Ciência e Saúde

Nova técnica prevê cicatrização mais rápida de queimaduras

Bióloga experimenta, na USP, aplicação de células-tronco mesenquimais em largas áreas atingidas e consegue regeneração total. Por enquanto, o método só foi usado em camundongos, mas novos testes estão a caminho para verificar segurança

postado em 11/12/2010 08:05
O apartamento de Eride explodiu no Natal de 2008, deixando-a com 42% do corpo queimado: até hoje, proteção no braço direito para ocultar marcasA aplicação de células-tronco mesenquimais (CTMs) ; que têm propriedades regenerativas e estão presentes em praticamente todos os órgãos do corpo ; em queimaduras graves acelerou o tratamento e cicatrizou 100% da área afetada nos camundongos utilizados em um experimento na Universidade de São Paulo (USP). Os testes, que duraram 60 dias, fazem parte de uma dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Medicina da USP. A técnica é uma aposta promissora para a terapia de queimaduras que atingem até 80% do corpo do paciente. Nesses casos, a mortalidade é alta, pela falta de alternativas eficazes que impeçam infecções por meio de um tratamento rápido.

Para realizar o experimento, foi preciso multiplicar as CTMs. A autora do estudo, a bióloga Carolina Caliari, retirou células-tronco da medula óssea dos camundongos sem queimaduras e as cultivou em laboratório. As CTMs se separam umas das outras, aderindo ao plástico das garrafas de cultivo. ;O objetivo era que permanecessem somente as CTMs, para que se multiplicassem até chegar à quantidade suficiente para a terapia;, descreve. Essas células foram aplicadas, com seringa, nas feridas abertas pelas queimaduras.

Segundo Carolina, os animais tratados com as CTMs, camundongos com 40% do corpo com queimaduras de terceiro grau, tiveram uma recuperação mais rápida quando comparados aos que não as receberam. ;Os que foram tratados com placebo apresentaram apenas 80% de cicatrização;, ressalta. Ela observou ainda o equilíbrio entre os linfócitos TCD4 e TCD8, que fazem parte do sistema imunológico. ;As células mostraram potencial modulador do sistema imunológico e podem ter controlado a proliferação exagerada dos TCD8 no organismo, o que possivelmente interferiu positivamente na melhora dos animais;, acrescenta.

Carolina quer criar um curativo com as CTMs: tratamento não invasivoA hipótese para tal resultado pode ser a capacidade das CTMs de segregar moléculas que atraem outras células para o local a ser cicatrizado; ou seja, as células podem ter liberado substâncias capazes de induzir a formação de novos vasos sanguíneos ; e isso é extremamente benéfico para a cicatrização. Mesmo sendo um sucesso, os resultados obtidos são preliminares e experimentais, mas existe a possibilidade, futuramente, de a técnica ser utilizada em queimaduras humanas.

De acordo com Carolina Caliari, o tratamento só poderá ser feito em humanos quando o entendimento sobre os mecanismos de atuação dessas células-tronco em queimaduras for dominado, garantindo a segurança da aplicação da técnica. ;Como todo novo experimento, a transposição da terapia em modelos experimentais para seres humanos requer cautela;, ressalva.

Esperança
Poderão ser beneficiados, após as fases de testes, pacientes com queimaduras em grandes extensões no corpo. Para Carolina, quanto maior o tempo em que a ferida permanecer aberta, maiores serão as chances do desenvolvimento de outras complicações, como infecções. ;Essas pessoas necessitam de cuidados rápidos e especiais;, aconselha. A ideia é desenvolver, segundo a bióloga, um curativo contendo as CTMs, que poderá ser colocado sobre a queimadura. ;Quanto menos invasivo for o tratamento, melhor para o paciente;, aconselha.

Foi o que ocorreu com a aposentada Eride Caires depois de um acidente em 24 de dezembro de 2008. Enquanto preparava o almoço de Natal, um vazamento de gás explodiu o apartamento dela. O acidente causou queimaduras de segundo e terceiro graus, espalhadas pelo rosto, pelo pescoço, pelas pernas e pelos braços, totalizando 42% do corpo. A aposentada conta que durante o ocorrido não sabia se tentava salvar os móveis ou se ficava embaixo da água para aliviar a dor. ;Eu chutava as cadeiras ainda em chamas e, quando me dei conta, estava tudo preto e eu toda queimada embaixo do chuveiro frio;, recorda.

