Diversão e Arte

Há 20 anos começava em Brasília uma festa baiana que nunca mais parou: a micarê

Veteranos contam histórias da folia

Irlam Rocha Lima
postado em 22/08/2009 08:30
Ao assistir pela televisão em 1984 à terceira edição da Micarecandaga, a primeira realizada na Esplanada dos Ministérios, Lúcio Costa, um dos criadores de Brasília, comentou: ;Estou feliz por ver o espaço nobre que criei na capital ser ocupado festivamente por uma multidão de jovens;. Na época, o sentimento do urbanista foi reproduzido pela filha Maria Elisa e publicado pelo Correio.

Clique na imagem para ampliarQuando a micarê ; nome que acabou sendo popularizado pelos foliões ; ocorreu na Esplanada, já havia cinco anos que a axé music tinha sido adotada pelo brasiliense. Duas décadas depois, esse gênero musical mantém-se forte na cidade. Amanhã, por exemplo, é aguardado público superior a 10 mil pessoas na Festa Trio, que volta a ser realizada no Autódromo Internacional Nelson Piquet.

Renata Cavalcante, 23 anos, estudante de fisioterapia, estará entre os axezeiros que participarão da festa no autódromo. ;A música baiana entrou na minha vida há sete anos, quando fui assistir ao Chiclete com Banana no Camping Show. Tenho amigos mais velhos que me contam como eram animadas as micarês na Esplanada dos Ministérios e no Eixo Monumental. Agora vou a todos os shows, e micaretas em outros lugares;, conta.

Em 1979, os primeiros acordes do axé foram ouvidos, ao vivo, na cidade, na voz de Cid Guerreiro, que ficou famoso por ter composto Ilariê, o maior sucesso de Xuxa. Ele fez show em evento político e depois, em cima de um trio elétrico, desfilou pelo Centro Comercial Gilberto Salomão. Era uma novidade e as pessoas, curiosas, apenas observaram.

Logo depois, no mesmo ano, estourada no rádio com os sambas reggae Alfabeto do negão e Madagascar Olodum, a Reflexu;s foi a primeira banda a se apresentar na capital. O evento, na discoteca Zoom (atual Trend Lounge), recebeu plateia expressiva. No mesmo local, um ano depois, foi a vez da Banda Eva, liderada pelo vocalista Ricardo Chaves, agitar a galera.

[SAIBAMAIS]No grupo, como backing vocal, destacava-se, ninguém menos que a futura rainha do axé, Daniela Mercury. Ela e a banda Asa de Águia foram as atrações da primeira Micarecandanga (veja reportagem na página 3). Um dia depois do show na Zoom, um domingo, Márcio Salomão promoveu show de Daniela no estacionamento do Gilberto Salomão para uma multidão.

Produção
Quem inicialmente levou eventos ligados a axé music às ruas foi a produtora Os Filhos de Seu Osvaldo, que tinha à frente Tavinho, figura popular, atualmente vivendo em Aracaju. Depois é que surgiu a Monday Monday, nome da empresa de entretenimento criada por Sérgio Maione e Marcelo Piano. Os dois, com a micarê, foram responsáveis pela profissionalização desse tipo de festa, originária de Feira de Santana (BA).

;Antes havíamos trazido Daniela Mercury e Chiclete com Banana para shows no ginásio do Iate Clube; e a Banda Eva para apresentação na Zoom;, recorda-se Maione. Os então promoters Lino Fructuoso e Márcio Manati ajudaram a popularizar o axé, com festas embaladas pelos sucessos do gênero nas extintas Hippo;s e Banana Republic (Gilberto Salomão), respectivamente.

Outros que também participaram desse processo foram Fernando Maciel e Marcos Lomanto, organizadores da festa Salute Salvador. A maioria desses eventos contou com a participação de Alexandre Romão, Peter Carlos, Sinval Simão, Cristiana Oliveira, Nana Rodrigues e Cacau Vieira, que, 20 anos depois, continuam marcando presença em festas de axé.

