Ciência e Saúde

Cientistas começam a decifrar o que ocorre na mente durante sonhos lúcidos

Gláucia Chaves
postado em 20/11/2011 16:27
Voar pelo espaço, viajar para universos paralelos ou ter um encontro romântico com uma estrela de Hollywood: o que você escolheria se tivesse a capacidade de fazer, literalmente, o que quisesse? Pode parecer roteiro de filme ou enredo de romance, mas, para algumas pessoas, é possível viver tudo isso ; em sonho. Vastamente explorado no cinema e na literatura, o conceito dos chamados sonhos lúcidos não é meramente pano de fundo para obras de ficção científica. Muitas pesquisas atestam a capacidade que alguns indivíduos têm de permanecer conscientes durante o sono, e, recentemente, um estudo do Instituto de Psiquiatria Max Planck e do Hospital Charité, ambos na Alemanha, começou a desvendar o que ocorre no cérebro durante esses sonhos.

Com a ajuda de seis onironautas ; pessoas que, com treino e dedicação, conseguem controlar seus atos durante os sonhos, criando até mesmo o cenário onde as ações se desenrolam ;, os cientistas conseguiram medir a atividade cerebral durante esses episódios. Os participantes, todos homens entre 21 e 38 anos, foram orientados a sinalizar com movimentos laterais dos olhos o momento em que começavam a ter consciência de que estavam sonhando. Eles deveriam, então, sonhar que estavam cerrando o pulso esquerdo por 10 segundos e, depois, o direito pelo mesmo tempo, repetidas vezes, sempre direcionando os olhos para o lado do pulso fechado em cada instante.

Ao acordarem, os pacientes contaram o que tinham sonhado. Aqueles que se lembraram de ter cerrado os punhos foram convidados a repetir os movimentos ; agora de verdade ; enquanto continuavam tendo a mente monitorada. Ao comparar os eletroencefalogramas, os pesquisadores descobriram que a atividade cerebral gerada pelos movimentos sonhados era a mesma daquela originada pelas ações de verdade.

Uma região do córtex sensório-motor do cérebro, ativada quando alguém executa ou planeja movimentos, havia sido ativada durante o sonho, mesmo que, na realidade, as mãos dos voluntários tivessem permanecido imóveis. Segundo Michael Czisch, chefe de neuroimagem do Max Planck, o estudo é o primeiro passo para entender o que se passa na mente durante os sonhos lúcidos. ;Acreditamos que algumas partes do cérebro que normalmente são desativadas durante o sono REM (sigla em inglês para movimento rápido dos olhos, estágio mais profundo do sono), especialmente nas regiões frontais, tornam-se mais ativas nesses casos;, explica o neurologista.

Czisch admite que a maior vantagem de controlar os sonhos é poder transformá-los em qualquer coisa. ;Voe, visite Harry Potter ou encontre Angelina Jolie;, exemplifica. Cientificamente, porém, o médico explica que uma aplicação prática seria ajudar pessoas que tenham passado por experiências desagradáveis ou traumáticas. ;Elas podem alterar um pesadelo que venham a ter para algo agradável;, completa.

Prática

Rosa Hasan, neurofisiologista do Laboratório do Sono do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, confirma a capacidade humana de ;manipular; os sonhos. ;Alguns são capazes de imaginar que estão na praia e sentir a areia entre os dedos;, detalha. De acordo com a especialista, durante o sono, as pessoas fixam o que aprendem durante o dia. Consequentemente, os cenários e as ações nos sonhos são fortemente influenciados pelos últimos acontecimentos da vida. É também nesse momento que o cérebro aproveita para repassar esses conceitos e resolver o que está pendente. ;Não paramos de pensar em problemas nem quando estamos dormindo;, brinca. O neurologista do Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Luciano Pinto Júnior explica que cerca de 20% das pessoas vivenciarão o sonho lúcido em algum momento da vida. Porém, ele frisa que essa é uma habilidade ; e, como tal, precisa ser praticada.

Interessado em sonhos lúcidos desde criança, quando sofria com pesadelos constantes, o estudante e bancário Márlon Jatahy, 36 anos, resolveu estudar a técnica para deixar o sono menos turbulento, mas se decepcionou com a pouca informação que encontrou pela internet. Munido de textos e de suas próprias experiências oníricas, ele criou o blog Sonhos Lúcidos (www.sonhoslucidos.com). Desde fevereiro de 2008, o espaço já recebeu mais de 146 mil visitas. ;A maioria acessa procurando dicas e métodos para conseguirem ter sonhos lúcidos;, conta.
Mesmo com a prática diária, Márlon ainda não se considera um sonhador lúcido ;de alta frequência;. ;Meu máximo foram três sonhos lúcidos em um fim de semana, mas já passei um mês inteiro só com uma ocorrência curtinha;, justifica. Para quem ficou com vontade de se aventurar, ele ensina: qualidade de sono é essencial. ;A rotina frenética e os problemas do dia a dia pesam bastante;, completa.

Experiente em sonhos lúcidos desde os 14 anos, a escritora neozelandesa Rebecca Turner conta que eles podem ser divididos em duas categorias: os sonhos em que a pessoa aproveita para dar vazão a desejos reprimidos e os que são guiados pela mente subconsciente. Nesse último tipo, ela explica que ;o sonho se desenvolve por conta própria, com histórias bizarras e respostas a todas as suas perguntas;. Hoje, aos 28 anos, ela defende que sonhar lucidamente é uma maneira eficaz de autoconhecimento. Para ajudar quem não consegue tirar os pés do chão, ela criou o blog World of Lucid Dreaming, onde dá dicas para onironautas de primeira viagem. Porém, o objetivo não é apenas divulgar os sonhos lúcidos: ela quer que as pessoas os experimentem por si só. ;Essa é uma viagem da mente, uma grande exploração do eu interior;, conclui.

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