Ciência e Saúde

Mulher trabalhar fora não prejudica o desenvolvimento cognitivo dos filhos

O importante é usar o tempo disponível para interagir e se relacionar de forma afetiva com os pequenos

postado em 07/12/2010 08:00
Gláucia Paixão voltou ao trabalho quando Júlia estava com apenas  3 meses: busca de crescimento e realização profissional sem deixar de dar atenção e carinho à filhaSurge um alívio para as mães que trabalham fora e se sentem culpadas por passarem a maior parte do dia longe dos filhos. Estudo divulgado pela Universidade Columbia, de Nova York (EUA), mostra que o trabalho materno não afeta significativamente a evolução da capacidade de aprendizagem e dos laços afetivos com as crianças. O motivo? A qualidade do tempo investido com os pequenos tem mais importância do que a quantidade. Em entrevista ao Correio, a pesquisadora Wen-Jui Han, uma das autoras do estudo, alerta que ficar o tempo todo em casa não necessariamente significa dar atenção às necessidades dos filhos. ;São vários os aspectos que fazem a diferença: a sensibilidade das mães aos sinais e aos questionamentos da criança, a interação familiar (como o uso de voz suave ou ríspida na hora de conversar), a saúde mental da mãe (como estresse ou depressão), a qualidade dos cuidados que o pequeno recebe, a capacidade de os familiares serem capazes de prover um ambiente cognitivamente estimulante;, enumera.

Lucinete, com os filhos Dênis e Sabrina: A professora Lucinete Macedo, 37 anos, mãe de Sabrina, 6, e Dênis, 5, concorda com os resultados do estudo, publicado em julho, principalmente no que diz respeito à importância da interação com os filhos. ;Embora eu trabalhe, quando estou em casa abro mão da minha individualidade para cuidar das crianças. É uma decisão que eu e meu marido tomamos quando resolvi que queria ser mãe;, destaca. A rotina de Lucinete é corrida. Ela vai para o trabalho às 7h15, volta às 12h30 para almoçar com as crianças, retorna à escola uma hora depois e só chega em casa novamente às 17h. A professora, no entanto, não deixa o cansaço do dia a dia se sobrepor à vontade de se dedicar aos filhos. ;Assim que abro a porta, fico direto com meus filhos. Tenho a atenção voltada para eles. Não tem essa de chegar, dizer ;estou cansada; e deixá-los de lado.;



Entre as atividades que faz com os filhos, está acompanhar o dever de casa, participar das brincadeiras, desenhar, assistir a filmes e desenhos e, principalmente, ler com os dois. ;Sempre os estimulei para que gostem de literatura. Quando eram bebês, os brinquedos para a hora do banho eram livros de plástico, que podem ser molhados;, conta a mãe, acrescentando que, atualmente, os pequenos têm uma estante só de livros no quarto. ;Já está instituído que os presentes de Natal são sempre um livro e um brinquedo. No aniversário, é a mesma coisa.;

No entanto, o estímulo à leitura e a aquisição de brinquedos pedagógicos não impedem a mãe de comprar brinquedos comuns, que atraem a qualquer criança, e de brincar com eles. A psicóloga Tássia Raquel da Silva considera as atitudes da mãe de Sabrina e Dênis positivas. ;Estar inteiramente com o filho, mesmo que seja só por uma hora, e se interessar pela rotina e pelos gostos dele, além de importante, é necessário. O desenvolvimento cognitivo só se completa com o fortalecimento do vínculo afetivo;, alerta.

Telefonemas
Por precisar gerenciar três lojas, a empresária Andréa Carvalho, 41 anos, mãe de Ana Luiza, 14, e Gustavo, 3, passa muito tempo fora e, em alguns dias, só volta para casa quando os filhos já estão dormindo. No entanto, ela procura ;administrar família e trabalho; da melhor maneira possível. Uma de suas preocupações, por exemplo, é achar um tempinho para ligar para Ana e Gustavo sempre que pode. ;Também tenho duas pessoas de confiança que ficam com eles;, acrescenta.

A psicopedagoga Flávia Della Giustina assegura que uma simples ligação para perguntar como as crianças estão e orientá-las nas atividades e responsabilidades que têm em casa já faz diferença. Desse modo, segundo a especialista, os filhos percebem que a distância não é um indício de que a mãe não se importa com eles, mas é uma questão apenas circunstancial.

