Diversão e Arte

Muito prazer - Tico Magalhães

José Carlos Vieira
postado em 18/10/2009 08:00

Ele é um cara tímido, voz compassada, segura, com um leve sotaque nordestino. Tico Magalhães é um dos responsáveis pelo grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro e pela criação do Mito do calango voador e as novas criaturas do cerrado. Premiado pelo Ministério da Cultura como representante legítimo da cultura tradicional brasiliense, o grupo acaba de produzir um CD com um novo ritmo para o universo brasileiro: o samba pisado. Em uma conversa informal, Tico conta um pouco dessa ;modernidade tradicional; que é a história da lenda do cerrado.

Brasília ganhou um ;brinquedo; em 2004, com a criação do grupo Seu Estrelo e o Fuá de Terreiro. Que brinquedo é esse?
A ideia desse brinquedo é criar uma tradição na cidade. Aqui já existem vários grupos, como Seu Teodoro, Chico Simões e seus bonecos; Você tem uma variedade de brincadeiras, mas faltava uma que fosse da cidade. A ideia era essa: criar um brinquedo com a cara da cidade.

Como surgiu o mito do calango voador? Ele é africano, nordestino ou do cerrado?
É do cerrado, mas com várias influências. Tem uma amarração de alguns mitos de fora, mas é daqui, da busca por elementos da cidade para a brincadeira. É um mito dividido em três partes, fala desde o surgimento do cerrado até a criação de Brasília.

Vocês o inventaram ou fizeram uma coleta, uma pesquisa?
Na verdade, foi uma amarração de coisas. Não fizemos uma grande pesquisa. Quando vim de Recife para cá, tinha alguns elementos aqui que me surpreenderam, que eram diferentes de lá. Recife é muito mar, aqui temos a cachoeira, o rio. E foi nessa junção que o mito foi criado, com um olhar daqui misturado com a mitologia indígena da região. Mas sempre buscando elementos da cidade.

O que diferencia vocês dos tradicionais brincantes?
Acho que o nosso tempo de existência. A diferença pode ser a dita modernidade que buscamos. Porém, toda a base da gente vem dos tradicionais brincantes. Os ensaios são abertos e isso permite que as pessoas cheguem, há uma interação. O nosso grupo é uma mistura social grande, temos desde funcionário público a pipoqueiro. Somos 20 pessoas, mas o grupo é completamente aberto. O bom disso é que temos uma boa aceitação, conseguimos transitar tranquilamente nos grupos tradicionais. Mais dentro deles do que nos ditos modernos.


No diálogo que fazem com várias tradições, principalmente a nordestina, vocês acham que nesses 5 anos já deu para criar algo próprio do Seu Estrelo? Fala-se do samba pisado, por exemplo;

Quem não conhece tanto as brincadeiras, geralmente liga a gente com outras expressões, como o cavalo-marinho, que uma delas. Mas para os mestres é diferente, eles veem uma diferença absurda na nossa brincadeira. Para os tradicionais, o que a gente faz é um gênero completamente distante. Nossa brincadeira tem uma característica singular, como os personagens, o próprio mito do calango voador e as novas criaturas do cerrado. Na última parte do mito, o calango narra a batalha da cidade contra a mata. O som também é bastante diferente. Nossas referências são outras, como o pessoal do Celeiro das Antas, do Zé Regino, dos bonecos de Chico Simões, dos palhaços; Tudo isso a gente traz para a brincadeira.

Essa mistura toda de ritmos, como maracatu rural, cavalo-marinho, baque solto, bate bem aos ouvidos das pessoas da cidade? Dá pra mexer com o imaginário desses urbanos?
O nosso termômetro é o Festival Brasileiro de Cultura Popular. Um festival que foi criado para o mito do calango voador. Mestres e grupos da região e de outras partes do país vêm à cidade para comemorar o aniversário do mito do calango. Em apenas quatro anos, o festival saiu de mil pessoas para 30 mil no em 2008. O mito já foi tema de vestibular, ganhou, há dois anos, um prêmio de cultura tradicional do Ministério da Cultura, porque eles nos identificaram como uma bricandeira de tradição original de Brasília. A recepção das pessoas é a melhor possível. Muitas vezes, ritmos tradicionais têm um impacto muito maior do que o dito pop. É até mais moderno.




Há críticas de pessoas que estão há mais tempo em Brasília, e que dizem estudar os movimentos culturais da cidade, sobre declarações de que vocês são o primeiro grupo genuinamente folclórico daqui. O que você acha disso?
É uma boa discussão, mas às vezes muito acadêmica. Acho que Brasília é uma cidade de experimentos, por ter sido pensada e sonhada antes de ser construída. É a cidade onde mora a invenção. Podemos apresentar para o Brasil, pela junção de culturas que aqui estão, muitas novidades, inovações culturais em várias áreas da cultura. Com 50 anos, acho que a cidade tem que mostrar e fazer suas futuras tradições. Um cara que estuda a cultura, acadêmico, que vem com um discurso travado, baseado em outros estados, tem que rever seus conceitos e se abrir mais para esta cidade. Mas nessa vida não terei uma resposta sobre o que é o Seu Estrelo. Estamos dando início a uma brincadeira que em cinco anos cresceu bastante.