; As mutações da micarê

Depois do auge das festas na Esplanada dos Ministérios, eventos desse tipo agora ocupam espaços reservados, como o autódromo

O advento da Micarecandanga foi um marco na área do lazer e da diversão em Brasília. Festa de origem baiana, durante 14 anos ; entre 1982 e 1996 ; arrastou milhares de jovens que saiam atrás de trios elétricos, comandados por etrelas da axé music, como Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Banda Eva, Ara Ketu, Timbalada.

A micarê viveu fases distintas. Inicialmente, por dois anos, o Eixão Norte serviu de passarela, e dali e percorreu outros locais da cidade, como Estação Rodoviária, seguindo até o Estádio Mané Garrincha. Chamou a atenção no primeiro ano, que teve como atração Daniela e o Asa (Durval Lelys), além da distribuição de cerveja, em torneiras de carros pipa, aos foliões dos blocos.

Em 2004 e 2005 o evento viveu momentos de glória tendo como cenário a Esplanada dos Ministérios, com direito a transmissão de imagens pela TV Globo para todo o país. Ao ocupar o famoso cartão-postal, ao mesmo tempo em que projetava a capital nacionalmente, com o paletó e gravata sendo trocado pelo abadá, passou a sofrer pressões de políticos e de alguns segmentos religiosos.

;Vinha, curiosamente, de um baiano, o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhões, as maiores restrições em relação ao uso da Esplanada para a festa, principalmente pela instalação dos camarotes em frente ao Congresso Nacional. Ele considerava isso um desrespeito. Mas o governador Cristovam Buarque ficou do nosso lado e a festa aconteceu, com enorme sucesso;, revela Sérgio Mayone, da produtora Monday Monday, que organizava a Micarecandanga.

No Eixo Monumental
Cristovam, porém, viria a ficar sensibilizado com o apelo da Arquidiocese de Brasília, que não gostou nada quando, em 1986, viu a estrutura dos camarotes começar a ser montada próxima à Catedral. O bispo foi queixar-se com o governador, que salomonicamente sugeriu outro local para a folia: o Eixo Monumental, entre a Torre de TV e o Centro de Convenções.

Nessa área, igualmente nobre da cidade, a micarê chegou a reunir, numa das edições, 200 mil pessoas em quatro noites. Com a multidão veio, também, a violência, com muitos assaltos e roubos de abadás à base de agressão aos foliões. Gente que madrugava na fila nos locais onde eram vendidos o passaporte para os blocos. Na pipoca ficavam as pessoas que não tinham dinheiro para comprar os caros abadás e iam curtir a festa do lado de fora das cordas.

As divergências da organização da micareta com a PMDF, Detran e Administração de Brasília, eram principalmente em relação à cobrança da chamada taxa de segurança pública ; considerada insconstitucional pela OAB nacional, segundo Maione. A taxa, criada pelo então governador Joaquim Roriz, decretou o fim da festa nas ruas. Em busca de sobrevida, foi levada para espaços fechados como ao autódromo e arena montada ao lado do Estádio Pelezão. A opção, nada voluntária, não atendeu as expectativas nem dos foliões, nem da Monday Monday. Resultado:o público diminuiu.

;Perdidas a característica e essência da micareta, identificada como festa de rua, decidimos dar um fim ao evento e passamos a realizar a Brasília Indoor que, em julho último, com, Ivete Sangalo e o Asa de Águia fazendo shows em cima do trio elétrico, reuniu mais de 20 mil pessoas ao lado do Mané Garrincha;, comenta Maione. Herdeira da micarê, a Festa Trio chega à nona edição amanhã, a partir das 15h, no autódromo, tendo como atrações Cláudia Leitte, Jammil e Uma Noites, Araketu e Negra Cor.

Marcelo Piano, sócio de Sérgio Mayone na Monday Monday, acredita que a Micarecandanga foi uma escola, em termos de organização de eventos, para quem decidiu atuar na área da diversão e entretenimento. ;Os produtores que surgiram depois beberam na fonte da micarê que, durante vários anos, foi considerada uma das três melhores festas do gênero no Brasil;.

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