Ciência e Saúde

Cientistas identificam neurônios que controlam o apetite

Pesquisadores de Israel identificam células neurais ligadas a hábitos alimentares, incluindo os que desencadeiam a obesidade, como exagerar na ingestão de gorduras. A descoberta poderá ajudar no desenvolvimento de tratamentos mais eficazes

Vilhena Soares
postado em 11/02/2017 10:00
Pesquisadores de Israel identificam células neurais ligadas a hábitos alimentares, incluindo os que desencadeiam a obesidade, como  exagerar na ingestão de gorduras. A descoberta poderá ajudar no desenvolvimento de tratamentos mais eficazesA obesidade é um dos problemas de saúde que mais atingem a população, causando males diversos, desde complicações cardíacas a cânceres. Fatores sociais e biológicos levam ao excesso de peso, acreditam especialistas. Cientistas de Israel tentam esmiuçar a faceta cerebral do problema com a ajuda de uma avançada técnica de análise neural. Descobriram 50 novas células e determinaram estruturas que estavam relacionadas ao consumo exagerado de alimentos. O trabalho foi divulgado na última edição da revista britânica Nature Neuroscience e pode abrir as portas para mais descobertas sobre o funcionamento do cérebro e contribuir com o desenvolvimento de tratamentos contra transtornos alimentares.

Diante da complexidade do cérebro, os pesquisadores resolveram sair em busca das células neurais responsáveis pelo apetite. ;Muitas funções já foram mapeadas para grandes regiões neurais. Sabemos, por exemplo, que o hipocampo é importante para a memória e que o hipotálamo é responsável por funções básicas, como comer e beber. Mas não sabemos quais tipos de células presentes nessas regiões são responsáveis por cada tarefa;, explica ao Correio John Campbell, autor principal do estudo e pesquisador do Centro Médico Beth Israel Deaconess (BIDMC, em inglês).

Eles usaram um sistema chamado Drop-seq, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A tecnologia possibilita a análise computadorizada avançada de tecidos neurais. Com ela, Campbell e a equipe conseguiram catalogar, em ratos, mais de 20 mil células cerebrais (50 delas até então desconhecidas) em uma região do hipotálamo chamada arqueado e no complexo de eminência medial, área responsável por controlar o apetite, entre outras funções. ;Embora esperássemos encontrar alguns novos tipos de neurônios arqueados, fiquei pessoalmente surpreso ao descobrir tantos. Afinal, o arqueado é apenas uma região do hipotálamo do rato e, provavelmente, contém menos de 1% das células cerebrais dele. No entanto, havia muita diversidade nessa região ; encontramos quatro vezes mais tipos de neurônios do que se conhecia;, conta Campbell.

Após a identificação das células cerebrais, os cientistas resolveram observar como elas agiam nos ratos em situações distintas e relacionadas a comportamentos alimentares: comer à vontade, seguir dieta rica em gorduras e jejuar durante a noite. A tecnologia permitiu diferenciar os estados energéticos variados, ou seja, quais células trabalhavam e quais se mantinham desligadas em cada momento. ;Às vezes, a identidade verdadeira de uma célula não é descoberta até que você a coloque em um certo estresse. Em condições de jejum, por exemplo, podemos ver que existe uma diversidade adicional de resposta dentro de um grupo determinado. Percebemos isso quando elas respondem a esse importante estado fisiológico;, explica Linus Tsai, também autor do estudo e pesquisador do BIDMC.

Ação focada
[SAIBAMAIS]Cláudia Barata Ribeiro, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e presidente da Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação (ABMFR), acredita que os resultados do trabalho poderão ajudar a melhor entender como a obesidade ocorre, mecanismo não completamente compreendido. ;Hoje, temos uma cultura que fala que o que eu vou ingerir é usado como energia e o que sobra vira gordura acumulada, mas não é tão simples assim, depende de outros fatores, como a microbiota, que tem sido bastante estudada pode influenciar esse sistema;, ilustra a médica, que não participou do estudo.

Ao determinar as células e os genes que foram sensíveis às mudanças de alimentação, os cientistas acreditam que, com esses dados, poderão fornecer uma série de alvos para o tratamento da obesidade. ;Conhecendo todos os genes que cada tipo de célula expressa, poderemos projetar novos medicamentos para tratamento terapêutico. Agora, por exemplo, podemos encontrar receptores que são expressos em células que controlam a fome, mas não em células que controlam a pressão arterial, que também já foi relacionado ao hipotálamo. Remédios que visam esses receptores seriam capazes de controlar o apetite sem quaisquer efeitos colaterais nocivos à pressão arterial;, detalha Campbell.

Ao relacionar os resultados do experimento feito com os roedores aos dados do genoma humano, os cientistas também conseguiram encontrar dois neurônios ligados ao peso corporal. A intenção é esmiuçar ainda mais esses dados e encontrar maneiras de manipular as células. ;Identificamos marcadores genéticos para cada tipo de célula. Agora, ferramentas genéticas podem ser desenvolvidas para manipular experimentalmente cada uma e aprender mais sobre sua função. Pesquisas anteriores mostraram, por exemplo, que o hipotálamo arqueado pode controlar a temperatura corporal e a função cardiovascular ; talvez algumas das novas células que encontramos possam ser as responsáveis por essas funções;, adianta o autor.

Outras áreas
Cláudia Barata Ribeiro também ressalta que a pesquisa traz novos dados sobre um órgão complexo. ;Essa região analisada controla várias funções importantes, mas muitas células que estão lá ainda são desconhecidas. Essas são informações novas que podem ajudar em outras descobertas futuras, e o uso dessa tecnologia pode abrir portas para que outros grupos de células possam ser desvendados;, acredita a neurologista.

Os cientistas israelenses disponibilizaram os dados on-line do estudo para ajudar outros interessados em estudar o tema. ;A maneira clássica de fazer ciência é fazer perguntas e testar hipóteses. Mas o cérebro é tão complexo que nem sequer sabemos o quanto não sabemos. Essa informação preenche algumas das incógnitas para que possamos fazer novas hipóteses. Esse trabalho levará a muitas descobertas que, sem esses dados, as pessoas nunca saberiam sequer fazer a pergunta;, ressalta Bradford Lowell, também autor e pesquisador da BIDMC.


Ações diversas
Componentes do sistema nervoso que podem se classificar em dois tipos: os neurônios e as células da glia (estrutura cerebral), divididos em inúmeros subtipos. Os neurônios estão presentes em menor número, constituem 10% do cérebro contra 90% das células da glia. São os responsáveis pelas sinapses, atividade elétrica essencial para o funcionamento do órgão. As glias dão sustentação a ele, entre outras funções.

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