O tratamento de Eride se estende até hoje. ;Os médicos queriam amputar as minhas pernas. Fiz enxerto com pele artificial e do couro cabeludo e terapias e fisioterapias de duas a quatros vezes por semana;, lembra. No entanto, quem vê a aposentada hoje e a compara com as fotos de dois anos atrás não a reconhece. Ela está radiante, recuperada e com poucas sequelas. ;Ainda falta a pigmentação de algumas áreas, mas estou bem. O Natal está chegando e estou preparando uma festa linda, porém, dessa vez, sem peru;, brinca. Até hoje, a aposentada utiliza uma malha compressiva como proteção no braço direito, para ocultar parte das marcas restantes.




A dermatologista e especialista em queimaduras e feridas Thereza Piccolo, do Hospital Nelson Piccolo, de Brasília, explica que as queimaduras são classificadas, por profundidade, em espessura parcial e total de pele destruída. Segundo ela, a do tipo parcial pode ser subclassificada como superficial, intermediária ou profunda. Já as queimaduras de espessura total, ou seja, que provocam a destruição completa da pele, não têm capacidade de regeneração sem a mobilização de tecidos. ;A queimadura rompe a barreira de isolamento do indivíduo, representada pela pele, com seu meio ambiente. Consequentemente, ele fica exposto a desidratação, complicações respiratórias e infecções;, afirma.

A médica conta que para cada queimadura há um tratamento indicado ; em geral, cirúrgico. Segundo ela, as sequelas são variadas, como manchas, cicatrizes com alteração de textura, cor, aspecto, sensibilidade e restrições funcionais. Thereza avalia que o tratamento de queimados evoluiu consideravelmente. ;Se, antes, queimaduras que tomavam apenas 20% do corpo eram encaradas como letais, hoje, há casos em que conseguimos recuperar pessoas queimadas em mais de 90% da superfície corporal e com qualidade de vida, sem restrições funcionais;, afirma.


AÇÃO EM EQUIPE
Tanto o linfócito TCD4 quanto o TCD8 são células de defesa do organismo. O TCD4 funciona como um organizador, reunindo amostras para apresentar aos leucócitos qual ;inimigo; deve ser atacado. O TCD8 age destruindo as células infectadas ou com mutações. Em indivíduos sadios, o número de TCD4 é superior ao de TCD8. Naqueles com grandes queimaduras, a atuação dos TCD4 é mais favorável para a melhora do paciente.


PREVENÇÃO
Como forma de prevenir acidentes, o Núcleo de Proteção aos Queimados do Hospital Nelson Piccolo desenvolve quatro programas institucionalizados e várias oficinas temporárias. A campanha ;Queimaduras, evite essa cicatriz; já atendeu aproximadamente 30 mil alunos do ensino fundamental do Distrito Federal, alertando para situações potencialmente perigosas. Também têm sido realizadas cirurgias reparadoras, sessões de terapia e aulas de maquiagem corretivas, tudo gratuitamente.


Queimaduras
Causadas por agentes físicos térmicos (os mais frequentes), elétricos ou químicos, são divididas em três categorias:

Primeiro grau ; é aquela superficial, que deixa a pele avermelhada, inchada e dolorida. Pode ser desencadeada até mesmo pelo Sol
Segundo grau ; intermediária, provoca o aparecimento de bolhas
Terceiro grau ; de grande profundidade, causa a morte do tecido

Tratamento
No primeiro estágio, podem ser administradas pomadas. No segundo, às vezes, é necessário o procedimento cirúrgico. No terceiro, como a necrose geralmente destrói a camada lesada, é necessário o enxerto com pele retirada de outras regiões do corpo

Estudo
A pesquisadora retirou células-tronco mesenquimais de medulas ósseas de camundongos. Essas células-tronco são responsáveis por gerar tecidos como cartilagem, pele e músculo para o tratamento de áreas queimadas

Aplicabilidade
Cultivadas em placas de plástico, as células-tronco são colhidas em uma seringa e aplicadas ao redor das regiões afetadas pela queimadura

Eficácia
A hipótese foi associada ao efeito das células-tronco na lesão. As feridas apresentaram uma quantidade maior de tecido de granulação ; aquele tecido fininho formado em cima das feridas ;, e de vasos sanguíneos na região. Ambos auxiliam na cicatrização

Benefício
Além da reconstituição do tecido, no sétimo dia de tratamento os camundongos mantiveram equilíbrio de células do sistema imunológico. São elas: TCD4 e TCD8, importantes para um bom prognóstico do paciente

Fonte: Carolina Caliari

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