Ciência e Saúde

Quem escova menos os dentes tem mais chance de ter doenças cardiovasculares

postado em 09/03/2011 10:10
O aposentado Carlos*, 69 anos, fica constrangido ao admitir que as recomendadas visitas periódicas ao dentista sempre foram evitadas e adiadas ao máximo. O assunto ;cuidados bucais; causa discussões recorrentes em família. Embora tenha consciência da importância da boa conservação dos dentes e das gengivas, experiências nada agradáveis com brocas e alicates na infância provocam verdadeira aversão a essa especialidade até hoje. ;Tenho pavor de dentista. Já perdi vários dentes porque não me disponho a enfrentar os tratamentos até o fim. Não me sinto mais à vontade para sorrir e a mastigação está muito comprometida;, confessa.

Laíssa sofria com cáries Carlos não sabe, mas as bactérias que atingem dentes e gengivas são fatores de risco para inflamações que acometem o ser humano da cabeça aos pés. Especialistas alertam que, assim como ele, boa parte da população não se dá conta de que a boca não é uma estrutura à parte do corpo. A associação entre má higiene bucal e algumas patologias intriga médicos e cientistas há algum tempo. Ao longo das últimas duas décadas, eles se debruçam em pesquisas que analisam a correlação entre as placas bacterianas e as cardiopatias. Exemplo recente é um estudo realizado na University College London com 11 mil pessoas. O trabalho confirmou risco 70% maior de doenças cardiovasculares em indivíduos que escovam os dentes com menos frequência. A média de idade dos entrevistados era de 50 anos.

A análise foi baseada na quantidade de visitas ao dentista, no número de escovações por dia, em detalhes sobre a pressão arterial e no histórico de doenças cardíacas na família. Em um período de oito anos de pesquisa, 555 participantes que mantinham os piores hábitos de higiene bucal tiveram doenças cardiovasculares. Desses, 170 morreram. Em 74% dos casos fatais, o principal diagnóstico era de doença coronariana.

O médico brasileiro César de Oliveira, pesquisador do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da Universidade de Londres (UCL) e envolvido no estudo, avalia que males bucais crônicos, como a doença periodontal ; causada entre outros fatores por uma pobre higiene bucal ; contribuem para o aumento da inflamação sistêmica. ;Com isso, a possibilidade de desenvolver males cardíacos aumenta. Considerando que a doença periodontal é muito prevalente, pesquisas nessa área são importantes para conseguirmos entender tal processo a fundo;, alerta.

Risco de morte
O cirurgião-dentista e especialista em saúde coletiva Júlio César é taxativo: as doenças da boca podem matar. De acordo com ele, 40% das endocardites bacterianas ; infecções do endocárdio ; têm como causa as doenças bucais. Desse universo, 20% dos pacientes não resistem à patologia. ;É uma questão de saúde pública. Praticamente 100% da população teve, tem ou terá cárie e doenças das gengivas, que são os problemas mais comuns da boca. As bactérias bucais caem na corrente sanguínea e se alojam nas paredes do coração, desencadeando os danos;, explica.

O especialista acrescenta que os processos infecciosos bucais se disseminam para o resto do corpo e podem afetar, inclusive, o cérebro. Como parte do aparelho estomatognático, a boca é importante para a fala, a deglutição, a mastigação e outros processos. ;É a porta de entrada para a saúde. Se não cuidada, porém, a boca pode ser um portal para as doenças;, observa. As cáries e gengivites são as mais comuns. Embora a incidência tenha diminuído nos últimos 10 anos, os brasileiros ainda sofrem muito com elas (leia Para saber mais).

As novas gerações têm se mostrado mais atentas aos cuidados com a boca. Com um pouco de insistência e orientação, crianças e adolescentes acabam adquirindo bons hábitos de higiene bucal. Com a estudante Laíssa de Oliveira Domingues, 18 anos, foi assim. ;Sempre tive mais propensão à cárie do que meus dois irmãos. Vou ao dentista desde os 4 anos, mas elas insistiam em aparecer;, lamenta. Quando Laíssa aprendeu a escovar corretamente e a usar o fio dental regularmente, a história mudou. ;Hoje, escovo pelo menos três vezes ao dia e vou ao dentista de três em três meses. As cáries desistiram;, comemora a moça.

O cirurgião-dentista Haroldo Hab observa que os problemas gástricos decorrentes das bactérias bucais também são frequentes entre os pacientes da terceira idade. ;As infecções orais crônicas são evitáveis. A visita periódica ao dentista objetiva essa prevenção. Na consulta, fazemos uma inspeção geral em toda a boca para detectar alterações. Entre elas, o câncer bucal;, pondera. Hab reforça que as doenças são multifatoriais e que as placas bacterianas maximizam as chances de a pessoa desenvolvê-las. ;Nem todos que têm placas bacterianas desenvolvem cardiopatias, mas quase todos os cardíacos têm doença periodontal;, sintetiza.

O cardiologista do Incor/Taguatinga Evandro Osterne explica que as válvulas cardíacas são as mais afetadas e que pacientes com predisposição para cardiopatias devem ter ainda mais cuidado. ;Trabalhos recentes demonstram que há uma relação grande entre a inflamação da gengiva e o agravamento do processo de arteriosclerose das coronárias e carótidas. No caso das endocardites, o tratamento pode ser com antibióticos fortíssimos ou até cirurgias de alto risco;, alerta.

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