Ciência e Saúde

Especialistas aconselham pais e mães sobre como enfrentar a difícil situação de uma longa internação dos filhos

Acompanhamento sem tréguas e sinceridade integral sobre o que está ocorrendo são fundamentais

postado em 19/04/2010 07:00 / atualizado em 28/09/2020 14:58

Médica Debora Tessis com Edinalva Ferreira Coutinho e Victor Hugo Coutinho no Hospital AnchietaTer uma criança internada longamente em um hospital é uma experiência ameaçadora e jamais planejada por pais e mães. Ainda assim, quem tem filhos sabe: doenças e acidentes inesperados que demandam hospitalização podem ocorrer com relativa frequência na história de vida de meninos e meninas. O desafio é passar por eles sem traumatizar a criança e desestabilizar a família, já que a situação traz dor, medo, ansiedade e muito estresse. Para os recém-nascidos, a prematuridade é a principal causa de internação, mas as doenças cardíacas e respiratórias também são motivos constantes de estadas prolongadas em unidades hospitalares. Acidentes e traumas, como quedas e afogamentos, levam muitos pequenos que ainda vivem as descobertas da primeira infância aos leitos de enfermarias e de unidades de terapia intensiva. Embora acuados pelo ambiente novo, pelas intervenções médicas e pela atmosfera geralmente fria dos hospitais, nessa hora é fundamental que os pequenos encontrem forças para se restabelecer. Além dos profissionais dedicados à recuperação das crianças, dos medicamentos e procedimentos necessários para que ela se concretize, mais do que nunca a companhia da mãe ou do pai é o porto seguro nesse momento. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) esse direito é garantido. O ECA assegura que a garotada, independentemente do local da internação ; seja em hospital particular ou em público, em quarto, em enfermaria ou em unidade de terapia intensiva ;, esteja acompanhada pelos pais ou responsáveis 24 horas por dia. A coordenadora médica da UTI Neonatal e Pediátrica do Hospital Anchieta, Débora Tessis, explica que até os recém-nascidos têm memória da voz e do cheiro dos pais. Estudos comprovam que os bebês esboçam melhora considerável no quadro clínico quando estão acompanhados por eles. ;Quanto mais humanizado é o atendimento médico, maiores as chances de recuperação. Os pais também precisam de acolhimento e atenção. É natural que estejam desnorteados, inseguros e com medo de que o pior aconteça. Pediatras, enfermeiros e todo o time que atua nos cuidados de crianças em hospitais precisam ter preparo para entender e dar suporte à família. Afeto só faz bem, mas para dar afeto é preciso recebê-lo;, enfatiza. Segundo a pediatra, por mais novas que sejam, as crianças têm percepção da gravidade e da evolução do quadro. É importante que se explique, ainda que em linguagem lúdica, o problema pelo qual ela está passando. ;Para cada situação, existe uma abordagem. É fundamental não mentir. Os pais devem ter acesso a todas as informações da doença e do tratamento e as crianças devem saber o que está se passando. É o fator que traz segurança a todos;, diz. Contrastes A professora Rosângela Mezet Ferreira, 41 anos, já viveu situações contrastantes nas incontáveis internações do filho. O pequeno Alan Mezet Fernandes, 13 anos, nasceu com incompatibilidade sanguínea. O problema resultou em uma lesão cerebral, diagnosticada quando ele tinha 5 meses. A primeira internação ocorreu antes que ele completasse 1 ano. Uma forte pneumonia, intercorrência frequente em casos como o de Alan, por conta do refluxo e da dificuldade de expectoração, o levou à hospitalização. ;Foi um baque. Mesmo sabendo de todas as limitações do meu filho, me assustei, perdi o chão. Sonhamos com rebentos saudáveis, brincando, estudando, curtindo a vida ; e numa hora dessas imaginamos o pior. O problema do meu menino é irreversível. São administrados medicamentos que o deixam mais confortável, mas o que o tranquiliza mesmo é a minha presença. O carinho é o mais eficaz dos remédios;, revela. Até os 11 anos, Alan nunca havia sido internado na unidade de terapia intensiva, mas de dois anos para cá a hospitalização na UTI pediátrica tem sido constante. A última já dura cinco meses. Entre as várias internações de Alan, o casamento de Rosângela não resistiu. Ela se casou novamente com uma pessoa que passava por situação semelhante à dela. Da nova união, nasceu uma menininha, com a mesma incompatibilidade de Alan. Transfusões sanguíneas feitas a tempo preservaram a saúde da criança. No entanto, ela também precisou de internações. ;O hospital oferecido pelo plano de saúde não tinha abordagem humanizada. O sofrimento foi multiplicado. Não tínhamos acesso às informações e à evolução do quadro dela. Não podíamos entrar na UTI fora do horário rígido estabelecido pela equipe e nem tínhamos o apoio psicológico para lidar com a situação. Hoje, minha filha está bem, mas foi traumatizante e muito diferente do que conseguimos oferecer ao Alan;, desabafa Rosângela. A psicóloga hospitalar Clarisse Ribeiro confirma que uma internação sempre remete à possibilidade de morte, principalmente quando a criança fica na UTI, e é justamente isso que desestabiliza os pais e a família. O acompanhamento psicológico é um suporte para ajudar a entender a situação. Se