Diversão e Arte

Os deuses e os mortos, de Ruy Guerra, é exibido no encerramento do festival

postado em 30/11/2010 07:23
Se a abertura do 43; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro exumou Lilian M.: relatório confidencial (1975), de Carlos Reichenbach, o encerramento traz de volta outro exemplar que merece devida atenção da geração cinéfila que acompanhou o despontar de novos realizadores nas projeções da última semana. Os deuses e os mortos (1970), do moçambicano radicado no Brasil Ruy Guerra, é um filme do Cinema Novo, movimento de Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Rogério Sganzerla e outros tantos. E de Ruy Guerra.

;Um filme esquecido, desaparecido há mais de 35 anos, não sei por quê. É da maior importância, que mostra a capacidade de poeta do Ruy Guerra, um belo diretor, uma fotografia extraordinária de Dib Lutfi;, lembra Othon Bastos, que embarcou como protagonista de um sujeito sem nome. Talvez por isso o The New York Times tenha classificado a película de Guerra como um ;faroeste tropical;, numa crítica de 1972, tecendo referência ao ;loiro;, personagem sem nome de Três homens em conflito (1966), de Sergio Leone. O longa será exibido hoje , em versão restaurada, às 20h30, na noite de premiação (aberta para convidados) no Cine Brasília, com anúncio dos vencedores e entrega de prêmios.

Ítala Nandi em Os deuses e os mortos, longa que ganhou sete prêmios na cidade e ficou No roteiro escrito por Guerra, Flávio Império e pelo ator Paulo José (também um dos produtores), Bastos vive um homem massacrado por mazelas sociais. Na Bahia dos anos 1930, dominada pelo cultivo de cacau e banana e pelas disputas dele originadas, o homem sem identidade, nome ou passado foi alvejado sete vezes. E, bruto como os seus pares, parte para a luta, metendo o bedelho na rivalidade entre duas facções coronelistas que se digladiam por mais um pedacinho de terra. O papel foi fundamental na carreira de Othon Bastos. ;É um quarteto: Deus o diabo na terra do sol (1964), Os deuses e os mortos (1970), São Bernardo (1972) e Sermões ; A história de Antônio Vieira (1989). São os grandes filmes que fiz. O Quarteto de Alexandria pra mim. Depois desse longa que será exibido no festival, só queriam que eu fizesse cangaceiro, assassino, bandido, bandoleiro;, comenta.

Impacto
Indicado ao Urso de Ouro em Berlim e premiado em sete categorias no Festival de Brasília, incluindo melhor filme, direção, ator (Bastos), atriz (Dina Sfat), cenografia (Marcos Weinstock), fotografia (Lufti) e trilha sonora (Milton Nascimento, também no elenco), o longa de Guerra provocou mal-estar quando projetado, há 40 anos. ;Causou certo impacto por causa da crueza. Tem uma cena em que muitas pessoas fechavam os olhos, eu com a navalha, o Nelson Xavier começa a escorregar e eu amparo com a navalha, cortando o corpo dele. Aquele ambiente, aquela sujeira da cidade. É muito épico, de grande força. Não sei como vai ser visto atualmente;, analisa.

Guerra, que dois anos depois encarnaria Don Pedro de Ursua em Aguirre, a cólera dos deuses, de Werner Herzog, foi um diretor inquieto. Deixou Moçambique e foi para Paris no começo dos anos 1950. Lá, estudou cinema e deu início a uma carreira que deixou exemplares importantes pelo caminho, como os radicais Os cafajestes (1962), Os fuzis (1964), e os menos engajados politicamente Ópera do malandro (1986), A bela Palomera (1988) e Kuarup (1989). ;Ele é um libelo tremendo. Na época, não houve protesto, nem vaia com o filme. Era revolucionário, mas de beleza extraodinária. Feito com amor, muita luta, numa época de resistência, do auge do cinema. Aí, ganhou tudo;, descreve o ator principal. Voltou para casa nos anos 1970, com o país livre do domínio português, e participou da criação do Instituto Nacional de Cinema Moçambicano. A criatividade extrapolou os sets de filmagem e foi emprestada também ao teatro, à música e ao ensino de cinema em universidades.

