Ciência e Saúde

Perdas na adolescência podem causar sensação de luto, diz psicóloga

Paloma Oliveto
postado em 06/06/2012 13:56
Confira na íntegra entrevista com a psicóloga Kátia Cristine Cavalcante Monteiro, do Hospital Universitário Walter Cantído da Universidade Federal do Ceará.

1) Considerando que a depressão/melancolia desencadeada pelos lutos da adolescência é, aparentemente, um processo natural, há necessidade de algum tratamento, mesmo que não inclua fármacos?

Para se discutir tal questão, faz-se importante, em primeiro lugar, diferenciar duas perspectivas que eu considero predominantes para se versar sobre o tema da depressão: a perspectiva da teoria psicanalítica, onde se faz uso tanto do termo melancolia como do termo depressão; e a perspectiva da psiquiatria biológica, que faz uso somente do termo depressão.

A psicanálise, a partir do seu referencial, promove uma diferenciação entre os termos depressão e melancolia. O primeiro termo refere-se a quadros clínicos bem definidos de neurose ou sintomas que se apresentem em manifestações episódicas no comportamento também relacionadas aos quadros evolutivos do desenvolvimento humano, tal como pode se observar na adolescência. Já o termo melancolia guarda relação com as formas mais severas de inibição motora e afetiva, em que podem ocorrer a alternância de episódios maníacos e de paralisia, ou seja, uma alteração psíquica importante relacionada a uma estrutura de personalidade.

No que se relaciona à psiquiatria biológica, a influência da biologia como a ciência-guia da psiquiatria é a base para a disseminação da idéia de que a depressão no homem pode ser originada, tratada e, finalmente, curada biologicamente. Assim, na vertente biologicista, a depressão é definida como uma doença, cuja etiologia está associada principalmente a fatores hereditários e, conseqüentemente, seu tratamento mais indicado estaria ligado à terapia farmacológica. Nesse sentido, as ciências humanas nada teriam a contribuir para a compreensão da depressão, pois, com freqüência difunde-se a ideia de que o sintoma psíquico pode ser pautado unicamente na dimensão biológica, não havendo assim, nenhum outro motivo para se pensar numa dimensão propriamente psicopatológica ou mesmo numa autonomia do psiquismo.

Na adolescência, as perdas simbólicas relacionadas à estrutura da infância necessitam ser elaboradas através de vivências que despertam no jovem sentimentos característicos de um processo de luto com manifestações de sintomas depressivos. As constantes flutuações de humor e do estado de ânimo podem ser consideradas um recurso defensivo que se estabelece no comportamento do jovem, a fim de aplacar seus conflitos internos e, por conseguinte, auxiliar na elaboração das situações de perda. Considerando o exposto, não existe a obrigatoriedade de um tratamento para a adolescência, mas de um cuidado para que essas manifestações não sejam consideradas necessariamente patológicas e, simplesmente, medicadas.

Os trabalhos de luto por fazer, de sua posição infantil, do corpo infantil e das figuras parentais idealizadas confrontam o adolescente, com uma possibilidade de pane que confere um estilo ao seu comportamento. É a partir disto que o trabalho psíquico a ser feito pode envolver tanto o luto, quanto a melancolia. O luto, compreendido também como depressão, contém além dos seus efeitos mórbidos ; os sintomas depressivos -, a condição de elaboração psíquica, implicando numa maturidade no indivíduo e num certo grau de elaboração do self. Na melancolia, dá-se o abandono do anseio de superação e o luto se torna impossível.

Contudo, vale a pena ressaltar que os antidepressivos cada vez mais eficazes, na medida em que os efeitos colaterais são propalados como mínimos, vêm compor um mundo no qual o ser humano procura cada vez mais evitar todos os símbolos relacionados com a morte, perdas e manifestações de tristeza. O referido tratamento busca também uma saída homogênea , tratando a depressão como uma doença curada por antidepressivos.

2) Quais os riscos futuros de se mascarar com medicamentos experiências que são inerentes à adolescência?

Do meu ponto de vista, o risco maior é a banalização do uso de medicamentos e do próprio diagnóstico da depressão. A ascensão crescente, da temática da depressão no contexto da psiquiatria biológica é notória, sendo consideráveis os investimentos financeiros aplicados nas pesquisas com psicofármacos e posterior divulgação das descobertas como receitas bastante eficientes.

O marketing utilizado no lançamento de drogas como o Prozac, não se restringia aos efeitos antidepressivos da droga ; que não tardou em ser chamado de "pílula da felicidade" ;, mas anunciava o início de uma nova era: a era da "psicofarmacologia cosmética", na qual bastaria uma pílula para transformar a personalidade.

Observa-se que a psicofarmacologia e as neurociências estão se transformando em produtos da mídia. Propagandas constantemente informam sobre a descoberta de medicamentos que podem curar os mais variados matizes do sofrimento psíquico. Tais informações são multiplicadas e passam a compor o sistema de crenças das pessoas, assimiladas como informações cientificamente comprovadas, sem uso de uma reflexão crítica mais aprofundada, tratadas com veneração e, ao mesmo tempo, com banalidade. O mais criticável, é, exatamente, a associação entre a respeitabilidade científica destas disciplinas mediante o senso comum e um certo pragmatismo econômico, visto que o recomendável atualmente é que os tratamentos sejam rápidos, baratos e simples, justificando assim a utilização de drogas antidepressivas em qualquer circunstância, incluindo o luto comum.

