Diversão e Arte

Climério Ferreira: entre a poesia e a música

postado em 18/07/2010 04:33

Climério: Clodo, Clésio e Climério vieram do Piauí quando Brasília começava a andar com a próprias pernas. Nos anos 1970, formavam um dos principais grupos musicais da cidade. Suas parcerias com artistas famosos como Fagner, Ednardo e Dominguinhos orgulhavam a todos. Há poucos dias, os irmãos e a cidade perderam Clésio. ;Todas as músicas dos nosso discos que têm aquele ambiente piauiense vieram dele;, destaca Climério, durante uma conversa informal com o Correio. Entre letras de música e versos literários, Climério equilibra sua poesia. Finalizando seu próximo livro, o oitavo, que traz o sugestivo nome Poesia de quinta.com, ele também destaca o carinho que tem pelos músicos e poetas da cidade.

Há espaço em Brasília para a música autoral?
Começa a ter. Clodo fez uma tese sobre a música de Brasília e numa entrevista à Rádio Nacional ele cobrou um espaço mais democrático para os artistas locais nas rádios. Antigamente acontecia o seguinte: a música da cidade ficava presa a um horário específico, como ;músico de Brasília;, nós chamávamos isso de gueto. Por que não se toca a música de Brasília em toda a programação, dividindo espaço com as músicas brasileiras? Agora, a Rádio Nacional está fazendo isso. Outras rádios também.[SAIBAMAIS]

E nos palcos da cidade, há espaço?
O local basicamente são os bares. Antigamente, na década de 1970, por exemplo, tínhamos a Escola Parque, a Sala Funarte, o Galpão e o Galpãozinho. Hoje temos muito pouco. A Sala Cássia Eller, antiga Funarte, está tentando recuperar essa característica.

Qual era sua relação com a música quando ainda morava em Teresina?
É muito interessante, naqueles tempos nem tudo tocava no rádio também. Eu, para estranheza geral, tinha discos (compactos) de João Gilberto. Em Teresina descobri Levi Moura, o primeiro compositor que conheci ao vivo. No primeiro disco solo gravei uma música dele. Ele nunca tinha sido gravado antes, mas vivia compondo e mostrando suas músicas para a gente.

Ao chegar a Brasília, indo morar em Taguatinga, em meados da década de 1960, que tipo de música você ouvia?
Ouvia muita música, e variada, convivia com o pessoal do Departamento de Música da UnB. O maestro Emanuel de vez em quando levava instrumentistas para a gente ouvir e depois discutir política.

Naquela época você já fazia planos para dar os primeiros passos
artisticamente? Quando você decidiu ser artista?

Decidi quando comecei a ouvir Vinicius de Moraes. Tinha uma vontade doida de escrever versos, mas não me considero poeta. Pra mim, isso é uma coisa muito alta. Mas quando vi Vinicius, que é poeta, fazendo letras eu disse: ;Quero fazer letra de música também;. Aí veio (José Carlos) Capinam e toda uma geração que confirmou essa tendência. Eu sempre estava ligado nas letras, os meninos (Clésio e Clodo) tocavam instrumentos muito bem e tinha esse viés musical. Nunca gostei de fazer show, gosto de discos, de tocar na rádio; mas produção de um show é complicado. Sou igual ao Romário, que não gostava de treinar (risos). Pra mim, um show meu é uma coisa que você vai assistir e eu não sei nem o que vai dar, nada de ensaio, tudo no momento. Mas depois descobri que não há show assim, até as piadas são ensaiadas (risos).

Quais eram suas referências musicais quando compôs a primeira canção? Quando foi?
A primeira música que compus foi em parceria com Clésio, foi para um festival na UnB. A gente compôs um samba que brincava com o samba. A nossa ideia era não classificarmos, mas deu errado e fomos escolhidos (risos).

Fagner, Ednardo e outros grande nomes da música brasileira gravaram suas músicas. Por que vocês não partiram para percorrer o país? Ficar longe de centros como Rio e São Paulo prejudicou a carreira de vocês?
Ficar longe não. Na época eu defendia que, como a maioria dos artistas, não precisávamos morar no Rio ou em São Paulo para fazer sucesso. Nós nunca fizemos uma carreira artística nacional porque somos apenas compositores, mas como quase ninguém gravava nossas músicas, resolvemos, nós mesmos, produzi-las. Então começamos a fazer um disco coletivo para nós três. Uma reforma agrária musical, cada um pega as faixas e pronto. Nunca tivemos o interesse de sair de Brasília.