os pais se sentem inseguros, a criança também se sentirá. ;A instabilidade emocional interfere na recuperação e dificulta a reação positiva do corpo. A criança tem o direito de saber, inclusive, sobre a possibilidade ou não de alta. A partir dos 4 anos, podemos oferecer elementos lúdicos que a colocam a par da realidade. O importante é sempre informar, conversar, orientar e deixar a criança expressar o sofrimento;, pondera. É fundamental não mentir. Os pais devem ter acesso a todas as informações da doença e do tratamento e as crianças devem saber o que está se passando. É o fator que traz segurança a todos; Débora Tessis, pediatra Ouça entrevista com a pediatra Débora Tessis; Depoimento Momentos terríveis ;Passei por momentos terríveis quanto meu filho Vinícius Vieira de Araújo ficou internado por 30 dias, quando tinha apenas 3 anos. Quase uma década depois da experiência, o garoto ainda sofre com as marcas psicológicas do período da hospitalização e até hoje tem verdadeiro pavor de injeções e agulhas. O drama começou em um dia que ele estava febril. Decidi levá-lo ao hospital a fim de saber o que era. Para meu desespero, a criança foi internada com uma pneumonia grave, que a deixou uma semana na UTI. Me senti personagem de um filme de terror. Meu filho estava bem em um dia, pulando e brincando, e 24 horas depois estava internado. Ainda que abalada e culpada, não abri mão de ficar ao lado de Vinícius o tempo todo. Ter contato com a criança numa situação dessa é imprescindível e toda mãe deve saber que aprendemos a tirar força das adversidades. É preciso exigir nossos direitos também, além de assegurar os direitos dos pequenos. Está na lei. Pai e mãe podem acompanhar os filhos no hospital. Não tem como ser diferente. Vinícius ficou bem, mas dá um trabalho danado para tirar sangue nos checapes anuais que sempre fazemos. É preciso três pessoas para segurá-lo.; Magna Rejane Vieira, professora Direito à companhia A professora Rosângela e Alan, hoje com 13 anos e internado em uma UTI pediátrica há cinco meses: A psicóloga hospitalar Clarisse Ribeiro lembra que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura o direito de acompanhamento, mas muitas crianças acabam ficando sozinhas por todas as dificuldades já conhecidas, como a falta de leito e estrutura das unidades hospitalares públicas, ou mesmo pelo fato de os pais não suportarem lidar com a dificuldade do momento. ;Nem todos têm acesso aos psicólogos. Além do conforto emocional, esse profissional minimiza a distância entre a família e os médicos. Isso faz a diferença para a criança, porque quando há confiança e menos atitudes defensivas de todas as partes, as chances de superação são maiores;, enfatiza. Foi o que, de certa forma, ocorreu com o filho da técnica em edificações Edinalva Ferreira Coutinho, 32 anos. Durante a gravidez, os médicos detectaram a má-formação do bebê. O que ela não esperava era que, dois dias depois do nascimento, a criança fosse diagnosticada com displasia camptomélica, uma síndrome rara, que se caracteriza pelo desenvolvimento anormal de ossos e cartilagens. O mal é fatal na maioria dos casos e a história da criança foi agravada por conta de um problema pulmonar que a impedia de respirar. A UTI pediátrica passou a ser a casa da família. Hoje, Victor Hugo tem 2 anos e 7 meses e permanece internado no local, mas superou todas as expectativas e se prepara para, finalmente, conhecer o quartinho preparado com dedicação durante a gestação da mãe. ;Foi um choque saber que ele ficaria em uma UTI. A dificuldade para aceitar essa realidade é avassaladora. Como mãe, fui tomada por um sentimento de culpa e tristeza. Primeiro, procurei saber tudo sobre a síndrome, mas tive uma depressão e resolvi viver cada dia sem me preocupar com o amanhã;, conta. ;Estar ao lado de Victor o tempo inteiro me deu forças e tenho certeza que ele também se fortaleceu. Quando eu vacilava, ele sentia e o estado era agravado.; A equipe médica sempre colocou Edinalva e o marido a par de todas as dificuldades para manter Victor vivo. A UTI está de portas abertas para o casal a qualquer hora do dia ou da noite. Nos momentos mais difíceis, pai e mãe compartilham a dor nas reuniões semanais realizadas com os profissionais que atuam na unidade e com os pais de outros pacientes. ;As alegrias também são divididas nesses encontros. A despeito de todos os prognósticos, o respirador artificial foi retirado há um mês e os médicos já preparam a remoção de Victor, que receberá os cuidados que precisa em casa. Aprendi que a UTI também é local de vitórias, onde pode-se superar todas as adversidades, se a relação com os médicos for franca e humana. Com uma equipe que sempre nos apoiou, comemoramos os dois aniversários de Victor e vamos comemorar sua ida para casa;, acredita Rosângela. Saiba mais Proteção legal A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Art. 11 - É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde Art. 12 - Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente. Art. 13 - Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal, que atribui à criança e ao adolescente prioridade absoluta no atendimento aos seus direitos como cidadãos brasileiros.

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