Ciência e Saúde

Cientistas descobrem como a maconha age no interior das células e causa a perda de memória

postado em 03/08/2009 08:32
A ciência sempre soube que a maconha prejudica a memória, mas não tinha uma explicação concreta para o fenômeno. Até que o especialista espanhol Andrés Ozaita, do Laboratório de Neurofarmacologia da Universitat Pompeu Fabra, com sede em Barcelona, estudou a ação do delta-9-tetrahydrocannabinol (THC) (1)- principal componente psicoativo da droga - no cérebro de camundongos. Ele e sua equipe combinaram a análise do comportamento (teste de memória) a estudos de nível celular-molecular das mudanças após a administração de THC nas cobaias. "Descobrimos as vias de sinalização intracelulares que se modificam no cérebro do roedor depois de receberem THC, assim como o papel que elas têm na modulação dos efeitos perniciosos da substância sobre a memória", explicou Andrés, principal autor da pesquisa, em entrevista ao Correio, por e-mail. O estudo é destaque da edição de hoje da revista científica Nature.

[SAIBAMAIS]Nos testes de laboratório, os espanhóis criaram deficiências cognitivas produzidas pelo THC e realizaram testes para analisar a capacidade que os camundongos tinham de recordarem algo nas 24 horas seguintes da exposição à substância. "No nosso modelo animal, mostramos que o THC altera a consolidação da memória", disse Andrés. De acordo com o cientista, descobriu-se que a maconha ativa importantes processos de sinalização intracelular no cérebro, relacionados à síntese de novas proteínas. O aumento transitório da síntese proteica é mediado pelos receptores de canabinoides, produzidos pelos próprios neurônios. "Esses receptores são essenciais nesse processo, já que a pré-administração de um fármaco que os bloqueia, antes da administração do THC, anula os efeitos nocivos da droga sobre a memória", comentou o pesquisador.

Em seus testes, Andrés utilizou camundongos modificados geneticamente, incapazes de produzir receptores de canabinoides. "Nesses animais, constatamos que o THC não surte efeitos prejudiciais sobre a memória", admitiu. "Ao usarmos um inibidor do processo de síntese proteica, mostramos que os resultados da substância da maconha sobre a memória podem ser anulados. Tudo isso nos leva a pensar que o THC pode alterar os processos naturais de consolidação da memória, que são conhecidos há muitos anos e que dependem dessa síntese".

Rapamicina
As atenções da Universitat Pompeu Fabra se voltam agora para a rapamicina, uma droga que eles descobriram ser capaz de impedir a ativação da sinalização intracelular no cérebro e de prevenir a amnésia em camundongos submetidos a uma alta dosagem de THC. "A rapamicina já é usada em pacientes como um imunossupessor, a fim de evitar a rejeição nos transplantes de órgãos", disse Andrés. De acordo com ele, o medicamento age no hipocampo, a área do cérebro relacionada aos processos de memória e aprendizagem. "Em nosso paradigma experimental, os animais pré-tratados com rapamicina não sofreram os efeitos adversos sobre a memória. É um dado muito interessante, mas não nos diz se os danos à memória em pessoas que fazem uso crônico do THC podem ser revertidos".

Andrés adota a cautela típica da ciência, ao afirmar que extrapolações aos seres humanos são sempre difíceis de serem feitas. Segundo o especialista, o estudo evidencia os mecanismos neurobiológicos básicos, envolvidos nos efeitos nocivos do THC sobre a memória e ajudará a desenhar novos métodos experimentais para testes clínicos com seres humanos.

1 - COMPONENTE PSICOATIVO
A principal substância da maconha tem sido investigada desde 1899, mas sua forma pura só foi isolada em 1964. Cientistas obtiveram a síntese um ano depois. Da classe dos cannabinoides, o THC é retirado dos óleos essenciais da planta cannabis, os quais têm a função de produzir vitaminas, esteroides e pigmentos. Também protege o vegetal da ação de predadores, já que interfere no processo biológico dos animais.

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