Andréa também faz questão de não delegar a suas ajudantes toda a tarefa de educar os filhos nem limitar o contato com os dois aos telefonemas. ;Almoço com eles e sempre vejo o que eles precisam fazer à tarde para a escola. Gosto de fazer esse acompanhamento. E sempre que tenho tempo, brinco com o mais novo, converso com a mais velha, os levo para passear;, diz. Uma das medidas que adotou para passar mais tempo com a família foi separar um sábado por mês para não trabalhar e se dedicar à família. A empresária também costuma levar os dois para suas lojas, onde conhecem um pouco mais do trabalho dela. Tal interação é considerada positiva por Flávia, que ressalta a inserção social e a capacidade de lidar com novas situações.

Primeiro ano
Um alerta que vem da pesquisa da Universidade Columbia são ;suaves perdas; no desenvolvimento congnitivo da criança quando a mãe volta a trabalhar no primeiro ano de vida do filho. No entanto, não é o trabalho em si o culpado, adverte Wen-Jui Han. ;O que acontece é que mães que voltam ao trabalho nesse período estão muito mais suscetíveis a ficarem estressadas, por ter de lidar tanto com as responsabilidades do trabalho quanto com as da família;, explica a pesquisadora.

Além disso, ela ressalta que o emprego materno após o primeiro ano tende a ter efeitos positivos no desenvolvimento infantil, em termos gerais. ;Uma profissão dá a qualquer indivíduo o senso de realização, particularmente quando envolve tarefas mais desafiadoras e que permitem às mães usar sua capacidade intelectual. As mães, por sua vez, trazem essa capacidade intelectual de volta para casa quando interagem com suas crianças;, ressalta.

Gláucia Paixão, 22 anos, mãe de Júlia, 1 ano e 2 meses, voltou a trabalhar três meses após o nascimento da filha. Exceto o fato de ter que ficar o dia todo longe da bebê ; já que entra no trabalho às 8h e só chega em casa às 19h ;, a funcionária de uma companhia de planos de saúde não vê aspectos negativos em ter de deixar a menina com a sogra enquanto cuida da carreira. ;Tenho condições de dar mais qualidade de vida para a minha filha e me sinto realizada profissionalmente. Acho que a Júlia consegue perceber que fico mais feliz assim;, explica.

A avó da bebê é uma das pessoas que ajuda a estimular o desenvolvimento da menina enquanto a mãe não está em casa. ;Tanto eu quanto minha sogra a incentivamos a desenhar, a botamos para pintar livros de colorir, mostramos livros;, enumera. Gláucia aproveita os fins de semana para passar bastante tempo com Júlia: ;Nesses dias, fazemos tudo o que queríamos fazer durante a semana e não temos tempo. Brincamos ainda mais, a levo para brincar com outras crianças e para passear, ficamos dançando em casa.; Ainda assim, a jovem afirma que teria dificuldades em trocar o trabalho para tornar essa diversão dos fins de semana diárias, caso tivesse oportunidade. ;Estagiei desde os 15 anos, desenvolvi meu lado profissional, tenho segurança para lidar com as pessoas. Eu não gostaria de abrir mão disso e não privaria a minha filha de, no futuro, fazer o mesmo.;

Habilidades
O processo de cognição se refere ao aprendizado e ao conhecimento que a pessoa desenvolve ao longo da vida. Engloba habilidades como concentração, raciocínio, abstração, percepção de detalhes, uso da linguagem e memorização.

ESTÍMULO

Como participar da rotina dos filhos

; Conversar com eles e demonstrar interesse sobre como passaram o dia

; Ajudar nos deveres de casa

; Ajudar na arrumação do material escolar, olhando o recado que os professores mandam na agenda e avaliando o estado dos livros e cadernos da criança

; Aproveitar o fim de semana para sair e brincar

; Quando passar muito tempo longe de casa, ligar para a criança para saber como ela está e o que ela está fazendo

; Quando tiver tempo livre, acompanhar a criança nas atividades que ela faz

; Dentro de casa, procurar ser atenciosa, compreensiva e sensível às demandas do filho

Fontes: psicopedagoga Flávia Della Giustina e psicóloga Tássia Raquel da Silva

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