Ciência e Saúde

Promessa contra a infecção generalizada

Estudo da USP em parceria com a Universidade de Glasgow, no Reino Unido, mostra que maiores doses de proteína fabricada pelo próprio organismo podem ajudar no combate à sepse

postado em 29/05/2010 11:21

Em janeiro do ano passado, o destino trágico da modelo Mariana Bridi, 20 anos, deixou o país assustado. As pessoas tinham dificuldade em entender o problema que tinha afetado a jovem, levando à amputação de seus pés e mãos e causando depois sua morte. A sepse ou infecção generalizada é um dos maiores problemas para os sistemas de saúde em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o problema atinge cerca de 750 mil pacientes por ano somente nos Estados Unidos, resultando em aproximadamente 200 mil mortes. Acredita-se que no Brasil o número de óbitos seja 10% a 20% maior do que nos EUA.

Agora, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (USP) e da Universidade de Glasgow, no Reino Unido, descobriu o que pode ser a chave para o controle da sepse. Após de dois anos de pesquisa, os cientistas conseguiram demonstrar que uma proteína existente no próprio organismo, a citocina IL-33, pode restabelecer as defesas do corpo em um quadro de infecção generalizada. Segundo o farmacologista da USP José Carlos Faria Alves Filho, um dos autores do estudo, a IL-33 aumenta a migração de neutrófilos ; células consideradas os ;soldados; da linha de frente do sistema imune ; para o foco da infecção. ;A presença dessas células no foco inflamatório é crucial para o controle do crescimento bacteriano;, afirma.

Em estudos anteriores, os pesquisadores brasileiros demonstraram que a sepse desenvolvia-se, em parte, pela ocorrência de uma falha na migração de neutrófilos para o foco da infecção. O motivo, no entanto, era um mistério. Há 15 anos, quando foi demonstrado que o mal é uma doença inflamatória sistêmica, todos imaginaram que a inibição das citocinas iria resolver o problema, ;mas ninguém investigou com profundidade o papel delas;, lembra Fernando Queiroz Cunha, professor do Departamento de Farmacologia da USP e supervisor do estudo no Brasil.

Quando uma infecção é detectada no organismo, um grupo de moléculas chamadas receptores toll-like, que fazem parte do sistema imunológico, entra em ação para reconhecer o tipo de bactéria que invadiu o corpo. Esses receptores ativam os neutrófilos, que migram para o foco infeccioso. Porém, quando há sepse, as bactérias soltam seus produtos bacterianos com o lipopolissacarídeo (LPS) ; componente principal da parede celular da bactéria ; na corrente sanguínea, o que acaba tornando a interpretação da infecção errada pelos receptores toll-like. ;Soltar o LPS no sangue é uma forma das bactérias enganarem o sistema imunológico. Com isso, esses receptores interpretam que todo o organismo está sendo atacado e deixam de mandar as defesas para o foco inflamatório;, explica Cunha.

Como o LPS se encontra na circulação, os neutrófilos ativados acabam também tendo uma função nociva, que faz com que produzam substâncias que lesionam órgãos, causando sua falência múltipla. ;A citocina IL-33 inibe a ativação dos receptores toll-like e assim restabelece a migração correta dos neutrófilos para a infecção originária;, constata Alves Filho.

Os experimentos foram realizados em camundongos. Nos testes, os pesquisadores constataram que, no caso de infecções graves, são baixos os níveis da citocina IL-33 e altos os níveis de uma forma solúvel do receptor, que inibe os efeitos da proteína. ;Por isso tratamos esses camundongos com essa citocina, para aumentar sua disponibilidade durante a sepse;, explica Cunha. Os resultados, de acordo com o pesquisador, foram surpreendentes. A porção dos animais com sepse que morriam caiu de 80% para 20%. ;Observamos uma redução dos níveis de infecção, diminuição da inflamação sistêmica (sepse) e um aumento significativo da sobrevida dos animais;, comemora.

Ao mesmo tempo, os pesquisadores identificaram que em amostras de soro de pacientes que morreram de sepse há também altos níveis de receptores solúveis, associados a uma capacidade menor da migração de neutrófilos desses pacientes. ;Essa citocina não tem nenhuma capacidade microbicida, ela simplesmente fortalece o sistema imune para que ele próprio consiga controlar o foco da infecção;, diz Alves Filho.

Estudo da USP em parceria com a Universidade de Glasgow, no Reino Unido, mostra que maiores doses de proteína fabricada pelo próprio organismo podem ajudar no combate à sepse

Próximos passos
A equipe de pesquisadores tem ainda um caminho longo a percorrer, uma vez que a citocina também pode apresentar efeitos nocivos, causando outras doenças. ;Embora a resposta imune das toll-like seja importante para o controle das infecções, ela é a responsável pelo desenvolvimento de algumas doenças como a asma;, esclarece Alves Filho. Cunha explica que o próximo passo é investigar esse efeito deletério da IL-33. Os cientistas vão agora demonstrar se essa citocina, em altas doses, é ou não tóxica para o ser humano. ;Nem tudo que é do corpo é inofensivo. O organismo funciona como uma orquestra. Algumas substâncias em altas doses podem trazer algum mal à saúde;, lembra Cunha.

