Ciência e Saúde

Crescimento das cidades provoca aumento do número de ataques de escorpiões

Saiba o que fazer em caso de acidente e como evitar a entrada dos animais em prédios urbanos

postado em 22/04/2011 08:00

O psicólogo Alessandro Oliveira, 35 anos, não imaginava que o simples ato de calçar um sapato provocaria algumas das mais dolorosas horas de sua vida. Como de rotina, após o café da manhã, Alessandro se preparava para trabalhar. Foi até o banheiro e calçou seu tênis. Ao chegar ao carro, sentiu que havia algo dentro do calçado. Mexeu o dedo e sentiu uma picada. ;Achei que fosse um marimbondo, porque doía muito;, conta. Quando tirou o tênis, viu um escorpião sair. ;Foi a pior dor da minha vida. Começou no dedo, se espalhou pelo pé e pela perna, que ardia como nunca;, lembra. Além da sensação de repulsa e medo, Alessandro ficou surpreso. ;Nunca tinha visto. Achei que esses animais só eram encontrados em chácaras, jamais em apartamentos.;

O fato de achar escorpiões dentro de apartamentos e casas não é mais novidade. Nos últimos seis anos, esses animais invadiram a cidade e se espalharam rapidamente. O motivo também é um velho conhecido: o crescimento desordenado dos centros urbanos ; que invadem o hábitat dos bichos e criam condições para sua proliferação. ;Escorpiões se alimentam de insetos, principalmente baratas. Nada como uma cidade para ter uma grande concentração de baratas;, explica Denise Candido, bióloga do laboratório de artrópodes do Instituto Butantan.

A presença dos escorpiões é tamanha que os biólogos atualmente os consideram ;domésticos;. Hoje, habitam armários, sapatos, caixas de eletricidade, forros de gesso e, principalmente, esgotos. Nem a altura dos prédios é obstáculo para esses animais. ;Se a fachada for rugosa, eles sobem facilmente até os apartamentos;, informa Denise.

Com as chuvas e o tempo quente, os escorpiões dão mais o ar da graça. Eles são animais de hábitos noturnos. É nesse período que podem ir para dentro de casa, em busca de comida, e, de manhã, escondidos em algum lugar escuro e úmido, picar alguém. Esses acidentes ocorrem principalmente quando as pessoas deixam objetos no chão, como foi o caso de Alessandro. Segundo Denise, a incidência maior desses animais é nos períodos que vão de março a abril, e de setembro a outubro. ;São as épocas dos nascimentos dos filhotes que coincidem com o aumento da temperatura e as chuvas nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste;, explica.

Sérios riscos
A picada não é letal, mas pode levar à morte idosos e crianças abaixo de 14 anos, por conta da baixa imunidade e do peso corpóreo. ;A maioria das pessoas acha que pode morrer. E, de cada mil casos, três realmente morrem, o que corresponde a apenas cerca de 0,03%. Na maior parte, crianças;, esclarece Carlos Roberto de Medeiros, imunologista clínico, alergista e diretor do Hospital Vital Brazil, do Instituto Butantan.

Por isso, a contaminação pelo veneno exige cuidados e, em alguns casos, tratamento especial. Na maioria dos acidentes, a picada se limita a provocar dor, mas, dependendo da quantidade de veneno inoculado e do peso corpóreo da pessoa, pode causar um estado mais grave. ;O veneno ataca o pulmão, provocando produção excessiva de líquido, que pode levar à morte;, diz o médico.

Entre 95% e 97% dos casos a pessoa tem uma forte dor no local, que irradia para o membro, levando a uma sensação de formigamento e ardência. Segundo Medeiros, isso ocorre porque o veneno tem um componente neurotóxico que atinge o sistema nervoso periférico (nervos que vão para os braços e as pernas, por exemplo). Por isso, a pessoa sente muita dor no local da picada e logo começa a irradiação para o resto do corpo. ;É como se houvesse um curto-circuito nos nervos periféricos;, compara Medeiros.

Mesmo com poucos casos chegando a complicações mais graves, a vítima precisa ser levada ao hospital, para a avaliação dos médicos. ;O máximo que a pessoa pode fazer é lavar o local com água e sabão. Não tente cortar, chupar o sangue, nem fazer torniquete. Essas coisas só retardam o tratamento e podem causar infecções;, orienta o imunologista.

Segundo o médico, não há necessidade de desespero quando uma pessoa for picada. ;O diagnóstico é clínico. Conforme os sinais e sintomas, medicamos ou indicamos a ampola de soro;, assegura o diretor do hospital que produz o soro antiescorpiônico. No pronto-socorro, é feita uma triagem para que se saiba o grau de complexidade do acidente (veja infografia). O tratamento, na maioria das vezes, é baseado no bloqueio da dor, por meio de anestesia no local da picada. Também podem ser utilizados analgésicos e a pessoa fica em observação por algumas horas. Se o indivíduo tiver sudorese, náusea, vômitos ou arritmias cardíacas é aplicado o soro. ;Menos de 5% evoluem para um caso mais grave, que leva à UTI;, informa Carlos Medeiros.

Prevenção

A única forma de prevenir acidentes é impedir os escorpiões de entrarem nas casas. Segundo os biólogos, não existe dedetização que dê fim a esses bichos. ;O máximo que os produtos químicos fazem é matar os insetos dos quais o escorpião se alimenta. A ação real da dedetização é promover uma migração desses animais para outro local em busca de comida;, explica Denise Candido, bióloga do Butantan.

O mais importante a fazer é evitar o acúmulo de lixo e manter limpa a caixa de esgoto. ;Aí sim cabe uma boa dedetização;, afirma Candido. Fechar as frestas das paredes e colocar telas nas janelas também ajuda a impedir a entrada dos bichos nos apartamentos.

Foi o que fez o músico Cláudio Luiz Gregorino Barreto, 33 anos, morador do quinto andar de um prédio na Asa Norte. Depois de ser picado por um escorpião ao calçar o sapato que estava no armário, Barreto fez uma verdadeira peregrinação pelo edifício, para descobrir como o bicho chegou à sua casa. ;Não imaginava como um escorpião poderia ter chegado ao quinto andar.; A resposta veio do zelador do prédio, ao informar que a presença do animal no apartamento provavelmente ocorreu pela tubulação elétrica e de telefone. ;Percebi que lá em casa, no meu quarto, atrás da minha cama, tinha um buraco da tomada na parede. Provavelmente, ele veio por ali. Comecei a tapar todas as frestas. No lustre da sala tinha uma folga e tapei. Na cozinha e na varanda, também. Lacrei tudo;, conta o músico.

Crescimento expressivo
Dados do Ministério da Saúde mostram que, nos últimos seis anos, o número de acidentes com animais peçonhentos cresceu 32 ,7%, em todo o Brasil. No ano passado, os escorpiões lideraram o ranking, com 45.721 casos. O levantamento revela, também, que esses acidentes foram responsáveis por 309 mortes no país.

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