Cidades

Mulher trans consegue alteração de identidade sem laudo médico nem cirurgia

É a primeira vez que a Justiça do DF toma uma decisão do tipo em primeira instância. Para ganhar a causa, Kyara Zaruty precisou apenas comprovar que já passa por tratamento hormonal

Bruna Lima - Especial para o Correio
postado em 12/10/2017 10:00
Kyara, beneficiada pela decisão: 'Agora, não vou ser questionada e avaliada por ser uma mulher trans, mas pelo meu lado profissional'
Pela primeira vez no Distrito Federal, uma mulher trangênero conseguiu, em uma decisão de primeira instância, o direito de mudar o nome e o gênero no registro civil sem apresentar laudos de uma equipe de saúde nem ter feito a cirurgia de mudança de sexo. A decisão foi do juiz Marco Antônio do Amaral, da 5; Vara de Família,
Kyara Zaruty, 29 anos, agora não é só o nome social da solicitante, mas constará também na sua identificação civil e legal. O mandado para a troca das informações já foi liberado, e o próximo passo é a emissão dos documentos de identidade e certidão.
[SAIBAMAIS]Segundo a jovem, a decisão terá um impacto muito positivo em sua vida, pois ela não precisará mais mostrar um documento no qual as informações não condizem com sua identidade e aparência. O efeito será sentido, principalmente, no mercado de trabalho, acredita. "A pessoa trans enfrenta uma barreira no mercado de trabalho e acaba perdendo muita oportunidade. Agora, não vou ser questionada e avaliada por ser uma mulher trans, mas pelo meu lado profissional", afirma.

Como muitas pessoas trans no Brasil, Kyara conta que saiu de casa aos 14 anos, por não ser aceita pelos pais. Trabalhou desde recepcionista de hotel, operadora de telemarketing e caixa até dançarina de forró e artista circense. Em um momento de vulnerabilidade, chegou a se prostituir, como também ocorre com muitos trans no país.
A situação começou a melhorar depois que ela passou a frequentar uma igreja que acolhe o público LGBTTI. Foi lá que conheceu um dos idealizadores da Casa Rosa, iniciativa que abriga pessoas pertencentes ao grupo que foram expulsas de casa. Hoje, ela coordena e faz parte da diretoria do projeto.

Mudança de paradigma

De acordo com uma das advogadas do caso, Cíntia Cecilio, da sociedade de advocacia Cecilio, Moreschi & Zappini, durante a primeira audiência, o juiz chegou a pedir a Classificação Internacional de Doenças (CID) para compor o processo, mas ela conseguiu contestar a medida. "Classificar a transexualidade como doença é um retrocesso, algo que o movimento luta contra. O juiz entendeu o argumento e nós precisamos anexar somente os relatórios da endocrinologista, afirmando que a Kyara já passava pelo tratamento hormonal", conta.
Tanto o juiz quanto o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) declararam que não seria necessária a solicitação de laudos multidisciplinares extras para justificar e dar embasamento ao pedido, aceitando as avaliações médicas já feitas pela endocrinologista. Portanto, o pedido foi aprovado já na primeira instância, circustância inédita no DF, segundo a advogada.
Para Alexandra Moreschi, outra advogada do caso, a medida pode trazer consequências práticas para as pessoas transexuais. "Não é só uma vitória, mas uma verdadeira mudança de paradigma. É um avanço na area do direito de família e civil que mostra que o Judiciário tem o interesse em tutelar sobre um dos bens mais importantes para o ser humano, que é o direito de personalidade", comemora.
Fábio Felix, 31 anos, é militante do movimento LGBTTI e avalia que a simplificação de processos no judiciário vai incentivar pessoas que também buscam a medida. "Toda essa desburocratização vai facilitar a vida de muitas trans que querem fazer a mudança. Com certeza isso é um avanço não só para a categoria, mas para todo o movimento LGBT. Em um momento em que enfrentamos um contexto hostil, com fundamentalistas que tentam apagar o debate de gênero, conquistas como esta são muito importantes", afirma.
Apesar da militância no movimento e da liderança na Casa Rosa, Kyara ainda vive uma situação de vulnerabilidade e está desempregada. Por falta de recursos, ainda não conseguiu fazer a mudança de sexo e aguarda a cirurgia na fila do Sistema Único de Saúde. "O procedimento não está sendo realizado pelo SUS aqui no DF, então eu e minhas advogadas vamos entrar com uma ação para que eu consiga realizar a cirurgia em algum hospital particular, com recursos do governo", diz, antecipando os próximos passos de sua luta.

Projeto Casa Rosa

A ideia principal da Casa Rosa é proporcionar acolhimento para pessoas LGBTTI que estejam enfrentando dificuldades financeiras e emocionais. A casa está sendo construída aos poucos em um lote, em Sobradinho I. A iniciativa não tem apoio financeiro do governo e, por isso, necessita de ajuda privada e dos prórpios idealizadores para se tornar realidade.
Quem quiser, pode ajudar com doação de dinheiro, de materiais de construção e oferta de mão de obra.

Contatos:
Marcos Tavares: (61) 99220-3745
Hamsés Gomes: (61) 98194-7521

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