Ciência e Saúde

Males emergentes podem mudar o mapa epidemiológico da Amazônia

postado em 12/07/2011 08:09
As mudanças ambientais, entre elas o progresso que leva à urbanização, Ao desmatamento e ao aquecimento global vêm alterando o cenário de algumas doenças que antes se encontravam restritas a determinadas regiões. Sem planejamento ambiental, o desenvolvimento invade ecossistemas e modifica a vida de animais vetores de doenças. É nesse contexto que um grupo de pesquisadores brasileiros está estudando as alterações do mapa epidemiológico de duas doenças infecciosas emergentes na Amazônia Ocidental: a bartonelose ; causada pela bactéria Bartonella bacilliformis; e a leishmaniose, provocada por protozoários do gênero Leishmania.

As duas doenças avançam perigosamente através da tríplice fronteira entre Brasil, Bolívia e Peru. O estudo, que faz parte do Projeto Temático de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), está em fase inicial e deve ser concluído em 2014 (veja arte). Na pesquisa, os cientistas pretendem desenvolver um sistema de alerta precoce para as doenças, viabilizando a adaptação aos impactos negativos das mudanças ambientais sobre a saúde humana. ;Será uma modelagem, integrando dados regionais epidemiológicos de clima, migração e uso da terra, que apresente diferentes cenários futuros de transmissão das duas doenças;, explica Manuel João Cesario, professor do programa de mestrado em Promoção de Saúde da Universidade de Franca (Unifran-SP) e coordenador do estudo.

Com essa ferramenta em mãos, a equipe acredita que possa oferecer conhecimento científico para alimentar políticas públicas sustentáveis. ;Os serviços locais e regionais de saúde poderão se preparar antecipadamente para surtos e epidemias. Além disso, a população poderá conhecer melhor os riscos à saúde que determinados comportamentos oferecem;, acrescenta Cesario. ;No Peru, entre 1% e 17% dos pacientes, morrem. Isso depende do grau de pobreza local;, afirma o médico.

Alto risco
De acordo com o pesquisador, a construção de estradas, hidrelétricas e a expansão da agropecuária extensiva impulsionam o desmatamento, as queimadas e migrações e contribuem para aumentar a ocorrência de doenças. ;Essa tendência tem sido observada, por exemplo, com relação à malária, mas poderia ser ainda mais grave no caso da bartonelose, dada a falta de experiência com a doença no Brasil;, acrescenta Cesario.

A bartonelose, em tese, ainda não chegou ao Brasil. Sua prevalência é no Peru, porém Cesario observa que a doença vem avançando para o leste. ;Houve um crescimento importante da bartonelose entre 2004 e 2005 e especula-se que isso teve relação com o fenômeno El Niño, que muda o regime de chuvas e de temperatura na região durante alguns meses do ano. Essa mudança pode ter algum impacto na reprodução dos vetores e, com mais mosquitos, a transmissão é facilitada e a doença aumenta. Entretanto, ainda não temos certeza se a doença avançou ; porque os vetores mudaram de lugar ; ou se apareceram novos vetores;, explica.

Já a leishmaniose cutânea, abundante em regiões mais próximas da costa brasileira, ainda não chegou à região estudada, mas está avançando para o Oeste. Segundo o pesquisador, a área de transmissão tem aumentado no Brasil, em parte, porque o vetor ; os mosquitos flebotomíneos do gênero Lutzomyia, o mesmo da bartonelose ; se adapta a novas condições ambientais.

O Ministério da Saúde considera que há ;altíssima transmissão; quando existem mais de 71 casos para cada 100 mil habitantes numa determinada área. Segundo Cesario, a média de casos de leishmaniose entre 2000 e 2007, no município de Assis Brasil, no Acre, foi de 1.232 casos para 100 mil habitantes. ;Considerando que a Organização Pan-Americana de Saúde estima cinco casos não notificados, para cada caso notificado, a situação da leishmaniose cutânea na tríplice fronteira (Brasil, Peru e Bolívia) é, no mínimo, alarmante;, considera o pesquisador.

O fato é que a Amazônia Sul-Ocidental brasileira reúne muitas das condições necessárias para que a bartonelose e a leishmaniose passem a engrossar a lista das enfermidades endêmicas na região, incluindo o mosquito vetor. Esses insetos são os mesmos que transmitem de 26 mil a 38 mil casos de leishmaniose tegumentar por ano.

Os mosquitos podem mudar de hábitat e, provavelmente, passar a transmitir mais de uma doença. ;Já estamos observando mudanças ambientais e fluxos migratórios na região, e os profissionais de saúde do Brasil não estão treinados para fazer frente à bartonelose;, observa Cesario.

Estudos na África e na Amazônia já mostraram que o maior dano à saúde das pessoas e aos ecossistemas acontece ao longo das estradas, principalmente daquelas recentemente asfaltadas. A região que a equipe de Cesario concentrou os estudos tem sofrido mudanças socioeconômicas consideráveis, com a construção das estradas BR-364 e BR-317 e de duas hidrelétricas ; Jirau e Santo Antônio ; que levaram para Rondônia mais de 100 mil pessoas nos últimos três anos. ;Por conta dessas duas grandes obras, a população do município de Porto Velho, que era de 500 mil pessoas, aumentou cerca de 20% nesse período;, disse Cesario.

Alexandre Cunha, pesquisador de doenças tropicais e infectologista do Laboratório Sabin, faz coro com Cesario e reforça que as doenças tropicais se expandem com as mudanças climáticas, com o manejo do solo e a entrada do homem no hábitat silvestre. ;Tudo isso tem grande contribuição para o aumento do número de casos. As migrações tendem a favorecer a rápida disseminação de doenças, como ocorre com a gripe no caso de pandegais.;

Segundo Alexandre, a leishmaniose já é um mal preocupante no Brasil, podendo tornar-se um epidemia. ;Cada vez mais vemos casos em ambiente urbano. Isso demonstra o crescimento da doença.; Cunha também demonstra preocupação quanto a qualificação de profissionais de saúde para identificar essas doenças emergentes. ;Por serem enfermidades originalmente restritas a algumas áreas de fronteira, muitos profissionais que atuam em outras regiões não têm experiência clínica no diagnóstico e tratamento destas doenças;, aponta.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação