Ciência e Saúde

Autópsia do corpo de Robin Willians mostra doença neurodegenerativa

Ela tem evolução rápida e, mesmo frequente, é pouco conhecida entre médicos e leigos

Roberta Machado
postado em 29/11/2015 08:00

Robin Williams morreu em agosto de 2014: suspeita de depressão e Parkinson

"Eu passei o último ano tentando compreender o que tirou a vida do meu marido;, desabafou Susan Schneider, a viúva do ator e comediante Robin Williams. Em uma entrevista concedida recentemente à rede de televisão ABC, Schneider falou, pela primeira vez, sobre a doença que ela acredita ter levado seu companheiro a tirar a própria vida em agosto do ano passado. Durante um ano, Robin sofreu com mudanças de humor, dificuldades de movimento e até mesmo alucinações. Exames médicos indicavam um estágio inicial da doença de Parkinson, e a opinião pública logo adotou a teoria de que um quadro de depressão estaria por trás da morte do humorista. O diagnóstico, no entanto, só seria possível após a autópsia do corpo do ator: Robin Williams sofria de demência por corpos de Lewy (DCL), uma condição que, embora seja relativamente comum, é pouco conhecida.

O exame do cérebro do astro de Hol-lywood revelou o quadro que constitui a condição neurodegenerativa e que só pode ser confirmada após a morte do paciente. Os neurônios estavam tomados pelas proteínas que dão nome à doença, que vinham levando à morte das células cerebrais (veja infográfico) e causando a série de sintomas que comprometeram a qualidade de vida de Williams. ;Ele estava resistindo da melhor forma que podia, mas, no último mês, não conseguiu. Foi como se a represa quebrasse;, descreveu Susan Schneider. Entre as alterações notadas por Schneider no comportamento do marido, estavam dores abdominais, depressão, ansiedade e paranoia. ;Não era possível saber exatamente o que estávamos vendo;, lamentou a viúva.

De acordo com uma pesquisa da Associação de Demência por Corpos de Lewy (LBDA), uma pessoa costuma passar, em média, por três médicos antes de descobrir que tem a doença. A peregrinação por um diagnóstico costuma levar mais de um ano e meio e pode chegar a três anos para um quinto dos pacientes. O levantamento, feito com cuidadores de quase mil pessoas que sofriam da condição, revelou que quase 80% delas foram indevidamente diagnosticadas com uma diferente condição neurológica, como Alzheimer ou Parkinson.

A confusão deve-se às semelhanças dos três processos neurodegenerativos, que podem coexistir em alguns pacientes. Alguns indivíduos com corpos de Lewy, por exemplo, podem apresentar as mesmas placas beta-amiloides que levam à perda de memória e a outros sinais do Alzheimer, e cerca de dois terços das pessoas com DCL têm problemas de movimento, como os tremores e a rigidez muscular característicos dos pacientes parkinsonianos.

O mecanismo da doença de Parkinson e o processo que leva à DCL, na verdade, são bastante similares, o que torna o diagnóstico ainda mais difícil. ;Você pode considerar, em um certo sentido, que Lewy e Parkinson são polos do mesmo espectro;, explica Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, professor de neurologia na Universidade Federal de São Paulo.

Segundo o especialista, na doença de Parkinson, ocorrem alterações nas vias nigroestriatais. ;São vias que começam lá na conexão entre o cérebro e a medula, uma área que é responsável pelos nossos movimentos automáticos. Então, a pessoa com Parkinson começa com o distúrbio de equilíbrio e marcha;, explica. No caso da DCL, há as mesmas alterações, mas elas começam pelo córtex. ;Inicia-se com alterações cognitivas, de linguagem, de memória. Depois, a doença progride, pega a via nigroestriatal e as pessoas desenvolvem o parkinsonismo;, compara Bertolucci.

Na hora de determinar o diagnóstico, o médico deve atentar para a ordem do surgimento dos sintomas. Os pacientes com Parkinson apresentam dificuldade de movimento pelo menos um ano antes de começar a alteração de memória e outras complicações cognitivas. Já na DCL, os problemas cognitivos costumam aparecer primeiro, com a ocorrência de alucinações e perda de memória antes de qualquer adversidade motora.

Diagnóstico difícil
Não há nenhum tipo de teste que permita o diagnóstico da demência por corpos de Lewy enquanto o paciente estiver vivo. Exames de sangue e de imagem, porém, ajudam o médico a descartar outras doenças. Ao conhecer os hábitos, as queixas e as dificuldades, ele pode chegar à DCL. O problema é que nem todos os profissionais de saúde estão familiarizados com a doença, e um falso diagnóstico pode levar à prescrição errada de medicamentos e, consequentemente, ao agravamento do problema.

Alguns dos aspectos que podem passar desapercebidos por alguns médicos são a apatia, o histórico de quedas, o cansaço e a diminuição da pressão arterial. ;Também são comuns a depressão, a agitação e a ansiedade;, ressalta Marcio Balthazar, especialista do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). O distúrbio do sono REM, como é chamado o quadro em que o indivíduo tende a falar e a se mover excessivamente durante os sonhos, é considerado um fator de risco para a DCL. No entanto, esse problema pode surgir décadas antes de qualquer sinal de demência, o que torna ainda mais difícil relacionar o comportamento com a doença.

Existe ainda a possibilidade de o paciente ter crises prolongadas de confusão intercaladas com momentos de total lucidez. Isso também dificulta a identificação do problema neurodegenerativo e torna ainda mais importante a descrição detalhada dos sintomas pelo paciente e por familiares. ;Existe uma flutuação tanto das funções cognitivas quanto das funções comportamentais;, descreve Ivan Okamoto, coordenador do Núcleo de Memória do Hospital Israelita Albert Einstein.

As oscilações dos sintomas dão a impressão de que o paciente é menos afetado pela doença em alguns dias, mas a condição é crônica. Portanto, não tem cura. A demência por corpos de Lewy também é conhecida por ter uma evolução mais rápida do que outros tipos de demência e pode atingir um quadro grave em menos de sete anos. ;Uma das repercussões do quadro é a perda da funcionalidade. O paciente começa a executar erros simples até começar a ter o comprometimento do autocuidado, da higiene pessoal. Tudo isso leva primeiro a uma necessidade de supervisão e, depois, a uma dependência, com a evolução da doença;, descreve Okamoto.

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