Diversão e Arte

Com o minimalista longa O homem mau dorme bem, diretor Geraldo Moraes desabafa: chega do cinemão comercial

postado em 21/11/2009 16:48

Mercado informal: o ator Bruno Torres interpreta Wesley, um vendedor de CDs piratas numa beira de estrada

O cineasta gaúcho-brasiliense Geraldo Moraes anda cansado do cinema. Mas não do cinema como arte ou como manifesto de uma experiência de vida. E sim do cinemão comercial, raso, barulhento que há tempos tem invadido o mercado, banalizando o ofício de nomes como Fellini, Ingmar Bergman e Glauber Rocha. Estudioso da área, foi buscar inspiração reflexiva nas palavras do diretor francês Robert Bresson, que defendia a construção de enredo minimalista, norteado pelo ;silêncio e o branco;. ;Estou cansado desses personagens que ficam se explicando;, confessa Moraes, que radicaliza seu protesto no filme O homem mau dorme bem, projeto ousado que se mostra hoje na tela do Cine Brasília, dentro da quarta noite da mostra competitiva do 42; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. ;Comparo a primeira exibição de um filme com o primeiro dia em que a gente deixa uma criança na escola. A partir dali, a gente passa a conhecer nosso filho pelo olhar das outras pessoas. Minha expectativa é saber de que maneira o meu vai se comunicar com as pessoas;, ri.

Enquadrado dentro da política de baixo orçamento, o filme, custeado em aproximadamente R$ 1,6 milhão, medita sobre a condição daqueles que vivem à margem da sociedade a partir da história de três obscuros personagens que se encontram, casualmente, num posto de gasolina de beira de estrada. ;Basicamente, a história é a reunião desses três personagens que se encontram por uma aparente coincidência e aos poucos vão se conhecendo;, comenta o diretor, que desenvolve o projeto há cinco anos. ;Optei por trabalhar essa relação com a quantidade mínima de diálogos. O filme se explica mais pelos olhares, pelo tempo do que realmente pela fala. A narrativa valoriza muito o espaço. O espaço do posto de gasolina, o espaço da estrada, de que está à margem;, destaca.

A base para o enredo que se esconde por trás de um título que remete à fábula, uma fábula permeada pelo gênero road movie, surgiu há cinco anos, durante uma oficina de roteiro. ;Era uma ideia que a princípio trabalharia com meus alunos, mas que acabei eu mesmo desenvolvendo. Escrevi o argumento numa madrugada;, detalha. ;Mas o núcleo da ideia mesmo surgiu bem antes, inconscientemente, nas minhas conversas sobre a economia informal, o alternativo, o independente, com o Bruno (Torres, filho do diretor), que é uma pessoa totalmente identificada com o projeto;, continua Moraes, que escalou o filho para um dos papéis. O desempenho de Bruno o deixou orgulhoso. ;Ele fez um trabalho maravilhoso para criar o personagem Wesley, um vendedor de CD;, conta. Os outros dois vértices do elenco são compostos pelos atores Luiz Carlos Vasconcelos (Abril despedaçado) e Simone Ilinescu, rosto bastante elogiado no teatro paulista.

Conhecido por dá vida à paisagem do Centro-Oeste no cinema brasileiro, Geraldo foi buscar locação para sua história em Mato Grosso, na estrada que leva à cidade de Poconé (MT). Ali, tendo como um posto de gasolina como cenário, ele construiu uma metáfora sobre o mercado informal. ;Tenho paixão por postos de gasolina, um lugar onde é a representação do país daqueles que ficam à margem e onde o progresso passa de caminhão e a concentração de renda de carrão;, compara.

42; FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO
Mostra competitiva 35mm, neste sábado, às 20h30 e às 23h30, no Cine Brasília. Exibição dos curtas-metragens Verdadeiro ou falso, de Jimi Figueiredo, e Recife frio, de Kléber Mendonça Filho e do longa O homem mau dorme bem, de Geraldo Moraes. Filmes não recomendados para menores de 16 anos. Ingressos: R$ 6 e R$ 3

"Estou cansado desses personagens que ficam se explicando"
Geraldo Moraes, cineasta

O número
R$ 1,6 milhão -
Custo do longa-metragem O homem mau dorme bem


Amor e cinismo

A noite do quarto dia do evento abre com a prata da casa Verdadeiro ou falso, de Jimi Figueiredo, que estreia na mostra competitiva do festival depois de participar quatro vezes da Mostra Brasília, realizada apenas com produções locais. ;Batalhei muito para chegar nesta mostra, nunca deixei de produzir, apesar de todas as dificuldades. A emoção é grande porque o filme será apresentado para sua cidade, para o seu público;, conta. Na trama, o diretor discute a explosiva relação entre amor, poesia e cinismo. ;Acho que estes sentimentos se acompanham, até por uma questão de sobrevivência;, observa.

Também figura habitué do Festival de Brasília, o pernambucano Kléber Mendonça Filho já exibiu seus filmes na mostra competitiva brasiliense três vezes. A última emocionou o público com a delicadeza lírica com que narrou a história de duas pessoas apaixonadas separadas pela distância no intimista Noite de sexta, manhã de sábado. Esse tom pessoal está novamente presente em Recife frio, obra que discute a relação do ser humano com as pulsações urbanísticas de uma cidade. ;Novamente, é um projeto bastante pessoal, um filme que retrata um estado de espírito de uma cidade presente, talvez, em outras cidades do Brasil e da América Latina;, explica Kléber, que materializa nas telas sua frustração por não ter cursado arquitetura. ;É um filme que tem muitas linhas e ângulos retos;, resume.

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