Ciência e Saúde

Grupo da UnB auxilia pessoas que sofrem com o transtorno afetivo bipolar

postado em 13/12/2011 12:47
Antônio Carlos já consegue prever quando terá uma crise:
Quando o então presidente em exercício, Ulysses Guimarães, desceu a rampa do Palácio do Planalto margeada por dezenas de Dragões da Independência, em uma manhã de 1987, e resolveu apertar a mão dos soldados, um por um, os assessores logo perceberam que o deputado estava entrando em um novo surto de euforia. Eles sabiam também que, mais tarde, quando se trancasse no gabinete para despachar, teria mais uma crise de depressão.

A alternância dos dois tipos de comportamento, observada nesse que foi um dos políticos mais expressivos do país, caracteriza o que hoje a psiquiatria chama de transtorno afetivo bipolar (TB). O problema já foi conhecido como psicose maníaco-depressiva, termo banido dos manuais médicos por conter um grave equívoco: o paciente bipolar não tem psicose. Ulysses Guimarães era uma prova disso, assim como outras pessoas, famosas ou não, que convivem com o transtorno e levam uma vida normal.

Em Brasília, um grupo de portadores de TB, familiares, profissionais de saúde, parentes e amigos mostra que é possível conduzir a vida em sintonia com a superação, a partir do controle dos surtos ; por meio de terapias, medicações e troca de experiência. O Apta (sigla para Associação de Pacientes de Transtornos Afetivos) é um grupo de acolhimento que funciona na Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) uma vez por semana e é baseado no princípio da solidariedade. ;Trata-se de um espaço onde as pessoas podem compartilhar seus problemas;, resume a psiquiatra Maria das Graças de Oliveira, uma das fundadoras da entidade.

;No grupo, o que importa é a troca de experiências. Ninguém é obrigado a participar, as pessoas vão às reuniões se quiserem. A ideia é não dar conselhos, mas aprender a ouvir;, explica a professora da UnB. O Apta foi fundado em 2009, por sugestão de um dos membros do grupo, o economista Antônio Carlos Firmino, 64 anos, servidor do Ministério dos Transportes que trouxe para Brasília um modelo existente em São Paulo ; a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata).

Segundo Firmino, o bipolar precisa sempre de uma referência, um ponto de apoio além dos remédios e das terapias. ;Ouvir faz bem, muito mais do que falar, e a companhia das pessoas é muito importante. Do grupo, levamos um aprendizado para a sociedade, que ainda nos discrimina.; De acordo com ele, o convívio social é tão fundamental quanto seguir as orientações médicas e fazer terapia.

;Nossas vidas serão assim por todo o tempo, mas não quer dizer que somos limitados. Mas temos de tomar cuidado com as crises e procurar sempre a ajuda de um médico. Eu, de minha parte, aprendi a pressentir quando vou entrar em depressão;, ensina o homem que um dia, em um dos surtos de euforia, comprou um casal de coelhos na rua, com 12 filhotes, e deu à mulher de presente. Foi o bastante para mais um momento doméstico conturbado.

Em outro momento de crise, Firmino, que foi aluno na USP do ex-ministro do Planejamento João Sayad, interrompeu a aula para questionar os argumentos do professor. Na mesma batida, o ex-presidente do Banco Central, Ibrahim Eris, também professor de economia da USP, foi vítima da desenvoltura excessiva do aluno: ;Chamei ele de símio, bem alto, na frente de todo mundo, sem motivo algum;, lembra, rindo. Depois da aula, Eris e Firmino conversaram sobre outras coisas e ficaram amigos.

Ignorância e estigma
A presença da promotora de Justiça Lúcia Helena Barbosa de Oliveira nas reuniões semanais do Apta e nos encontros psicoeducativos, bimestrais, é uma prova do perfil eclético do grupo de acolhimento. Ela não é bipolar, mas se tornou uma referência entre os frequentadores e profissionais da saúde em termos de apoio, diálogo, solidariedade e participação ativa nos debates sobre a estruturação da entidade. Doutora com tese em direito do consumidor sobre resolução de conflitos judiciais, Lúcia diz que se inspirou em uma agenda feminista e em princípios humanistas em que ;o outro seja sempre o centro do diálogo;.

Lúcia Helena afirma que, embora da área jurídica, a sua tese tem tudo a ver com a filosofia do Apta. ;Partimos do princípio de que o olhar do outro pode adoecer e pode ser curativo.; Sobre o Apta, a promotora analisa que o grupo é uma alternativa de encontro fundamental para os bipolares. ;Além das medicações e das terapias, vemos o grupo como a terceira via de apoio psicossocial, e isso é imprescindível.; A promotora conheceu o Apta no ano de sua fundação, ao levar ao grupo uma amiga que tem o transtorno. ;Mas ela desistiu e eu continuei;, afirma, sorrindo.

De acordo com a psiquiatra Maria das Graças, um dos objetivos da instituição é combater a ignorância, ;que é prima do preconceito;, e levar conhecimento à sociedade sobre o TB. ;Queremos desmistificar essa aura dramática da bipolaridade e mostrar que esses transtornos têm tratamento.; Segundo a psiquiatra, o transtorno bipolar é o preço que alguns pagam por se tornarem criativos (leia mais nesta página). ;Temos gente brilhante no grupo, de alto valor ético. São pessoas muito especiais que sofrem com o preconceito da sociedade;, destaca a médica.

Para Antônio Carlos Firmino, que foi peça fundamental na elaboração da atual Lei dos Portos, o bipolar é muito sensível e tem a desvantagem de ter a maioria das crises em público. ;Não tem jeito, se não tratar, se não aprender a pressentir as crises de depressão ou de mania, o indivíduo estará exposto, perde o senso do ridículo e do perigo e põe a vida dele e a dos outros em risco. Mas isso não significa que não se possa, com ajuda, levar uma vida normal;, ensina o economista, que se sente feliz por ter encerrado, com terapias e medicamentos, o ciclo de surtos de euforia e de mania. ;Tenho uma depressão leve, e logo que a pressinto, corro para o médico.;

Lúcia Helena não sofre com o transtorno, mas participa das reuniões do Apta: combate ao preconceito

Fator hereditário
O transtorno afetivo bipolar é caracterizado por alterações de humor que se manifestam como episódios depressivos alternando-se com episódios de euforia (também denominados de mania), em diversos graus de intensidade. Pesquisas indicam que pelo menos 1% da população mundial apresenta o distúrbio. Outros estudos mostram que a participação genética no desenvolvimento da doença varia numa faixa de 70% a 80%. Uma morte, uma perda importante sentimental ou um acidente, entre outros episódios, podem ser os gatilhos do TB.

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