3) Muitos pais e educadores compreendem que a adolescência é uma "fase complicada", como eles mesmos descrevem, e podem não dar atenção ao estado psíquico de seus filhos. Qual a melhor maneira de os pais lidarem com esse momento?

Não existe receita de bolo, mas gostaria de citar um fenômeno bastante comum na contemporaneidade ; citado por Jurandir Freire Costa (psicanalista) ;, o do enfraquecimento da autoridade, cujo efeito mais nocivo "é o da generalização social do desrespeito e da indiferença para com o outro".

O respeito é algo que se aprende ; assim como outros itens culturais básicos ; no meio familiar. Ou seja, para que exista respeito, faz-se necessário que exista a idealização ou, pelo menos, consideração pelos valores sociais e morais daqueles que são dados como modelos de vida para os adolescentes, aos quais estes devem respeitar. Ou seja, os pais devem se manter firmes nessa papel de autoridade (não de

autoritarismo) e isso passa pela revisão de seus próprios valores e o que estão passando para o filho nesse processo educativo. Afinal, os adolescentes já não satisfazem às demandas dos pais, questionam as regras da família, da escola e da sociedade, numa manifestação clara de que, nem todas as referências que os pais ofereceram, lhes servirão. Aqui, não existem necessariamente oposições entre pais e filhos, mas visões diversas de mundos, curiosamente complementares: a bagagem que lhes foi passada pelos pais, em vez de constituir um peso, poderá ser um estímulo poderoso para que o adolescente se imponha um sem-número de desafios, abrindo mão de uma segurança estéril ; útil somente para a infância ;, dos pais como muletas e se aventurando em compor um outro personagem; uma reinvenção.

A oposição expressa no conflito entre pais e filhos, coloca não somente o jovem em situação de crise, mas também seus pais. Tal crise guarda uma relação direta com a própria capacidade dos pais de aceitarem os questionamentos que os filhos podem lhes endereçar.

4) Como saber se o adolescente está apenas passando por uma fase natural de perdas e redescobertas ou se, de fato, encaixa-se em um perfil no qual a intervenção farmacêutica é necessária? Há sinais que ajudem os pais a saber qual o especialista mais indicado para acompanhar seus filhos?

O adolescente necessita elaborar lutos concernentes às perdas da infância; tanto o afeto depressivo pode ser experimentado nesta elaboração, como outras formas de manifestações comportamentais, que nem sempre guardam uma relação tão óbvia com os sentimentos de infelicidade, mas que apontam para mudanças importantes no comportamento (retardo psicomotor, sono alterado, perda de energia, desmotivação, déficit no desempenho escolar, etc.) e de humor (irritabilidade, instabilidade, sentimentos de desesperança, baixa auto-estima, idéias suicidas, abuso de substãncias, etc.).

Em qualquer situação o mais importante é que os pais procurem sempre estar disponíveis para o diálogo com o adolescente, conheça os amigos dos quais o jovem se acompanha, estejam atentos a mudanças abruptas de comportamento em casa e no meio escolar. Mas, com certeza, a abertura para o diálogo ainda continua sendo o principal radar para essas questões.

5) Muitas crianças e adolescentes se autodiagnosticam como deprimidos e afirmam apresentar sintomas idênticos aos que descrevem, na literatura médica, o quadro depressivo de adultos. Eles também admitem que leem bastante sobre o tema. De alguma forma as matérias e artigos publicados principalmente em sites, onde é menor o controle de qualidade de informação, podem criar uma situação de auto-sugestão?

Com certeza a veiculação de informações por todas as mídias possibilita que o público leigo se aproprie delas de forma que não se tem tanto controle, mas que também não permite afirmar que tais falas são simplesmente fruto de auto-sugestão.

Vislumbrando o fenômeno da adolescência de uma perspectiva histórica, em meados dos anos sessenta a adolescência iniciava bem mais tarde, porém encerrava mais cedo do que nos dias de hoje. Na atualidade existe um encurtamento visível da infância e um início precoce da adolescência.

As exigências solicitadas às crianças são muito maiores hoje do que antigamente, principalmente no que tange às múltiplas atividades ligadas à aprendizagem. Neste âmbito, ocorre um incremento considerável da rivalidade entre as crianças, que além de se preocuparem precocemente com o futuro, tem o tempo dedicado para as brincadeiras e os jogos bastante diminuídos.

Estabelece-se um ambiente marcado pela concorrência e que descaracteriza a relação de trocas entre as crianças. A vivência de alteridade, segundo Joel Birman (psicanalista) assume então contornos bem particulares, de maneira que a solidão passa a ser uma presença crucial no atual mundo da infância e da adolescência. "A sensação passa a ser de constante insuficiência e impotência, diante das exigências inatingíveis e ilusórias próprias do mundo contemporâneo", segundo Birman.

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