Diversão e Arte

Livros com temática gay ganham espaço no mercado editorial

postado em 12/05/2010 07:00

Um novo tipo de protagonista é construído na literatura brasileira contemporânea. Saem os mocinhos salvadores de donzelas e entra um outro tipo de personagem: os que sentem atração por pessoas do mesmo sexo. O mercado editorial brasileiro responde a uma mudança pautada numa reivindicação social e mercadológica e publica romances que exaltam o amor homossexual. Braço do Grupo Editorial Summus, a Edições GLS é responsável pelo lançamento do título mais vendido da América Latina dedicado ao gênero, O terceiro travesseiro, de Nelson Luiz de Carvalho ; 15 mil exemplares vendidos. ;Quando me perguntam se sou escritor respondo que não me sinto à vontade com esse rótulo. Eu trabalhava numa editora quando, durante um almoço de fim de ano, ouvi a história de um filho de um colaborador nosso;, relembra Carvalho, sobre a origem de seu best-seller. Laura Bacellar e Hannah Korich: gostinho de água com açúcar e um certo caráter folhetinesco nas publicaçõesReunindo relatos do rapaz identificado no livro como Marcus Dória, Nelson construiu um romance baseado em fatos reais, narrando a relação de dois adolescentes que se tornam amantes. Adaptada para o teatro por Estevam Lekist em 2005, a peça lotou sessões nas cidades de São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro. ;Foi o quarto espetáculo mais visto em São Paulo naquele ano. Muitos casais assistiam e depois levavam os avós. Com isso, foi um recorde de público da terceira idade. Um recorde também entre os nipônicos. Mas isso ninguém soube explicar;, comenta o autor. Carvalho faz uso de pincéis realistas. Sem pudor, descreve com riqueza de detalhes as inúmeras cenas de sexo protagonizadas pelos dois rapazes. ;Tive medo do erótico, sim. Passei os originais para duas pessoas examinarem, o Inácio Loyola Brandão e Pedro Paulo Sena Madureira. Os dois gostaram muito do livro. Em momento algum, acharam que estava pornográfico. A editora também não censurou; explica Carvalho. O sucesso de O terceiro travesseiro rendeu mais uma história verídica sobre homossexualidade. Um e-mail de um leitor foi o ponto de partida de Apartamento 41. Nele, Carvalho narra a história de um homem de 35 anos, casado com uma mulher, que escolhe viver sua homossexualidade livremente. Mas nem só de histórias de meninos se constrói o mercado editorial gay brasileiro. Criada há dois anos pelo casal Laura Bacellar e Hannah Korich, a Editora Malagueta já lançou cinco livros de escritoras lésbicas assumidas. Além deste predicado, a única regra imposta pelo casal Malagueta à suas autoras é que todos os finais dos livros sejam felizes. A imaginação do time de escritoras da editora paulistana passeia desde uma história de amor proibido entre uma cigana e uma gerente de marketing em Os caminhos de Lumia, de Lara Orlow, até o primeiro romance rural lésbico da literatura brasileira Shangrilá, de Marina Porteclis. Porém, é mesmo o romance com contornos policiais entre uma garota de programa e uma estudante de educação física de Aquele dia junto ao mar, escrito pela carioca Karina Dias, o campeão de vendas da editora especializada no amor entre mulheres. ;A nossa intenção é divulgar a cultura lésbica. As publicações são reflexo do que as meninas sentem necessidade, não temos o crivo de não publicar isso ou aquilo. Só não queremos publicar conteúdo preconceituoso. As mulheres têm necessidade de histórias de amor. É o que elas estão escrevendo;, explica Laura sobre o gostinho de água com açúcar e um certo caráter folhetinesco das publicações. Vem dela a garantia de não existir iniciativa igual em toda a América Latina. Laura ainda não entrega os números de desempenho de mercado da editora. ;Ainda está muito no começo. Não dá para dizer;, resume a editora. Trechos dos livros:

DESEJO (Trecho Shangrilá) "Januária era uma moça vistosa, de pele morena avermelhada, boca farta e cabelos tão escuros quanto lisos. A descendência indígena era patente, assim como a voluptuosidade que chegava a desconcertar;. Ao olhar Januária e vê-la retribuir o olhar com igual interesse e mais: com uma intensidade tão peculiar quanto aparente, ela desistira de enganar-se. Definitivamente estava fadada a apaixonar-se por suas iguais, as mulheres." CONSUMAÇÃO (Trecho Aquele dia junto ao mar) ; Por que pediu champanhe e morangos? Perguntei num impulso. ; Por quê? São tão saborosos quanto você. ; Como podia saber. Você nunca tinha provado ; suspirei. ; Como não? Sonhei com você todos os dias, desde o Reveillon ; olhou com aqueles olhos cor de mel marejados. Perdi o ar, o fio da meada, como dizem. Não sabia mais como agir com ela. Duda havia alcançado minhas defesas. ; Não vai tocar na bebida? Nos morangos? Gaguejei. ;Não. Seu corpo já me embriagou o suficiente, e morango já não é mais a minha fruta preferida;Não depois de provar você. CONFLITO (Trecho Aquele dia junto ao mar) "Era como um vício. O cheiro de sua pele estava impregnado no meu pensamento, o toque de suas mãos ainda ardiam em mim, provocando desejo. Precisava me desvencilhar daquelas lembranças, pensar em outras coisas, entreter-me com os movimentos da coreografia, mas estava sendo insuportável conviver com aquela angústia dentro de mim." CONCILIAÇÃO (Trecho O terceiro travesseiro) "Minhas últimas palavras foram acompanhadas de muitas lágrimas. É difícil conceber a ideia de me separar dos meus pais. Comecei a chorar. Levantei da mesa me desculpando e ao mesmo tempo chorando muito. Meu pai se levantou chorando muito e me puxou pelo braço e nós nos abraçamos. Minha mãe se juntou a nós. Nessa hora nos três chorávamos muito." PASSEATA A 1; Marcha Nacional contra a Homofobia organizada pela direção da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) será hoje, a partir das 9h, com concentração na Esplanada dos Ministérios. As reivindicações incluem decisões judiciais favoráveis sobre união estável entre casais homoafetivos. Leia a íntegra da reportagem na versão impressa do Correio

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