Atualmente, a sepse é a principal causa de morte nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e uma das maiores responsáveis pela mortalidade hospitalar tardia, superando o enfarte no miocárdio e o câncer. ;Pesquisas com respostas tão positivas, como o estudo sobre a IL-33, trazem muito alento, já que a sepse provoca uma mortalidade muito alta e continua sendo um problema no mundo inteiro;, comenta o médico intensivista e presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), Ederlon Rezende. ;O lado negativo disso é que, mesmo sendo produtivo em animais, ele tem de passar por várias etapas até que a gente consiga demonstrar efetivamente benefícios ao ser humano;, conclui.

Tubo de ensaio
Fatos científicos que marcaram a semana

; Segunda-feira, 24 Planeta ;engolido;
Uma estrela semelhante ao Sol, chamada Wasp-12, está ;devorando; lentamente um planeta próximo, o Wasp-12b, segundo sinais emitidos pelo Telescópio Espacial Hubble. De acordo com os especialistas, essa é a primeira vez que o fenômeno foi registrado claramente. Embora o planeta esteja longe demais para ser fotografado pelo equipamento, os cientistas criaram uma imagem baseada em análises das informações coletadas pelo Hubble. O material foi divulgado no começo da semana pela publicação científica The Astrophysical Journal Letters. Segundo os cientistas o Wasp-12b pode existir por mais 10 milhões de anos antes de ser completamente engolido. O planeta está tão próximo da estrela que completa uma órbita em apenas 1,1 dia terrestre. Por isso, tem temperaturas em torno dos 1.500;C.

; Terça-feira, 25 Phoenix desativada
A Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) encerrou a missão da sonda Phoenix depois que repetidas tentativas de contato com a nave pousada em Marte não mostraram resultados. Na semana passada, o local de aterrissagem da Phoenix foi sobrevoado 61 vezes, porém, nenhuma transmissão foi detectada. A Phoenix também não havia se comunicado durante 150 voos em três campanhas anteriores realizadas neste ano. A sonda, que era alimentada por energia solar, completou sua missão de três meses e continuou trabalhando até a diminuição da luz solar dois meses depois, com a chegada do inverno. As tentativas de contato foram feitas porque agora a sonda teria voltado a ficar iluminada pelo Sol.

Quarta-feira, 26 Cupins favorecem a vida
Segundo uma pesquisa coordenada por Robert Pringle, da Universidade Harvard, e publicada na revista PLoS Biology, o cupim contribui para a produtividade do solo por meio de uma rede de colônias uniformemente distribuídas. O trabalho mostrou que os cupinzeiros estudados no Quênia têm cerca de 10m de diâmetro e estão distribuídos a distâncias de 60m a 100m entre eles. As estruturas abrigam milhões de insetos e muitas vezes são centenárias. Depois de observar um número inesperado de lagartos nas vizinhanças de cupinzeiros, os pesquisadores passaram a quantificar a produtividade ecológica relativa à densidade das estruturas. Eles perceberam que as plantas crescem mais rapidamente e as populações de animais são maiores nas áreas próximas aos cupinzeiros.

; Quarta-feira, 26 Espécie de ave extinta
A organização ambientalista Birdlife International anunciou na quarta-feira a extinção de mais uma espécie de ave. Segundo a ONG, o mergulhão do Lago Alaotra (Tachybaptus rufolavatus) não era mais avistado havia 25 anos. O uso de redes de pesca de náilon e a invasão de seu habitat por peixes carnívoros invasores são apontados como as principais causas do desaparecimento da espécie, que habitava uma região de Madagascar.

; Sexta-feira, 28 Painéis solares prejudicam insetos
Eles são encarados como ecologicamente corretos. Entretanto, os conhecidos painéis solares que geram energia podem ser prejudiciais para insetos que botam ovos na água, de acordo com um estudo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. A pesquisa mostra que mais de 300 espécies de animais podem encarar a placa solar como uma poça d;água e tentar depositar seus ovos ali. Os cientistas disseram que, além de atrapalhar a reprodução dos bichos, as placas fazem com que eles se tornem presas fáceis. Para solucionar o problema, recomenda-se que sejam colocadas listras brancas sobre as placas. Isso poderia fazer com que o equipamento perdesse 1,8% da sua capacidade de geração de energia, mas evitaria o problema ambiental.

; Sexta-feira, 28 Vacina antitabagismo
Uma novidade para fumantes que querem deixar o vício: está em fase de testes na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, uma vacina para bloquear a sensação de prazer ao consumir a nicotina presente no cigarro. A ideia é ajudar tanto quem quer parar de fumar, quanto quem não quer ter uma recaída, já que, segundo dados da OMS, 90% dos que abandonam o vício acabam voltando a fumar depois de algum tempo. O primeiro grupo de pacientes já está recebendo doses regulares da substância conhecida como NicVax. Os primeiros resultados dos testes devem ser divulgados em 2012.

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