No seu entendimento, qual foi a contribuição de Clodo, Climério e Clésio para a música popular?
Acho que a gente trouxe uma espécie de sotaque, tanto musical quanto de armação das palavras, típico do Piauí. Fizemos parte da geração Epic (selo da gravadora CBS), que praticou o tropicalismo mesmo, ninguém se prendia a um gênero musical. Se você pega um disco de Geraldo Azevedo, de Raimundo Fagner, de Ednardo ou nosso mesmo, perceberá que eles não são do mesmo gênero, você encontra bolero, rock; tudo quanto é tipo de música ou tentativa musical, como pregava o tropicalismo.

Quantos discos vocês gravaram? Fale um pouco de cada um deles ou daqueles que você mais gostou;
Gravamos seis. Eu gosto de todos, mas o melhor foi São Piauí. Ele está fora de catálogo, porém continua recebendo elogios.

Dominguinhos é o seu parceiro mais frequente. Como a parceria funciona?
Não tem mistério, eu faço a letra e ele faz a música. Nossos contatos agora são por e-mail. Mas geralmente dou para ele um caderno com várias letras e ele usa ou não. É uma parceria que vem desde os anos 1970.

Qual o legado de Clésio como melodista?
Sem dúvida, é a música Revelação. Mas todas as músicas dos nosso discos que têm aquele ambiente piauiense vieram dele.

Muitos acham que a internet emburrece, não deixa ninguém pensar, é um mundo ;control c;, ;control v;. A vitória da tecnociência sobre o pensamento. Como você se insere nesse mundo digital?
Todos os meios de comunicação podem ser dominantes e dominados. Pra mim, a internet serve apenas para uso pessoal. Trabalho sempre com os amigos. A vantagem é essa: eu tenho parceiros e amigos no mundo todo. Mas eu não jogo informações na rede, trabalho pessoa a pessoa. Pego o e-mail da pessoa que me interessa e me comunico com ela. É quase um telefone escrito. Terminei um livro que se chama Poesia de quinta.com. Todas as quintas-feiras, durante todo o ano passado, fiquei enviando poemas para meus amigos, e ai de mim se não mandasse, a minha caixa de mensagem logo enchia com cobranças. E isso foi bom porque me obrigava a produzir.

Você publicou sete livros de poesia, o que é mais complicado, produzir (e vender) um disco ou um livro?
Depende da editora e da gravadora e do sistema de apoio. O livro, no meu caso, é sempre feito em pequenas tiragens. Até porque eu sei que poesia não vende. Todo mundo faz. As madames quando não têm o que fazer escrevem letras tipo Roberto Carlos e acham que isso é poesia. Por isso, às vezes a gente fica se questionando, será que minha poesia é assim também (risos). O problema das madames é que elas não se preocupam com a forma, a estrutura, colam frases que já existem. Eu tenho preocupação com a originalidade.

A letra e a poesia são distintas, como água e óleo?
Certa vez convidei o poeta e estudioso baiano-brasiliense Hermenegildo Bastos para uma oficina de texto com meus alunos para falar dessa diferença. De acordo com ele, a poesia é feita para fruição individual, já a letra de música busca o contrário, se comunicar com o maior número de pessoas possível.

;Há pássaros que cantam a manhã/ E há os que anunciam tragédias insondáveis/ Tudo depende do tom de quem ouve;;, nesse poema, ;O canto dos pássaros;, você resgata a saudade piauiense. Você ainda trás o olhar do Piauí nos versos ou a urbanidade já tomou conta de suas palavras?
Nunca tomará. Esse livro Memorial de mim (2007) é todo de poemas voltados para lembranças que tenho. Voltado à cidade de Angical, no Piauí, as pessoas liam o livro e não lembravam das histórias contidas no livro. É que eu inventei algumas coisas (risos). É uma memória inventada.

No livro Da poética candanga ; poesia sobre poesia, você escreveu 50 poemas sobre poetas de Brasília, justamente para o cinquentenário da cidade, como foi esse trabalho?
Comecei com um poema ; ou uma brincadeira ; chamado Eu quero ser Chico Alvim, porque acho que Chico é maravilhoso, faz a linha de que a poesia não tem essa importância toda que muita gente quer dar. Os poemas dele resumem muito o sentimento humano. Ele gosta de falar que meus poemas curtsos são uma mistura de haicai com quadra nordestina (risos).Certa vez alguém me perguntou: ;Por que você não faz coisa parecida com os poetas da cidade?; Resolvi então escrever sobre os escritores locais. Resolvi fazer um trabalho para mostrar ao leitor como é viva a poesia de nossa cidade. Fui pescando versos deles, ligados uns aos outros, e terminei fazendo a ;poesia sobre a poesia;.

Quais poetas você destacaria?
São tantos; é tão difícil. Chico Alvim é meu ídolo. Mas existem outros, como Anderson Braga Horta, Nicolas Behr, Cassiano Nunes ; musiquei dois poemas dele ;, são tantos;

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