Ciência e Saúde

Sintomas da micose fungoide confudem e criam grandes riscos para infectados

Espécie rara de câncer, que começa na pele e pode avançar para a corrente sanguínea, a micose fungoide surge com placas avermelhadas e coceira incessante

postado em 23/04/2011 08:00
As lesões avermelhadas na pele da dona de casa Maria Luísa*, 81 anos, surgiram de repente. Aos poucos, as placas, que inicialmente acometiam somente os braços, foram comprometendo as pernas, a região dorsal e a barriga. A vermelhidão surgiu acompanhada de coceira e frustração. Durante dois anos, ela se dedicou a tratamentos que não trouxeram qualquer resultado ou alento. Maria Luísa perdeu as contas de a quantos dermatologistas recorreu até receber o diagnóstico da micose fungoide, um tipo de câncer que tem origem nos linfócitos T maduros e que afeta, inicialmente, a pele. Até que uma biópsia confirmasse a doença, o problema foi tratado em sequência como alergia e como outras patologias da derme. ;Minha mãe perdeu muito tempo tomando antialérgicos e passando medicamentos tópicos nas lesões. As manchas vermelhas nunca regrediram nessa época. Acho que um diagnóstico mais rápido poderia tê-la poupado das coceiras que lhe tiraram o sono e dos danos estéticos;, lamenta Pedro*, filho da dona de casa.

A dermatologista Maria Fernanda Gavarzzoni, coordenadora do departamento de micologia da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), explica que a micose fungoide é uma doença rara, que nem sempre é reconhecida pelos médicos. Além disso, quando a patologia está em fase inicial, a chance de a biópsia não apontar a presença das células cancerígenas na amostra colhida são elevadas. ;Felizmente, embora seja um tipo de linfoma, a micose fungoide tem comportamento indolente, a evolução é lenta e o prognóstico é muito bom;, afirma a médica. De acordo com ela, a doença costuma atingir mais a população idosa, mas crianças e jovens também podem ser vítimas.

Pequenas placas avermelhadas e coceira são os sintomas mais comuns. No entanto, as manchas podem apresentar coloração esbranquiçada e ser acompanhadas por descamação. O prurido varia de intensidade no estágio inicial. Antes de as lesões espalharem-se pelo corpo e emendarem-se umas nas outras, o problema pode ser negligenciado pelo próprio paciente. ;Muitos passam anos fazendo simpatias e se automedicando com pomadas indicadas por leigos, fato que posterga o tratamento adequado e pode promover o avanço da doença;, alerta Maria Fernanda.

O dermatologista Gilvan Alves, presidente da regional DF da SBD, observa que a micose fungoide não tem relação alguma com o excesso de exposição solar ou com fungos, como a designação sugere. ;O nome pode até induzir a esse pensamento, mas, na verdade, ele vem do simples fato de que na fase evoluída da doença as placas ganham um aspecto de fungos de casca de madeira;, esclarece o especialista.

O médico acrescenta que a ciência ainda não descobriu o que desencadeia a micose fungoide. A medicina sabe, porém, que se não tratada, a mazela pode evoluir e afetar a corrente sanguínea, avançando para outros órgãos. ;Com o passar do tempo, as células malignas desse tipo de linfoma saem da derme e invadem a epiderme. Por ser uma neoplasia rara, não temos estudos de como a micose fungoide vem comprometendo a saúde dos brasileiros;, lembra.

Espécie rara de câncer, que começa na pele e pode avançar para a corrente sanguínea, a micose fungoide surge com placas avermelhadas e coceira incessante

Controle
O tratamento de primeira linha indicado para pacientes que estão na fase pré-infiltrativa é baseado em medicação oral e uma modalidade terapêutica que utiliza a combinação entre drogas que aumentam a sensibilidade da pele e exposição à luz ultravioleta UVA em cabine (a chamada Puva). Dependendo do caso e da resposta da pessoa, são feitas de duas a três sessões por semana com o objetivo de melhorar as lesões. ;Atualmente, a fototerapia é a opção mais aceita e com melhores resultados. Ela pode proporcionar a regressão das lesões e deter a doença. Por ser uma patologia crônica, não falamos em cura, mas em controle;, esclarece a dermatologista do Hospital Universitário de Brasília (HuB), Ana Maria Pinheiro.

A fototerapia impede que a micose fungoide alcance outros estágios. ;Quando a doença acomete o sangue ou órgãos internos, o tratamento passa a ser multidisciplinar, com o acompanhamento de oncologistas. Aí, é preciso quimioterapia e outras alternativas de combate;, diz a médica e professora de dermatologia da Universidade de Brasília (UnB). Podem ser usados, ainda, corticoides tópicos, loções e medicamentos orais para diminuir a coceira, além de hidratantes e quimioterápicos sistêmicos.

A professora Ieda de Souza Magalhães, 37 anos, tem tratado as lesões com a terapia Puva mesmo sem a confirmação do diagnóstico pela biópsia. Ela conta que a primeira mancha apareceu há 10 anos, na região do tronco. Depois de passar pomadas e fazer simpatias na tentativa de se livrar do problema, Ieda procurou um dermatologista. ;Infelizmente, ele pouco acrescentou. Disse que era uma lesão sem importância e que desapareceria com o tempo. Ao contrário da previsão, as manchas tomaram meu corpo. Além da vermelhidão, elas descamavam e chamavam atenção das pessoas;, relata.

Somente um terceiro profissional consultado pediu uma biópsia. Ao todo, Ieda já fez cinco e aguarda a confirmação da doença na última, feita há 15 dias. ;Os sintomas fecham o diagnóstico, mas o exame ainda não confirmou células cancerígenas. Esse suspense já me tirou a paz. Cheguei a interromper o tratamento com a terapia Puva. Me arrependo, porque as lesões voltaram com mais intensidade e agora a resposta não está sendo tão efetiva;, admite. À medida que as lesões aumentam em quantidade, chamam mais a atenção e a autoestima da pessoa despenca. Com Maria Luísa, foi assim. ;Quem não conhece a doença, imagina que é contagiosa. Minha mãe sofreu muito com as coceiras e se tornou uma pessoa mais introspectiva do que já era. Hoje, quase não sai de casa;, lamenta Pedro.

Produção da imunidade
Os linfócitos T são células que representam de 65% a 75% dos linfócitos sanguíneos. São formados no timo, sendo responsáveis pela produção de anticorpos e também pela imunidade celular. No timo, eles se diferenciam em células T helper, T supressoras e T citotóxicas. As T helper estimulam a transformação dos linfócitos B em plasmócitos. Os linfócitos T supressores inibem a resposta humoral e celular e apressam o término da resposta imunitária. Os linfócitos T citotóxicos agem diretamente sobre as células estranhas e infectadas por vírus.

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