Cidades

Famílias ainda lutam na Justiça para obter medicamento à base de maconha

Um das decisões mais recentes da Justiça do DF liberou o cultivo da planta para uso medicinal de uma garota de 16 anos

Otávio Augusto
postado em 17/10/2017 06:00
Patrícia Filgueira, Eliana Distrett e Lídia Rosa: mobilizadas pela melhoria da qualidade de vida dos filhos por meio do uso do canabidiol
Elas são mães que vivem encurraladas. Lutam na Justiça contra o tempo, enfrentam as adversidades das doenças dos filhos e driblam outras tantas dificuldades. Estão unidas pelo mesmo remédio. O protagonismo das seringas de canabidiol (CBD) ; droga à base do extrato da maconha ; define vida ou morte. A peleja de Patrícia Filgueira, 37 anos, Eliana Distretti, 40, e Lídia Rosa, 34, tem quase dois anos. Nem mesmo a lei pôs fim ao calvário. Norma aprovada pela Câmara Legislativa, em dezembro de 2015, segue sem implementação. Com isso, o medicamento não é disponibilizado pela Secretaria de Saúde.
[SAIBAMAIS]Nos próximos meses, essas mulheres acirrarão a briga por seus direitos. A ideia é pedir a liberação do plantio da erva para uso medicinal à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Se não der certo, recorrerão à Justiça. Além disso, cobrarão da Secretaria de Saúde a normalização da compra dos remédios e mobilizarão o Executivo local para o integral cumprimento da legislação. Da iniciativa, deve nascer uma associação de mães. São pelo menos 40 nessa situação.

As estatísticas desses casos são escassas. Os poucos dados da Secretaria de Saúde mostram um aumento das famílias que, judicialmente, conseguiram receber o medicamento. Em 2014, três ganharam o direito. Hoje, são 13. No Brasil, os pedidos de importação de canabidiol no mesmo período cresceram 150% ; passaram de 368 para 921, segundo a Anvisa. Mais de 2 mil pessoas obtiveram a autorização. ;Os números se referem às importações desses produtos, que não têm registro;, resumiu o órgão, em nota. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) não sabe quantos processos relacionados ao assunto estão em tramitação. Sem alternativas, muitas mães no DF partiram para a importação ilegal ou para o plantio clandestino.

No começo do mês, Patrícia, Eliana e Lídia acompanharam a audiência no TJDFT que autorizou uma família da capital federal a cultivar pés de maconha em casa. Da planta, a família extrai uma substância utilizada para produzir um medicamento capaz de tratar uma adolescente, de 16 anos, com comprometimento cognitivo. A decisão, até então inédita no DF, emocionou Lídia. Ela chorou durante o julgamento. Viu no tribunal a repetição de sua história com outros personagens. ;A gente se compadece por saber o que eles passam, por conhecer a dor de não dormir de preocupação;, explica.

O filho de Lídia, Uriel, de 1 ano e 10 meses, sofre de uma doença neurometabólica. ;O meu filho, hoje, mexe os braços e abre os olhos, apesar de viver no home care. Sem o canabidiol, não teria nenhuma dessas reações;, detalha a moradora de Ceilândia. Há um ano, a Justiça determinou que a Secretaria de Saúde disponibilizasse as seringas para a criança. Somente no último mês, Lídia conseguiu as primeiras doses. ;A grande verdade é que ninguém se importa com a situação de quem precisa desse tipo de medicamento. Ninguém ponderou que a falta, para muita gente, representa a morte;, critica.
Um das decisões mais recentes da Justiça do DF liberou o cultivo da planta para uso medicinal de uma garota de 16 anos

Incerteza


Sabrina Filgueira, 11, corre, fala e estuda normalmente. É muito para quem tem epilepsia grave e autismo. Desde maio de 2014, a Justiça garantiu o tratamento com CBD ; a primeira decisão que obrigou a Secretaria de Saúde a comprar o remédio. ;Nem sempre as seringas estão disponíveis. Falta para dois, três meses. O medo é o retrocesso e a morte. Quem viu um filho passar por uma crise sabe como é doído;, conta Patrícia, mãe da menina, que também tem epilepsia.

Sentada num sofá simples, Patrícia continua a desabafar. ;Toda mãe que tem um filho nessas condições vive na incerteza. É a decisão judicial que é descumprida, o remédio acabando em casa e a incerteza falando mais alto;, completa. Com ela, está Eliana e a filha Vitória, 8, que tem o mesmo diagnóstico de Sabrina. ;A nossa insegurança é ancorada no desgaste que passamos. As pessoas nos olham com estranheza, têm preconceito, nos tratam com descaso;, lamenta a moradora do Riacho Fundo 1.

As mães destacam a diminuição da quantidade de crises convulsivas. Sabrina chegou a ter 60 em um dia. Vitória teve 200. ;Nada é melhor do que ver o filho brincando, indo à escola e fazendo amigos. A nossa angústia é que, até hoje, nenhuma solução efetiva foi tomada. Não temos nada que garanta o tratamento. Daqui a três meses, por exemplo, quando o remédio da Vitória acabar, eu terei de iniciar todo o processo novamente;, reclama Eliana.

Cultivo na Paraíba

A Justiça Federal na Paraíba autorizou, em maio, a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), em João Pessoa, plantar e manipular maconha para fins exclusivamente medicinais. A autorização surgiu por meio de uma liminar até a obtenção da resposta definitiva da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A permissão é destinada para atender 151 pacientes.

Menos prejudicial

A maconha tem cerca de 400 compostos conhecidos como canabinoides. Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Holanda, França, Espanha, Itália, Suíça, Israel e Austrália são países em que o uso medicinal dessas substâncias é permitido. Algumas enfermidades tratadas com esses derivados são epilepsia, convulsões, dores crônicas, síndromes neurológicas e metabólicas e sintomas de câncer e até mesmo a Aids. De acordo com estudos mais recentes, a utilização dessas substâncias acaba sendo menos severa do que a dos medicamentos convencionais. Os casos analisados até agora mostram que o canabidiol proporciona alterações mentais, propriedades antipsicóticas e ansiolíticas.
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