúde. De acordo com o promotor autor da denúncia, ela teria provocado o caso mais recente para que houvesse mais uma mobilização social e se beneficiar das doações. Ainda segundo a acusação, quem fornecia a substância era o próprio pai, Rodrigo*, que trabalha como entregador em uma farmácia. Ele nega.
O médico responsável pelo atendimento foi quem desconfiou da situação. Em depoimento, ele contou que, quando a criança chegou à unidade de saúde, solicitou-se o exame de glicose e insulina para que fosse feita a investigação diagnóstica. O resultado mostrou a insulina acima de 1.000 mcUI/ML ; a referência varia de 2,6 a 24,6 mcUI/ML. Por isso, o profissional achou pertinente pesquisar as causas.
Após novos exames, viu que a única possibilidade dos altos valores seria a administração proposital da substância. Ele chamou uma conselheira tutelar, informou que suspeitava da mãe da criança e que estava preocupado, pois era quem sempre acompanhava o paciente. A mulher fez boletim de ocorrência na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). As imagens do circuito interno do hospital registram Cláudia injetando o medicamento no filho e, depois, a delegada encontrou uma seringa dentro da roupa íntima da mulher. À polícia, a mãe teria confessado o crime, mas não esclareceu o motivo.

Por meio de decisão judicial, pai e mãe foram afastados do convívio dos quatro filhos e, há dois meses, as crianças vivem em um abrigo. O médico ainda reiterou no depoimento à polícia que o bebê de dois meses ;era uma criança irritada e chorosa, que se transformou após o afastamento da genitora, ficando mais tranquilo e interagindo com os cuidadores;. ;Do ponto de vista médico, ele não fez mais nenhuma crise convulsiva e nenhum episódio de hipoglicemia, mesmo sem uso de qualquer medicação para controle do açúcar no sangue durante os 10 dias que permaneceu afastado dos outros genitores naquele hospital;, completou.

Após o distanciamento, a Justiça também determinou que uma das filhas do casal que também tem diagnóstico da doença deveria ser internado durante 10 dias para verificar se os quadros de hipoglicemia e de crises convulsivas descritos pela própria mãe eram, de fato, verdadeiros ou se também eram provocados. Os medicamentos que a criança tomava havia cinco anos foram suspensos e, durante o período em que esteve afastada dos pais, não apresentou sintomas da doença e as taxas de glicose e insulina estavam normalizadas.

O médico contou que essa mesma criança apresenta um pequeno atraso no desenvolvimento neurocognitivo, que pode ser decorrente dos episódios de hipoglicemia. Serão recuperados os exames anteriores e, caso as análises do bebê de dois meses apresentem o mesmo comportamento, haverá ;uma forte sugestão de que a doença possa ter sido provocada e não herdada ou artificialmente mantida;, conforme explicou o médico na oitiva. Em razão da doença, a menina recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A denúncia ajuizada pelo Ministério Público diz a respeito apenas ao caso do bebê de 2 meses de idade. Para o promotor responsável, Marcelo Leite, o crime foi praticado com emprego de meio cruel, causando ;sofrimento desumano à vítima;. Durante a semana passada, ele enviou para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) um pedido de abertura de inquérito para que sejam investigadas as mortes dos outros dois filhos.

Os pais chegaram a ajuizar uma ação de indenização por danos materiais e morais contra o Governo do Distrito Federal, pela falta de medicamento para uma das crianças que morreu e ganharam na primeira instância. Para o Ministério Público, as ações do casal atingiram ;não apenas os próprios filhos, mas também o Estado e a Sociedade ; que foi manipulada para doar dinheiro às campanhas realizadas pelos acusados;, esclarece o promotor no documento. Marcelo Leite pediu a prisão preventiva de Cláudia e Rodrigo, mas o juiz indeferiu. A quebra do sigilo bancário também foi solicitada e aprovada pelo magistrado. ;Era difícil conseguir essa prisão. A delegada já havia pedido, mas o juiz da vara criminal tinha negado e determinou como medida alternativa o afastamento;, apontou o promotor. Após a decisão, o caso passou a correr em segredo de Justiça.

Depressão


Ao Correio, o pai das crianças afirmou que a mulher realmente injetou a substância no bebê, mas que fez isso em um momento de desespero, devido a uma depressão. ;Eu jamais vou dizer que ela está certa, pois foi realmente um erro muito grande. Mas o que estão fazendo com a gente é uma injustiça, estamos sem saber notícias dos meninos há dois meses. Estou muito abalado, nem consigo trabalhar direito;, afirma. Rodrigo diz não entender o motivo pelo qual também está sendo denunciado por tentativa de homicídio, pois, segundo ele, se tudo for investigado a fundo, vão verificar que o lote da insulina utilizada não saiu da farmácia em que trabalha. ;Eu só fui saber o que minha esposa tinha feito quando me chamaram na delegacia. Há uma série de contradições e acusações nessa história de uma coisa que nem foi comprovada. Nós vamos correr atrás para mostrar que não somos isso.;

A respeito das mortes dos dois filhos, Rodrigo assegura que não premeditaram nada e que ambos faleceram por complicações da doença. ;Não tem base o que dizem. Se ela realmente aplicasse isso nos meninos, eu perceberia, pois moro na mesma casa. E é claro que não passa pela minha cabeça fazer mal para eles;, critica. Sobre o afastamento das crianças, ele diz não entender o porquê. ;Temos dois filhos que não são doentes e estão naquele lugar, vivendo de um jeito que desconheço. Qual é o perigo que podemos apresentar a eles?;, questiona. ;Meus parentes têm condições de cuidar de todos. Espero que tudo seja esclarecido o quanto antes, pois estamos sofrendo muito com essa história;, comenta. Cláudia atendeu à reportagem e disse que não vê problema em falar, ;pois quem não deve não teme;, mas o advogado da família a orientou a não conversar com a imprensa.

O Ministério Público considera que os indícios de autoria aparecem nos depoimentos colhidos na esfera policial, nas imagens obtidas por meio de circuito interno do hospital, no registro de entrada de Rodrigo na unidade de saúde e na confissão de Cláudia. ;É um caso muito grave, que precisa ser divulgado. É possível que esses outros dois filhos que morreram realmente tivessem a doença, mas o que ela queria mesmo era continuar ganhando com isso;, concluiu o promotor.

* Nomes fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente

Doença
O hiperinsulinismo congênito é uma doença que faz com que o pâncreas produza grande quantidade de insulina ; o contrário do que ocorre no diabetes. A incidência é de um caso a cada 50 mil pessoas. Ela causa sintomas como convulsões e calafrios.

Auxílio
O Benefício da Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) é a garantia de um salário-mínimo mensal ao idoso com 65 anos ou mais ou à pessoa com deficiência de qualquer idade com impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo (que produza efeitos pelo prazo mínimo de dois anos), que o impossibilite de participar de forma plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas. Para ter direito, é necessário que a renda por pessoa do grupo familiar seja menor que um quarto do salário-mínimo vigente.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação