Ciência e Saúde

Ameaça ao Mar Vermelho

Temperatura das águas na região vem subindo mais do que a média mundial e os tradicionais corais locais podem parar de crescer em 2070. Mortalidade dos organismos já aumentou. Conclusão é de estudo que acaba de ser publicado na revista Nature

Paloma Oliveto
postado em 17/07/2010 07:00
Dono de uma das mais ricas faunas oceânicas, o Mar Vermelho (1) corre o risco de perder parte de sua biodiversidade devido ao aquecimento global, que está aumentando a temperatura das águas. Os recifes de corais, que atraem mergulhadores de todo o mundo, podem parar de crescer daqui a 60 anos, caso não sejam tomadas medidas, de acordo com um estudo publicado na revista especializada Nature.

Cantin prepara coral para ser escaneado em um tomógrafo: estudo avança;A temperatura da superfície do mar nos trópicos tem sofrido um aumento entre 0,4;C e 1;C desde meados da década de 1970. Paralelamente, diminuíram a frequência e a extensão dos recifes, ao mesmo tempo em que a mortalidade dos corais tem sido cada vez mais observada;, disse ao Correio o oceanógrafo Neal E. Cantin, principal autor do estudo. ;Temos grande preocupação que a mudança climática seja a maior ameaça à sobrevivência do ecossistema dos recifes por todo o mundo.; Segundo Cantin, entre 1941 e 1942, o mesmo ocorreu com os corais, devido a um fenômeno natural que aqueceu as águas do Mar Vermelho. ;Porém, em três anos, o oceano esfriou novamente e tudo voltou ao normal.;

O estudo do oceanógrafo concentrou-se no coral Diploastrea heliopora, cuja principal característica é o tamanho. A espécie, endêmica do Oceano Índico, cresce em colônias imensas, que podem ultrapassar 5m de extensão cada. Os corais são arredondados, possuem até 10mm de diâmetro e formam uma espécie de muro, cuja beleza costuma ser exaltada por mergulhadores. Para chegar à conclusão de que em 2070 eles deixarão de existir, a equipe de Cantin juntou dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) com imagens em três dimensões, feitas com um tomógrafo.

Segundo Cantin, predições baseadas em experimentos e observações em campo indicam que o efeito combinado do aumento da temperatura e da acidificação oceânica, além de produzir o desbotamento dos coloridos corais, pode reduzir sua calcificação em 80%. Isso deve ocorrer quando a concentração de dióxido de carbono na atmosfera atingir o nível de 560 partículas por milhão (ppm), o que está previsto pelo IPCC para acontecer em 2055. ;As temperaturas elevadas diminuem a taxa de calcificação (2) dos recifes à medida que afetam a relação entre os corais hospedeiros e suas algas simbióticas, as zooxanthellae. Com o aquecimento, as algas não conseguem fazer a fotossíntese, e é o subproduto da fotossíntese das algas que produz a calcificação;, explica Cantin.

Ameaças
Os corais da espécie Diploastrea heliopora crescem em colônias imensas: aquecimento global já começou a diminuir o tamanho das estruturasDe acordo com o cientista, um aumento prolongado de 1;C em diante sobre a temperatura máxima da superfície marítima pode resultar na cessação da calcificação, o que diminuiria o tamanho dos recifes, e, em alguns casos, significaria a morte dos corais. Embora de forma geral a temperatura oceânica tenha aumentado entre 0,4;C e 1;C nos últimos 40 anos, no Mar Vermelho o aquecimento excedeu a média das zonas tropicais. ;Na década passada, durante o verão (julho, agosto e setembro, no Oceano Índico), essa região registrou 1,46;C a mais que a média histórica;, revela Cantin.

A equipe do pesquisador retirou amostras do Diploastrea heliopora para produzir imagens em três dimensões em um tomógrafo e verificar se as alterações climáticas tiveram consequências na morfologia dos recifes. Assim como se faz com os anéis das árvores, os cientistas conseguem saber a idade dos corais que formam o recife, realizando coortes na estrutura. ;O crescimento do esqueleto aumenta inversamente com a temperatura. Quando ela excede 30,5;C, o crescimento do Diploastrea heliopora declina rapidamente, cerca de 5% a cada 0,2;C;, constata o pesquisador.

;No começo da década de 1940, a temperatura no Mar Vermelho durante o verão ficou 3;C acima da média, por dois anos sucessivos. A média de crescimento anual dos corais diminuiu 44% no período;, conta Cantin. ;Mas, naquele caso, a anomalia foi por pouco tempo, e o crescimento das taxas se recompôs rapidamente. Agora, porém, o aquecimento persiste. Nosso estudo indica que desde o verão de 1998, nessa estação a temperatura cresce entre 0,9;C e 2,2;C. Um declínio de 30% na extensão dos recifes foi verificada no mesmo período.;

Segundo o oceanógrafo, à medida que a temperatura continuar a aumentar, eventos que causam uma significativa perda das algas simbióticas se tornarão mais frequentes. ;Sem uma imediata e agressiva intervenção global para reduzir as emissões de carbono abaixo das previsões do IPCC, o estresse gerado pelo calor vai, certamente, resultar em mais deterioração da saúde dos corais do Mar Vermelho ao longo deste século;, adverte o estudo publicado na Nature.

1 - Apenas um golfo
Apesar do nome, o Mar Vermelho não é um mar, mas um golfo situado no Oceano Índico. Com comprimento de 1,9 mil quilômetros de largura e 2,5 mil metros de profundidade máxima, ele é famoso pela vida marinha, onde vivem mais de mil espécies de invertebrados, 200 de corais e 300 de tubarões. A temperatura média varia entre 21;C e 25;C.

2 - ;Esqueletos;
Os muros de recifes, compostos por carbonato de cálcio, são uma espécie de esqueleto proveniente do acúmulo de algas, corais e outros micro-organismos marinhos. As algas são as principais responsáveis pela constituição do esqueleto dos recifes. Quando fazem fotossíntese, elas secretam nutrientes orgânicos, que ajudam no fortalecimento e no crescimento rápido dos corais.

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