Ciência e Saúde

Enfartes crescem entre as mulheres

Dois estudos inéditos publicados nos EUA revelam que ocorrência de ataques cardíacos subiu 0,7% entre elas e caiu 0,3% entre os homens. Chances de sobrevivência, contudo, são maiores

Paloma Oliveto
postado em 26/10/2009 15:06
Dois estudos inéditos publicados nos EUA revelam que ocorrência de ataques cardíacos subiu 0,7% entre elas e caiu 0,3% entre os homens. Chances de sobrevivência, contudo, são maioresGeralmente associado a pessoas do sexo masculino, o número de enfartes aumentou entre as mulheres nas duas últimas décadas. Porém, ao mesmo tempo, elas têm mais chances de sobreviver após a ocorrência da lesão no músculo cardíaco, em comparação com os homens (leia abaixo). As conclusões são de dois estudos inéditos que começam a circular hoje no Archives of Internal Medicine, da Associação Médica Norte-Americana. Os trabalhos analisaram o risco e as taxas de mortalidade decorrentes de problemas coronarianos, levando em conta a idade e o sexo.

Autora principal do estudo Tendências de riscos e prevalência de doenças coronárias na meia idade entre cada sexo, a neurologista e professora da University of Southern California Amystis Towfighi conta que os enfartes do miocárdio aumentaram entre as mulheres de meia idade, enquanto, entre os homens, a taxa vem caindo. ;Historicamente, mulheres nessa faixa etária apresentam baixos riscos de desenvolverem problemas vasculares, comparado a homens da mesma idade. Recentemente, porém, uma pesquisa nacional mostrou que, em mulheres de 45 a 54 anos, a prevalência de ataques cardíacos corresponde ao dobro da verificada entre os homens;, diz.

O estudo da neurologista também avaliou os riscos futuros de desenvolvimento de doenças do coração. Para isso, ela estudou os casos de adultos entre 35 a 54 anos que participaram da National Health and Nutrition Examination Surveys, uma pesquisa sobre saúde e nutrição feita periodicamente nos Estados Unidos, que analisa dados de brancos, negros, hispânicos, jovens e idosos e calcula a prevalência de males entre cada grupo. Ela comparou estatísticas de 1988 a 1994 e de 1999 a 2004 para verificar se, durante esse tempo, houve mudança nas tendências de problemas coronários. O resultado foi que a ocorrência de enfartes entre as mulheres aumentou de 0,7% para 1%, enquanto, entre os homens, houve um declínio de 0,3%.

A médica observa que as diferenças não foram muito significativas. Porém, elas se tornam mais evidentes quando comparados indivíduos que não sofreram enfartes, mas são candidatos a desenvolverem problemas cardíacos de acordo com o Escore de Risco Coronário de Framingham (FRCS, sigla em inglês), uma metodologia que permite prever se uma pessoa poderá sofrer de males coronários no prazo de 10 anos. Com a idade, em ambos os sexos, a média de FRCS aumentou. Mas a análise por faixas etárias específicas revelou que, enquanto em homens o risco permaneceu estável nos dois períodos estudados, entre mulheres da mesma idade, ele aumentou 20% ou mais.

Mais riscos
De acordo com o cardiologista Renault Ribeiro Jr., da clínica Cardiovita e do Hospital Santa Lucia, o aumento da incidência de doenças coronarianas entre mulheres não é um fenômeno exclusivo dos Estados Unidos, mas vem ocorrendo em todo o mundo. Ele explica que resultados como os da pesquisa de Amystis Towfighi são reflexo da mudança de comportamento feminino. ;As mulheres estão mais expostas a fatores de risco, como fumo, colesterol alto, estresse, sobrepeso, diabetes e hipertensão. Isso se acentua com a menopausa, quando elas perdem os hormônios de proteção e ficam mais vulneráveis;, diz. Segundo Renault, o desafio dos médicos é identificar as pessoas com riscos intermediários que, por não apresentarem problemas muito graves, podem deixar de receber o tratamento adequado.

Os fatores de risco que integram o Escore de Framingham foram analisados pela neurologista Amystis Towfighi. Ela constatou que, entre os homens, o nível de colesterol manteve-se estável no período analisado, a pressão aumentou e o fumo diminuiu. Houve também um grande aumento da prevalência de diabetes mellitus, caracterizada pelo aumento anormal da glicose no sangue. Entre as mulheres, a pressão arterial, a taxa de colesterol e o fumo permaneceram estáveis, mas houve aumento de obesidade e de diabetes.

Towfighi acredita que a melhoria no estado de saúde dos homens pode ser reflexo das campanhas educativas que se intensificaram nos últimos anos. Ela defende que o mesmo seja feito em relação às mulheres. ;No passado, mulheres com fatores de risco cardiovasculares não eram diagnosticadas nem tratadas. Por exemplo, estudos já mostraram que os homens têm o nível de colesterol mais medido que as mulheres, que também tendem a controlar menos a hipertensão. Algumas razões para essas disparidades entre os sexos podem incluir fatores relacionados aos pacientes, ao sistema de saúde e aos médicos;, diz a médica. ;É preciso dar mais atenção à prevenção dos fatores de risco nas mulheres de meia idade. Em particular, são necessários esforços para reduzir o crescimento da obesidade e da diabetes;, acredita.

Homens têm mais riscos de morte
Se as mulheres estão se tornando mais vulneráveis a enfartes, elas correm menos riscos do que os homens depois de sofrerem o ataque. A cardiologista Viola Vaccarino, da Emory University School of Medicine, em Atlanta, coletou dados de 916.380 pacientes do Registro Nacional de Enfarte do Miocárdio, num período de 12 anos, entre 1994 e 2006. As taxas de mortalidade decorrentes do enfarte diminuíram entre homens e mulheres ao longo do tempo analisado, mas o decréscimo foi mais significativo entre pessoas do sexo feminino.

As mulheres com menos de 55 anos foram as que apresentaram maiores reduções no risco de morte: 52,9%. Já entre os homens da mesma faixa etária, a queda foi bem menor, de 33,3%. Dos quase 1 milhão de pacientes analisados, 10% das mulheres e 25% dos homens tinham menos de 65 anos. Independentemente da idade, as pessoas do sexo feminino tinham um histórico maior de hipertensão, mas os fatores de risco não apresentaram diferenças significativas.

;O resultado pode ser atribuído ao melhor diagnóstico e tratamento de doenças coronarianas e seus fatores de risco, antes do enfarte agudo do miocárdio ocorrer;, sugere Viola Vaccarino. Ela admite, entretanto, que as causas do decréscimo maior da mortalidade entre mulheres não estão completamente esclarecidas. O cardiologista Renault Ribeiro Jr., da clínica Cardiovita e do Hospital Santa Lucia, lembra que, além de um melhor preparo dos profissionais de saúde, os avanços tecnológicos possibilitam diagnósticos mais precisos e tratamentos avançados, o que beneficia todos os pacientes. Ele também ressalta, contudo, que as mulheres costumam procurar mais o médico do que os homens. (PO)


O número
916 mil - Número de pacientes do Registro Nacional de Enfarte do Miocárdio dos EUA analisados no estudo

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