Ciência e Saúde

Crianças percebem quando são vítimas de tratamento desigual desde cedo

Já a preocupação em ser justo com os outros depende muito da cultura e só começa a aparecer mais tarde, aos 8 anos

Paloma Oliveto
postado em 19/11/2015 06:04


;Isso não é justo!” Quantas vezes não se escuta a frase da boca de uma criança? Meninos e meninas ainda muito pequenos demonstram uma consciência aparentemente inata da equidade, principalmente quando a questão envolve desvantagem para eles. Contudo, saber quando o senso de justiça emerge sempre foi um desafio para filósofos e estudiosos da moralidade humana. Na tentativa de encontrar uma resposta, pesquisadores das universidades de Harvard e de Boston desenvolveram um teste que foi aplicado em crianças e adolescentes de sete regiões do planeta. Os resultados indicaram que a compreensão sobre o que é justo difere de acordo com a idade e a cultura.

Os cientistas sociais desenharam um experimento no qual duas crianças sentavam-se uma em frente à outra, tendo, no meio, uma mesa com alguns doces. Aleatoriamente, o mediador oferecia algumas guloseimas para cada uma delas, que tinham de definir se aceitavam ou não a divisão, com base no senso de justiça. Por exemplo, ao ver que o colega recebeu a oferta de um número maior de brindes, o participante poderia aceitar essa distribuição desigual ou puxar uma manivela, em sinal de rejeição. O contrário também era verdadeiro: caso ganhasse mais doces que o outro e achasse que isso não era correto, o beneficiado poderia recusar o agrado.

Para verificar desde quando a rejeição à iniquidade se manifesta, os cientistas realizaram os testes com 866 pares de meninos e meninas de 4 a 15 anos. A investigação sobre a influência cultural se deu em sete países: Estados Unidos, Canadá, Índia, México, Peru, Senegal e Uganda. Além de diferenças nas formas de povoamento, essas nações têm religiões e bases econômicas diversas. No México, por exemplo, a população tem origem maia, é majoritariamente católica e a economia tem componentes agrícolas e urbanos. Já no Senegal, 94% dos habitantes são muçulmanos, falam o idioma uólofe e trabalham, principalmente, no campo e com a pesca. Tudo isso contrasta bastante com a cultura norte-americana dos EUA e do Canadá, que é, em sua maioria, cristã e tem a economia enraizada na indústria.

Em uma coletiva de imprensa organizada pelo grupo editorial da revista Nature, que publicou o artigo, Katherine McAuliffe, psicóloga e pesquisadora tanto de Harvard quanto da Universidade de Boston, explicou que a idade e o local de nascimento influenciaram os resultados dos testes. ;Em todos os países, as crianças mais novas já demonstravam aversão à iniquidade quando elas eram as desfavorecidas. Acreditamos que esse senso de justiça, de recusar quando se recebe menos que o outro, é universal;, afirmou.

Um dado pareceu surpreendente a Peter Blake, pesquisador do Departamento de Ciências Psicológicas e do Cérebro da Universidade de Boston, principal autor do estudo. Enquanto os pequenos rejeitavam rapidamente o jogo quando se sentiam em desvantagem, por volta dos 8 anos, eles também mostravam aversão à injustiça praticada contra o colega de teste. ;Quando o outro participante recebia menos doces, as crianças que ganhavam mais puxavam a manivela verde, indicando que não aceitariam essa oferta, mesmo que ela fosse vantajosa para elas;, descreveu. ;Isso foi um dado que nos deixou intrigados. As crianças estão dispostas a fazer sacrifício para que o outro não seja prejudicado.; A resposta dos pequenos quando indagados sobre o motivo pelo qual recusaram o doce era simples e direta: ;Eles diziam simplesmente que não era justo;.

Essa disposição, no entanto, não foi vista em todos os lugares pesquisados. Em um indicativo de que o surgimento dos conceitos de justiça e iniquidade varia de acordo com a cultura, apenas em três países as crianças rejeitaram as guloseimas quando as outras receberiam menos: Canadá, Estados Unidos e Uganda. Nas demais nações, embora recusassem um número menor de balas, os meninos e as meninas de todos os grupos etários aceitavam receber mais que os colegas.

Pais
Katherine McAuliffe esclarece que isso não significa que nesses lugares não exista senso de iniquidade quando o atingido é um terceiro. ;Nesse estudo, nós não nos concentramos em ir atrás das razões, algo que, certamente, vamos querer investigar no futuro. Contudo, o que esse resultado sugere é que, provavelmente, nesses casos, a noção de desigualdade pode emergir mais tarde, dependendo da cultura em que se está inserida;, disse.

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