Ciência e Saúde

Cientistas observam núcleo do sol pela primeira vez na Itália

Detector está enterrado sob 1.400 metros de rocha no laboratório do Gran Sasso, na Itália

Agência France-Presse
postado em 27/08/2014 17:54
Imagem obtida em 27 de agosto mostra radiação solar
Paris -
Nos subterrâneos de uma montanha, cientistas conseguiram observar pela primeira vez o núcleo do Sol através de suas emissões de neutrinos, escorregadias partículas elementares que demonstram que nossa estrela continuará brilhando por pelo menos mais 100.000 anos.

"Se é certo que os olhos são o espelho da alma, então, com esses neutrinos não estamos vendo apenas a face do Sol, mas também seu núcleo. Conseguimos vislumbrar a alma do Sol", anunciou o físico Andrea Pocar, da Universidade de Massachusetts, em Amherst (nordeste dos Estados Unidos), que participou dessa descoberta feita graças ao detector Borexino.

O detector está enterrado sob 1.400 metros de rocha no laboratório do Gran Sasso, na Itália (centro).

A energia do Sol provém, em 99%, da fusão de núcleos de hidrogênio no coração da estrela. Essa reação transforma os prótons (partículas com carga positiva) em um núcleo de deutério (uma forma de hidrogênio) e libera, entre outras partículas, um neutrino de baixa energia denominado "neutrino pp" ("próton-próton") - resumiu o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França, que também participou da experiência.



Desprovidos de carga elétrica e muito pouco sensíveis à gravidade, os neutrinos interagem escassamente com os átomos e, portanto, atravessam a matéria, quase sem consequências.

Essas características permitem aos "neutrinos pp", produzidos pelo núcleo solar, atravessar em poucos segundos o plasma solar e chegar à Terra apenas oito minutos mais tarde, a uma velocidade próxima à da luz. Trata-se de um bombardeio maciço, mas indolor ao nosso planeta, na razão de dezenas de milhares de partículas por centímetro quadrado por segundo.

Inversamente, a energia produzida por essa reação é transportada sob a forma de fótons e demorará "uma ou duas centenas de milhares de anos para atravessar a matéria densa do Sol", antes de chegar à sua superfície e depois à Terra, explicou o CNRS.

Testemunhas diretas

Os neutrinos observados na experiência Borexino são efetivamente "testemunhas diretas do que acontece atualmente no coração da estrela, enquanto sua energia nos aquece" sob a forma de raios luminosos. Energia essa que foi produzida há dezenas de milhares de anos.

"Ao comparar esses dois tipos de energia emitida pelo Sol, obtemos informações sobre seu equilíbrio termodinâmico por um período de uns 100.000 anos", destacou Andrea Pocar.

Os resultados mostram que a atividade do Sol praticamente não mudou desde então e "confirmam que nossa estrela continuará funcionando de forma análoga durante, pelo menos, mais 100 mil anos", continua o CNRS.

Essa primícia mundial pôde ser obtida graças à experiência Borexino, da qual participa uma centena de cientistas do mundo todo em um túnel escavado sob os Apeninos. Suas rochas absorvem os raios cósmicos que bombardeiam permanentemente a Terra e que poderiam falsificar as medições.

É ali que, em uma esfera inoxidável de 14 metros de diâmetro, por sua vez protegida por um enorme depósito d;água, o detector consegue captar os escorregadios neutrinos do Sol em um entorno o mais isolado possível das interações do mundo exterior.

Para consegui-lo, Borexino utiliza um "centelhador orgânico" cheio de um hidrocarboneto líquido resultante de "um petróleo realmente muito, muito antigo", de vários milhões de anos de idade, acrescentou Andrea Pocar.

"Nós o usamos para eliminar todo o carbono 14 possível", já que essa forma naturalmente radioativa de carbono, que desaparece com o tempo, "cobre os sinais de neutrinos que queremos detectar".

O líquido ultrapuro dentro do detector contém uma radioatividade dez bilhões de vezes maior do que um copo d;água, segundo o CNRS. São "características únicas" que permitiram observar "quase em tempo real" os fluxos de neutrinos lançados pelo Sol.

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