Ciência e Saúde

Resíduos da pedra-sabão viram matéria-prima para outros produtos

Há 10 anos, pesquisas feitas na Universidade Federal de Ouro Preto em busca de um destino melhor para os resíduos gerados pelo artesanato em pedra-sabão evidenciaram que o pó serve de matéria-prima para a fabricação de cerâmicas e outros produtos

Luciane Evans
postado em 25/05/2013 15:41
Profetas esculpidos pelo mestre Aleijadinho, expostos em Congonhas (MG), são exemplos de uso da pedra-sabão
Belo Horizonte ; Se o mestre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, vivesse no século 21, uma novidade poderia aguçar ainda mais sua mente de gênio: a de que o pó da pedra-sabão pode virar escultura. A descoberta, que mexe hoje com a realidade de centenas de famílias de artesãos em Minas Gerais, veio da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e só agora recebeu o reconhecimento esperado. Há 10 anos, pesquisas feitas na instituição em busca de um destino melhor para os resíduos gerados pelo artesanato em pedra-sabão evidenciaram que o pó serve de matéria-prima para a fabricação de cerâmicas e outros produtos. Diante do invento, o Instituto Nacional de Pesquisa e Inovação (Inpi) concedeu, em março, o direito de propriedade intelectual (patente) ao projeto, denominado Processo para desenvolvimento de produtos a partir da aglomeração de resíduos provenientes do processamento de pedra-sabão, cerâmica e uso.

Estima-se que na cidade de Ouro Preto e nos seus distritos, região-berço da pedra-sabão, localizada a 98km de Belo Horizonte, mais de 80 famílias vivam desse trabalho artesanal. Segundo a prefeitura do município, não há um cadastro com o número exato desses trabalhadores, por se tratar de um ofício informal. O certo é que foi pelas mãos de Aleijadinho que essa matéria-prima se eternizou em obras e formas particulares, a exemplo dos profetas, localizados no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, a 89km da capital mineira. Basta uma caminhada pelas cidades históricas da região para apreciar a beleza da pedra transformada em altares, chafarizes e brasões. Tons que variam do cinza-claro ao verde-escuro em texturas polidas, lixadas, enceradas e que possibilitam inúmeros efeitos visuais que encantam os admiradores. Pelo Brasil, obras como o Cristo Redentor, cartão-postal do Rio de Janeiro, também receberam o revestimento em pedra, principalmente pelas propriedades de resistência ao tempo do material.

Mesmo com toda a beleza e particularidade da pedra, no entanto, pesquisas feitas na Ufop enxergaram nas esculturas um risco para o meio ambiente e para a saúde pública. Esses inconvenientes motivaram a busca por alternativas econômicas viáveis. ;O trabalho com a pedra-sabão gera muita poeira, que é acumulada nos fundos dos quintais desses artesãos, se tornando um risco à saúde das pessoas que sobrevivem desse trabalho. A exposição das crianças e dos adultos ao pó pode trazer, ao longo do tempo, problemas respiratórios e outras enfermidades, conforme já constataram outras pesquisas;, diz o responsável pelo estudo, Adilson Rodrigues da Costa, engenheiro metalúrgico e professor de seleção de materiais para projetos de engenharia na Escola de Minas da Ufop.

Reaproveitamento
De acordo com ele, outra motivação para a busca de destino adequado para o pó da rocha foi o descarte dos rejeitos. O excesso de entulho nos ateliês e o descarte no solo (fundos dos quintais), aliados à falta de coleta seletiva, trazem sérias consequências para o meio ambiente, como a contaminação das águas, o assoreamento dos leitos de rios e córregos e a poluição do ar. Diante da questão, nos idos de 2000 e 2001, foram feitos estudos para descobrir uma forma de aglomerar o pó e aplicar a ele um tratamento que pudesse produzir peças de uso corriqueiro. A partir daí, o primeiro passo foi levantar as características dos pós disponíveis. Qualquer projeto que vise ao aproveitamento de determinado bem mineral ou ao reprocessamento de rejeitos e resíduos do setor mineral-metalúrgico tem na etapa inicial a determinação de suas características (granulometria, composição química e composição mineralógica).

;Fizemos, inicialmente, o que chamamos de classificação granulométrica do pó, a fim de selecionar a faixa de tamanho de partículas mais adequada à compactação, seguida de tratamento térmico. É algo como um peneiramento seletivo para separar as partículas de tamanhos indesejáveis ou inadequadas ao processo;, explica o professor. Na etapa seguinte, o conjunto selecionado foi colocado em moldes no formato de pastilhas para revestimento de paredes. ;O material foi compactado a altas pressões e levado ao forno em temperatura elevada, variando de 700;C a 900;C. Com esse aquecimento, a peça se consolidou e apresentou propriedades adequadas às utilizações propostas: resistência mecânica e dureza, principalmente.; Uma vez agregado e compactado, o material ganha resistência próxima à das cerâmicas comerciais, como a dos revestimentos disponíveis no mercado. Toda a pesquisa foi concluída em 2002, mas somente agora foi concedida a patente. ;É um reconhecimento pelo trabalho científico empreendido. Uma vez depositado o pedido de patente no Inpi, o processo de avaliação é muito demorado, infelizmente;, acrescenta o pesquisador.

Durante a espera pelo processo no Inpi para concessão da patente, a pesquisa da Ufop foi apresentada a empresários do setor de processamento da pedra na busca por futuras parcerias. ;O foco na questão socioambiental sempre foi enfatizado, procurando proporcionar uma alternativa de renda para as famílias que vivem do artesanato. Procurei empresários da região e não houve muito interesse. Nem o Ministério do Meio Ambiente se manifestou, apesar das tentativas de articulação;, desabafa Costa.



Uma das possibilidades é que sejam criadas cooperativas articuladas em torno da ideia de transformação dos rejeitos da pedra-sabão, propriedade de seu inventor em parceria com uma instituição pública. ;Não é uma tecnologia que permite ao artesão trabalhar dentro do seu ateliê face aos investimentos necessários e às habilidades requeridas. Mas ao articular esse movimento, podem-se criar pequenas ou médias estruturas industriais, para que seja possível a produção em escala.;

Aprovação
Artesão em Ouro Preto há 12 anos, Eliomar Ricardo Vilaça diz que descarta o pó gerado com o artesanato da pedra-sabão em aterros. ;Achei o invento interessante, já tentei fazer isso com resina, mas não há muito valor no mercado. Nesse caso do pó da pedra-sabão, se houvesse uma fábrica, seria interessante. Já vendemos o pó para fazer talco e massa plástica, mas tem que ser de determinada pedra, que tem um tom esverdeado.;

Na opinião do geólogo Eduardo Brandau, do Laboratório de Materiais de Construção Civil, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo, qualquer iniciativa de reaproveitamento de resíduos ou subprodutos é bem-vinda. ;Existem muitas iniciativas de desenvolvimento de técnicas para reaproveitamento de resíduos, mas muitas delas acabam não produzindo efeito, não são viáveis economicamente. Claro que a preocupação principal é ambiental, mas o fator prático e econômico sempre é relevante. Se esse projeto resolve as questões práticas, econômicas e de saúde pública, então será realmente útil à cadeia produtiva da pedra-sabão;, opina.

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