A preocupação ecológica é evidente nas suas apresentações. Ainda há cerrado no cerrado?

Tomara que exista por mais algum tempo. Para quem vem de fora, o cerrado surpreende. Mas o lamentável é que ele está acabando de forma brutal. O mito do calango voador narra muito esse problema.

E essa capacidade que o grupo tem de organização, de criar projetos e cumpri-los num rápido espaço de tempo? Como funciona esse coletivo?
Tudo é bastante difícil, o festival Brasileiro de Cultura Popular é sempre uma raleira absurda. Lembro do mestre Salustiano. Quando a gente conversava, eu dizia que estava muito pesado e ele falava assim: ;Acredite em tudo como um grande investimento, não pense em gasto, pense que você está investindo;. Vendemos carro, fizemos de tudo para que o festival acontecesse. Hoje, a gente consegue ter uma organização mínima, comparado a alguns grupos tradicionais, mas em relação a outros produtores a coisa ainda é muito distante. Não podemos esquecer também da evolução da política cultural, principalmente a vinda do governo federal, que tem como protagonistas representantes da cultura popular.

Como foi seu encontro com o Zé do Pife, famoso instrumentista e responsável por preservar a cultura nordestina do pífaro?

Encontramos o seu Zé no projeto Caravana Seu Estrelo. É um projeto que começamos no ano passado visitando, todos os meses, mestres e grupos tradicionais do Distrito Federal e que vai até o ano que vem. Em abril, lançaremos um diário e faremos uma festa com esses visitantes. É muito importante o que seu Zé está fazendo, ainda mais com as Juvelinas.

Você se sente mais pernambucano ou mais brasiliense?
(Risos). Tem uma frase de Alceu Valença que diz assim: Pernambuco é a mãe da gente, e Brasília a nossa mulher. A gente traz muita brincadeira nordestina, mas hoje eu me sinto mais brasiliense. A ligação com Brasília é muito forte. Mesmo assim, acho que a brincadeira quebra um sentido e sentimento geográficos, pois consegue juntar lugares, trazer Pernambuco para Brasília e levar Brasília para lá. Assim como faz com o tempo, tudo vira uma coisa só, passado, presente e futuro. A tradição e o moderno.

O que significou colocar no ano passado um calango gigantesco na Esplanada dos Ministérios?

É uma maneira de apresentar o mito do calango ao brasiliense. Para o festival deste ano, a gente conseguiu produzir as três partes do mito e transformá-las em um livro de literatura de cordel, que será distribuído. Ao ver um calango na Esplanada, as pessoas vão se ligando ao mito, começam a entender mais.

Vocês estão com um CD pronto para ser lançado. Fale um pouco desse trabalho e do que espera dele.

Conseguimos com o apoio do FAC. Foi o primeiro edital voltado à cultura popular. Mas é muito pouco dinheiro para se produzir um CD. Mesmo assim, fizemos um registro: o surgimento de um samba novo, o samba pisado, que a gente batizou. A partir de agora, poderemos amadurecê-lo com mais elementos. Tivemos participações especiais do seu Zé do Pife, do percussionista Petit Mamady Keita (da África), do rabequeiro Dinda Salustiano, entre outros. É um samba novo de Brasília para o Brasil.

Já pensaram em misturar suas batidas com guitarras, como fez o pessoal da Nação Zumbi? Vocês admitem fusões?
Admitimos, mas não vamos fazer. O pessoal do grupo Pé do Cerrado está lançando um disco novo e parece que tem duas músicas em cima do ritmo do samba pisado, com mistura. Cada instrumento nosso tem um sentido na formação do samba. Mas quem quiser pegar e fundir com outros ritmos está liberado.

Como é a dificuldade de se conseguir dinheiro do Estado para financiar seus projetos? O FAC ajuda ou é burocracia demais?
O FAC corre o risco de se burocratizar demais. É um dos únicos espaço que o artista da cidade tem. Tomara que o governo e a Secretaria de Cultura se atentem a isso. E que também reconheçam os artistas locais.

(José Carlos) Meu filho de 12 anos, ao assistir Seu Estrelo e Fuá do Terreiro, comentou: ;Pai, parece o Cirque du Soleil!” As máscaras e a performance de vocês remetem de algumas forma também ao circo antigo francês, tão destacado na trupe canadense?
O que achamos interessante, trazemos para a brincadeira. Sou fã do Cirque du Soleil, algumas coisas foram influências dele. Tivemos uma ligação parecida com um palhaço argentino, o Valentin, que ficou com a gente durante um ano fazendo um personagem nosso. Muita gente que passa por Brasília, poloneses, uruguaios, chilenos, acaba ficando um pouco com o grupo, na nossa casinha, na 813 Sul, ao lado da Embaixada da China. Apareçam.

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