Ciência e Saúde

A esquizofrenia é uma doença mental marcada por preconceito e medo

postado em 08/02/2011 10:49
Nina, a personagem de Natalie Portman em Cisne negro, não resiste à pressão explosiva da competitiva e exaustiva carreira de bailarina e tem o primeiro surto de esquizofrenia: alucinações e angústia profundaNina, uma bailarina de 28 anos. José Orsi, engenheiro, 27. Ela se preparava para estrelar o balé O lago dos cisnes, o papel mais importante de sua vida.

Ele estava prestes a concluir uma pós-graduação em Economia na Universidade de Mississipi, uma das mais importantes do mundo na área. A pressão profissional desencadeou o primeiro surto de esquizofrenia em ambos.

A diferença é que Nina é uma personagem vivida pela atriz Natalie Portman no filme Cisne negro, que estreou no último fim de semana nos cinemas nacionais. Já Orsi é um homem de carne, osso e sentimentos, que vive em São Paulo com a doença ; o mal atinge cerca de 1% da população mundial.

No drama fictício, a dificuldade de lidar com um diretor manipulador, com uma mãe superprotetora e com as pressões de uma profissão que exige levar disciplina e dedicação ao extremo foi o que desencadeou a primeira crise de Nina.

Na dura história real, a vida longe de casa, os estudos exigentes e a eterna vontade de deixar o mundo dos cálculos para se dedicar à pintura foram o gatilho para o primeiro surto de Orsi. Nos dois casos, ambos desenvolveram alucinações, um dos sintomas mais comuns da doença, que ainda não tem causa comprovada.

Nina via feridas e sangramentos pelo corpo, que desapareciam num piscar de olhos.

Para o engenheiro em crise, a televisão falava e os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos eram amigos que lhe entregariam uma homenagem em breve. ;Além das alucinações, perda da memória e dificuldade de manter a afetividade são outros sintomas muito comuns da esquizofrenia;, conta Rogerio Panizzutti, médico psiquiatra e professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Tanto Nina quanto José Orsi desenvolveram a doença tarde. Em geral, o problema se apresenta entre 18 e 20 anos. Há ainda casos em que os primeiros sintomas surgem na adolescência, na chamada esquizofrenia hebefrênica.

Independentemente de quando ou como ela surge, os efeitos são para a vida toda. ;Ela (a doença) me tira a possibilidade de ser comum, de ter uma companheira. Tenho medo de ;desgraçar; a vida de alguém, como foi o caso do papai com a mamãe;, conta o brasileiro. O pai de Orsi também era esquizofrênico e morreu atropelado aos 41 anos.

Ainda não há consenso sobre as causas da doença. Segundo os médicos, fatores como hereditariedade e migrações influenciam. ;Isso não significa que uma pessoa que tenha alguém na família com equizofrenia também vá desenvolver a doença, ela apenas tem mais chances de ter o problema. Não é uma herança obrigatória;, explica Panizzutti.

Especula-se que outros fatores, como situações extremas e problemas no parto, também contribuam para o seu aparecimento.

Mudanças
A esquizofrenia é uma doença de altos e baixos. Momentos de sanidade são alternados com crises que envolvem síndrome de perseguição, alucinações, histeria e delírios.

Em geral, nos momentos que entremeiam essas crises, surgem problemas secundários ; o principal deles, a depressão, quase onipresente entre os pacientes.

Especialistas estimam que 50% de todas as pessoas esquizofrênicas tentam suicídio e cerca de 10% conseguem dar fim à própria vida, seja em momentos de alucinação ou em função da depressão subjacente.

Segundo o psiquiatra Cecílio Sepúlveda Teixeira, a esquizofrenia funciona muitas vezes como uma base. ;Sobre ela se desenvolvem problemas relacionados. Pacientes esquizofrênicos tendem a desenvolver com mais frequência problemas como transtornos obsessivos e oscilações de humor.

Há casos em que, durante as crises, o paciente fica agressivo; em outros, ocorre retardo mental;, afirma o especialista. A diversidade de causas e sintomas sinaliza que o que se conhece como esquizofrenia pode ser na verdade uma série de doenças com sintomas parecidos.

