Ciência e Saúde

Ganho em saúde faz valer investimentos no Acordo de Paris

A redução na prevalência e na mortalidade por doenças associadas à poluição atmosférica compensa o investimento em medidas para amenizar e combater as mudanças climáticas, mostra estudo espanhol

Paloma Oliveto
postado em 07/03/2018 06:00

O impacto seria sentido principalmente em países muito populosos. China economizaria 55% em saúde pública


Os custos para implementar o Acordo de Paris entre 2020 e 2050 não são baixos e têm suscitado discussões pouco produtivas entre países ricos e em desenvolvimento. Contudo, um estudo publicado na revista The Lancet Planetary Health demonstra que os valores investidos em medidas de mitigação e combate às mudanças climáticas são compensados pela economia global em saúde pública, devido à redução na prevalência e na mortalidade por doenças associadas à poluição atmosférica.

Em dezembro de 2015, o acordo costurado na capital francesa determinou que, até 2050, o aumento médio na temperatura fique até 2;C acima dos níveis pré-industriais e, desejavelmente, atinja no máximo 1,5;C. Até agora, 195 países assinaram o documento, mas, faltando dois anos para que ele passe a valer, não está claro como as metas serão atingidas, e as discussões sobre financiamento avançaram pouco. De modo geral, estima-se que os custos de implementação do acordo variem de 0,5% a 1% do Produto Interno Bruto global (de US$ 22,1 trilhões a US$ 41,6 trilhões) no cenário dos 2;C, e de 1% a 1,3% no do PIB no caso da meta mais ousada: de 1,5;C.

De acordo com o modelo desenvolvido pelos pesquisadores do Centro Basco de Mudanças Climáticas, na Espanha, esse investimento é compensado pela economia com os gastos em saúde pública e perda de produtividade. Eles estimam que, se a meta dos 2;C for alcançada, os óbitos associados à poluição cairão de 21% a 27% entre 2020 e 2050, e de 28% a 32% no caso da meta de 1,5;C.

No estudo, os autores combinaram um número de modelos preexistentes para estimar os níveis de emissão, óbitos por poluição (como resultado de doenças respiratória e cardiovascular, derrame, câncer de pulmão, doença pulmonar obstrutiva crônica e infecção aguda do trato respiratório inferior) e seus custos, comparando com os investimentos com mitigação de mudanças climáticas para Estados Unidos, 27 países europeus, China, Índia e o resto do mundo (que foi aglutinado em um só grupo). Os cientistas, então, estimaram os impactos de não se fazer nada em relação ao clima, continuando com as políticas atuais, e de se adotar três diferentes estratégias para implementar e financiar o Acordo de Paris.

Atualmente, os compromissos adotados nacionalmente pelos países que fazem parte da Convenção das Mudanças Climáticas da ONU são estimados em US$ 7,5 trilhões e têm potencial de reduzir em 5% as mortes associadas à poluição atmosférica no mundo entre 2020 e 2050, comparados a não se fazer nada ; seriam 122 milhões de mortes se os objetivos nacionais forem colocados em prática, contra 128 milhões, caso tudo continue como está. Nesse cenário, a maior parte do fardo de financiamento ficaria com Estados Unidos e União Europeia (US$ 4,9 trilhões e US$ 2,2 trilhões, respectivamente). Isso corresponde a 95% do valor estimado para a implementação das metas.

Mais vantagens


Dos cenários testados, os esforços para alcançar a meta de 2;C foram os que resultaram em maior custo-benefício global: nesse caso, a economia com saúde pública seria o dobro dos gastos com políticas de mitigação ; enquanto sairiam US$ 22,1 trilhões, US$ 54,1 trilhões seriam poupados. Nos três modelos, os países que teriam maior economia graças aos investimentos com o Acordo de Paris seriam Índia e China (43% e 55%, respectivamente). Isso porque as duas nações concentram a maioria da população mundial, sendo que muitos de seus habitantes estão expostos a níveis de poluição mais altos que o aceitável.

Para os Estados Unidos e a União Europeia, embora a economia com saúde também seja grande, ela, sozinha, não compensa totalmente os gastos com políticas de mitigação. Contudo, Anil Markandya, professor do Centro Basco de Mudanças Climáticas e principal autor do artigo, ressalta que isso é apenas um dos benefícios de se reduzir as mudanças climáticas. ;Alcançar a meta de 2;C traz benefícios consideráveis, tanto à saúde quanto a oportunidades de emprego, redução de perdas e danos de propriedades e redução de perdas agrícolas. Se conseguirmos chegar à meta de 1,5;C, teremos ganhos ainda maiores;, diz.

O especialista afirma que, embora mais estudos tenham de ser feitos, a expectativa é de que esses resultados já sirvam de estímulo para os países se comprometerem com os objetivos discutidos durante as conferências do clima. ;Esperamos que os benefícios estimados em diferentes cenários possam ajudar os formuladores de políticas públicas a adotar estratégias climáticas mais ambiciosas e medidas para reduzir a poluição atmosférica, além de considerar como compartilhar o fardo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.;

Para Philip Landrigan, professor da Faculdade de Medicina Icahn de Monte Sinai, nos Estados Unidos, o estudo tem potencial para isso. ;A principal contribuição do trabalho é que ele torna visível os enormes, mas anteriormente escondidos benefícios econômicos da mitigação climática e mostra que esses benefícios são maiores que os custos de prevenção;, opina Landrigan, que não está envolvido no estudo. ;Argumentos políticos e econômicos contra a mitigação climática e o controle de poluição geralmente baseiam-se em cálculos deficientes e de curta abrangência, que consideram apenas os custos tangíveis e concretos do controle de emissões. A conclusão cuidadosamente elaborada de que os benefícios à saúde e à economia da mitigação contrabalanceiam significativamente seus custos fornece uma poderosa refutação a esses argumentos.;

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