Ciência e Saúde

Lixo para limpar

A cabeça e a casca do camarão, que geralmente são jogadas fora, podem ser usadas na despoluição de águas contaminadas por resíduos industriais e esgotos, indica pesquisa realizada por equipe da Unisul, em Santa Catarina

postado em 28/11/2009 07:00
A cabeça e a casca do camarão, que geralmente são jogadas fora, podem ser usadas na despoluição de águas contaminadas por resíduos industriais e esgotos, indica pesquisa realizada por equipe da Unisul, em Santa CatarinaEnzimas presentes na cabeça e na casca do camarão podem ser a solução para a limpeza de águas atingidas por dejetos líquidos provenientes da indústria ou do esgoto doméstico, os chamados efluentes. É o que indica uma pesquisa realizada por um grupo de cientistas da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) que descobriu uma maneira ambientalmente correta e eficaz de destruir compostos orgânicos usando, para isso, uma matéria-prima cujo destino mais provável seria a lata de lixo. Por esse motivo, a técnica é economicamente viável e, segundo os especialistas, não traz as desvantagens dos métodos já existentes, que podem apresentar riscos ambientais na remoção de substâncias tóxicas.

Num primeiro momento, os cientistas avaliaram e descobriram nos crustáceos uma excelente capacidade metabólica. ;A partir daí, surgiu a ideia de isolar as enzimas (1)oxidativas para fazer a biodigestão de matéria orgânica dos efluentes. Descobrimos que existe uma grande capacidade de limpeza;, explica o professor Jair Juarez, responsável pelo Grupo de Pesquisa em Catálise Enzimática e Síntese Orgânica (Grucenso). ;Hoje, temos uma mistura de enzimas que estão sendo testadas em laboratório, mas não temos um produto pronto, como um detergente propriamente dito;, destaca.

Durante a pesquisa, os efluentes foram armazenados em reatores com 1l de capacidade (veja arte). Depois disso, foram colocados os produtos químicos responsáveis pelas reações subsequentes. ;Ao obtermos o extrato das enzimas, a partir do trituramento da cabeça e da casca em liquidificador, misturamos os dois produtos. Em média, depois de uma hora, a água estava limpa. Porém, dependendo da concentração de enzimas, é possível obter a água limpa em até 10 minutos;, diz o professor Everton Skoronski, um dos autores do estudo.

De acordo com ele, as enzimas são biocatalisadores naturais que aumentam a velocidade das reações químicas. ;A lipase, por exemplo, age exclusivamente nas gorduras. Ela é bastante usada na fabricação de sabão, pois aumenta a velocidade da quebra de moléculas de gordura, que se tornam mais fáceis de serem degradadas;, esclarece.

Promissor
A existência de uma grande quantidade de matéria-prima (cabeças e cascas de camarão) é o principal fator que torna o estudo promissor. Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) referentes a 2007 apontam uma produção de 65 mil toneladas do crustáceo cultivado no Brasil. Os estados que mais se destacam são o Rio Grande do Norte e o Ceará.

Além do uso de matéria-prima que seria simplesmente descartada, a técnica pode substituir o uso de substâncias que podem causar impactos ambientais negativos, como o peróxido de hidrogênio e o hipoclorito de sódio. ;Tais processos oferecem riscos de liberação de substância tóxica no meio ambiente;, afirma Juarez.


Reações químicas
As enzimas ão biocatalisadores naturais que aumentam a velocidade das reações químicas e chegam a ser mais potentes do que os catalisadores produzidos pelo homem. Entre as enzimas estudadas estão as lacases, as oxidases e as lipases. Estas últimas, por exemplo, agem exclusivamente na gordura, aumentando a velocidade da quebra da molécula pela água (hidrólise).





"Hoje, temos uma mistura de enzimas que estão sendo testadas em laboratório, mas não temos um produto pronto, como um detergente propriamente dito"
Jair Juarez, professor da Unisul






Nova fonte de renda
Além de abrir caminhos para o desenvolvimento de um composto que ajude no tratamento de águas contaminadas, a pesquisa realizada pela equipe da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) pode significar o surgimento de uma nova fonte de renda para as pessoas que trabalham com a limpeza do camarão. Hoje, pequenas empresas se dedicam a limpar o crustáceo para que o produto seja vendido já limpo. O resultado acaba sendo milhares de toneladas de casca e de cabeça de camarão jogadas fora. Em vez de descartar o material, essas pessoas poderiam vendê-lo à indústria que venha a fabricar o composto. ;É mais uma fonte de renda para essas pessoas;, destaca o professor Jair Juarez.

Para a professora da Universidade de Brasília (UnB) Vera Catalão, grande parte dos materiais que vão para o lixo poderia entrar novamente no ciclo produtivo. ;Mas isso depende do custo da reciclagem, que não pode ser muito alto;, destaca a coordenadora da agenda ambiental da instituição de ensino. Na opinião da professora, pesquisas como a da Unisul são importantes para a saúde do planeta. ;Dessa forma, a ciência cumpre o seu papel ao desenvolver mecanismos de limpeza do meio ambiente a partir de produtos que seriam descartados;, afirma.

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