Para pacientes e médicos, o principal problema não é lidar com a própria saúde. ;Existe um preconceito muito grande com o paciente com esquizofrenia. A questão social fica muito prejudicada. Muitos ainda veem o esquizofrênico como aquela pessoa que tem que ser internada, mas os avanços nas terapias mostram que não é mais assim;, conta o psiquiatra Cecílio Teixeira.

;Com medicamentos, é possível controlar os sintomas, e a pessoa pode levar uma vida relativamente normal;, explica Paulo*, 41 anos, funcionário da Câmara dos Deputados, diagnosticado aos 19 anos. Nos mais de 20 anos que convive com a doença, muitas vezes sentiu-se abandonado. ;Num momento inicial, me afastei das pessoas, mas depois fui vendo que a vida continua. Foi aí que eu percebi que muita gente me via como uma pessoa sem capacidades;, conta.

O funcionário público reclama que as pessoas não veem o esquizofrênico como uma pessoa normal. ;Um dia em que ficava mais quieto ou não estava para papo, já me olhavam torto. Via nos olhos de muita gente que elas estavam pensando: ;Será que ele endoidou de novo?;. Isso era pior que qualquer crise;, conta.

Ao mudar-se do Rio de Janeiro para Brasília, ele decidiu encobrir a doença e começar uma vida nova. ;Não ache que sou um criminoso por ter que mentir. Não conto mais por conta da reação dos outros do que por minha causa;, completa.

José Orsi encontrou o equilibrio e hoje luta contra o preconceitoJosé Orsi também reclama do preconceito. ;As pessoas não olham diferente para quem tem diabetes ou pressão alta, não entendo por que tratar com distinção quem é esquizofrênico;, desabafa. O engenheiro teve sua última crise em 2005. Se, para Paulo, o isolamento foi a saída, Orsi encontrou na união seu equilíbrio. Hoje, é secretário da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre), que presta apoio a pessoas que, direta ou indiretamente, sofrem com o mal. ;É como uma família que me acolheu, é bastante interessante o trabalho que desenvolvemos lá;, afirma.

Apesar de sentir-se bem e com os sintomas controlados, Orsi acredita que sua situação pode ser uma exceção. Em muitos casos, o preconceito dos próprios pacientes os impede de buscar ajuda. ;Meu apelo é para essas pessoas. Recomendo que procurem a Abre, uma outra instituição ou simplesmente um médico. Ficar sem tratamento é pior do que encarar qualquer realidade, por mais difícil que ela seja;, afirma.

*Nome fictício a pedido do entrevistado

Conhecendo o problema

Veja mais detalhes sobre a esquizofrenia:

Causas
* Questões hereditárias
* Migrações
* Traumas
* Problemas no parto

Sintomas
* Alucinações
* Apatia
* Percepção alterada
* Crises de depressão

Tipos de esquizofrenia

Paranoide
; forma que mais facilmente é identificada com a doença, na qual predominam sintomas como desconfiança, sensação de perseguição ou comportamentos maníacos (mania de organização, de limpeza, rituais como usar sempre a mesma peça de roupa), além de agressividade.

Desorganizada ; os sintomas afetivos e as alterações do pensamento são predominantes. As ideias delirantes, embora presentes, não são organizadas. Alguns doentes podem mostrar irritabilidade marcada associada a comportamentos agressivos. Existe um contato muito pobre com a realidade.

Catatônica ; é caracterizada pelo predomínio de sintomas motores e por alterações da atividade, que podem ir desde um estado de cansaço até a excitação.

Indiferenciada
; apresenta habitualmente um desenvolvimento de isolamento social, diminuição no desempenho laboral e intelectual. Observa-se uma certa apatia e indiferença relativamente ao mundo exterior.

Hebefrênica ; com incidência na adolescência, é a forma mais agressiva da doença, e com probabilidades de prejuízos cognitivos e sociocomportamentais.

Tratamento

Uso de medicamentos para controlar as crises, além de estabilizadores de humor. Também são recomendados tratamentos com terapias ocupacionais e outras atividades que exercitem a sociabilidade.

Serviço

Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Esquizofrenia (Abre)
www.abrebrasil.org.br
abre@abrebrasil.org.br

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