Na edição que vai ficar marcada pelas produções fantasiosas, contemplativas e experimentais de profissionais obcecados pela formalidade, clássicos nacionais reaparecem no primeiro e no último dia, como que ungindo presente e futuro.

43; FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO
Encerramento, hoje, às 20h30, no Cine Brasília (EQS 106/107; 3244-1660) com exibição do filme Os deuses e os mortos (1970), de Ruy Guerra, e entrega de prêmios e troféus. Não recomendado para menores de 16 anos. Somente para convidados.

PREMIAÇÕES (EM R$)

TROFÉU CANGANGO
Longa-metragem 35mm
Melhor filme ; 80 mil
Prêmio especial do júri ; 30 mil
Melhor direção ; 20 mil
Melhor ator ; 10 mil
Melhor atriz ; 10 mil
Melhor ator coadjuvante ; 5 mil
Melhor atriz coadjuvante ; 5 mil
Melhor roteiro ; 10 mil
Melhor fotografia ; 10 mil
Melhor direção de arte ; 10 mil
Melhor trilha sonora ; 10 mil
Melhor som ; 10 mil
Melhor montagem ; 10 mil

Curta-metragem 35mm
Melhor filme ; 20 mil
Melhor direção ; 10 mil
Melhor ator ; 5 mil
Melhor atriz ; 5 mil
Melhor roteiro ; 5 mil
Melhor fotografia ; 5 mil
Melhor direção de arte ; 5 mil
Melhor trilha sonora ; 5 mil
Melhor som ; 5 mil
Melhor montagem ; 5 mil

Curta-metragem digital
Melhor filme ; 15 mil
Melhor direção ; 10 mil
Melhor ator ; 5 mil
Melhor atriz ; 5 mil
Melhor roteiro ; 5 mil
Melhor fotografia ; 5 mil
Melhor direção de arte ; 5 mil
Melhor trilha sonora ; 5 mil
Melhor som ; 5 mil
Melhor montagem ; 5 mil

Troféu Câmara Legislativa
(exclusivo para produções do DF)


; Melhor longa-metragem
em 35mm ; 75 mil; 2; colocado ; 35 mil

; Melhor curta-metragem em 35mm ; 20 mil; 2; colocado ; 10 mil

; Melhor curta digital ; 10 mil

[FOTO2]Brasília inspira Saruê
O artista plástico Francisco Galeno foi buscar na Praça dos Três Poderes a referência para conceber a escultura destinada ao 15; Prêmio Saruê. Criado em 1996 pelo Correio Braziliense e destinado a premiar o melhor momento do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o Saruê é tradicionalmente concebido por Galeno a partir de uma inspiração brasiliense e, a cada ano, o troféu ganha uma forma diferente. ;O referencial é sempre Brasília;, avisa o artista.

Este ano Galeno se encantou com Os guerreiros, escultura concebida por Bruno Giorgi para a Praça dos Três Poderes. A peça simboliza os pioneiros que desembarcaram no Planalto Central para construir Brasília e faz Galeno lembrar a própria história. O pai do artista veio do Delta do Parnaíba na década de 1960 e chegou à cidade ainda em obras para trabalhar como carpinteiro. Mais tarde, trouxe a família.

Na pequena escultura moldada para servir de troféu estão também as formas que costumam povoar toda a obra do piauiense. Confeccionada com ajuda de carretéis, duas formas geométricas cruzadas por lanças lembram Os guerreiros em versão estilizada. ;Fiz uma coisa mais distante da figuração, mas sem fugir da minha linguagem visual;, garante o artista. ;Os guerreiros são chamados de dois candangos. Como este ano se comemora os 50 anos, procurei fazer algo que simbolizasse Brasília. Essa escultura é a primeira coisa que você vê na Praça dos Três Poderes, é uma imagem que me toca muito desde menino.;

Anualmente, a equipe de cultura do Correio escolhe o destaque do festival para entregar o prêmio. No ano passado, o troféu foi para o curta-metragem Recife frio, de Kléber Mendonça. Em 2008, pela primeira vez o Saruê ficou com um filme que não estava na mostra competitiva. Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte, foi o escolhido.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação