Diversão e Arte

Tino Freitas leva a arte como garantia de vida, em punhos pelo DF

José Carlos Vieira
postado em 19/12/2010 08:00
Desde 1999, o cearense Tino Freitas circula pelo DF com a arte em punhos. Primeiro, foi o violão a traçar uma Brasília lúdica nascida pelos seus olhos encantados. Depois, os livros infantis que contam histórias mágicas às crianças. Quem traz essa bagagem é o homem que põe fé na arte como garantia de vida. Cantando, contando histórias ou escrevendo livros, ele segue firme no propósito de caminhar de acordo com os seus princípios. A carreira de escritor infantil começa a engrenar depois que os três livros, Cadê o juízo do menino? Controle remoto e Brasília de A a Z chegaram ao mercado, com repercussão de público e crítica. ;Eu sempre fui assim, um menino sem parafuso;, conta Tino Freitas.

Qual foi a sua primeira impressão de Brasília?
Quando vim pela primeira vez a Brasília, tinha 14 anos. Foi horrível. Fiquei no apartamento de uma prima, de férias, trancado, enquanto as pessoas trabalhavam. Meu lazer era descer na 308 Norte e me entupir de revistas e escutar músicas. Tocava muito Soldados, da Legião Urbana. Então, as pessoas saíam para trabalhar às 10h e eu estava estranho, porque papai sempre trabalhava desde as 7h. Mas gostei da cidade, da amplidão. Aquilo me marcou.

Por que você decidiu vir para cá?
Quando tive a oportunidade de escolher um lugar para ir, decidi por Brasília porque aqui tinha onde ficar. Nessa época, tinha me formado em jornalismo e lançado o meu único disco. Achava que Fortaleza não cabia mais. Vim para Brasília e conheci essa cidade de ônibus. Vi o Sol nascer. Se você perguntar a essa galera quem viu o Sol nascer em Brasília mais de 10 vezes, pouca gente vai levantar o braço. Eu vim de uma cultura em Fortaleza de chegar em casa de manhã. Tocava na noite e saía para me divertir. Quando cheguei a Brasília, fiquei 23 dias sem trabalhar. Era complicado. Botava uma sacola nas costas e saía na noite brasiliense. Pedia uma canja e vendia discos. Vendi 2.000 discos. Foi o que me salvou.

Quando você começou a compor em Brasília, a cidade entrou em suas letras?
Sim. Tem a canção Cearense no cerrado, que fiz sentado no Brasília Shopping. Eram as minhas impressões primeiras e uma paixão louca pela cidade.

Quando você decidiu ser artista?
Antes de ser jornalista. O jornalismo foi só para ter diploma.

Quando o músico foi perdendo espaço para o escritor?
Aconteceu a partir de 2006 com o projeto Roedores de Livros. Antes, fui dando vazão à produção cultural e à assessoria de imprensa quando assumi o Calaf em 2004. Abandonei os barzinhos, sobretudo, os de Taguatinga, onde eu tocava muito na Praça do DI, com público que batia palmas espontaneamente e cantava comigo. Adoro essa interação. Quando eu fiz o projeto Roedores de Livros, com a minha mulher, a artista plástica e arte-educadora Ana Paula Bernardes, fiquei encantado porque eu sempre fui um grande leitor, mas não entendia a literatura infantil. Aquilo me trouxe para outro mundo. Sempre tive muita empatia com as crianças. Eu fiquei louco porque ao mesmo tempo que você vai à livraria e acha muita coisa ruim, há muita coisa boa. Descobri que adoro fazer mediação e contar a história lendo o livro. Não sou um contador teatral, aquele que sabe do movimento certo, mas pego um livro e a meninada fica louca. Às vezes, até crio em cima do livro. Hoje, faço a mediação com propriedade e as crianças me deram uma temperatura para fazer isso muito bem.

Cadê o juízo do menino? Foi o primeiro livro?
Sim. É de 2009. Agora, o livro entrou na lista da revista Crescer, que é um indicador de compras para os pais, e Controle remoto, o segundo, tem também uma pegada legal. Outro dia, uma professora chorou uns três minutos depois da leitura. Os adultos se emocionam.

Como você faz a pesquisa pedagógica?
Eu leio muito sobre o comportamento da criança. O livro tem uma importância social grande, sobretudo, até os 10 anos, pois trabalha a fantasia. Mas ainda não sei lidar com essas faixas etárias. Tem que estudar, ler psicologia, pesquisar, por exemplo, um papel bacana para a criança mexer com o livro e não rasgar. Uma fonte bacana, uma ilustração que acrescente à história.

Você também foi um menino sem parafuso?
Sempre. Fui e dei muito trabalho em casa. Tive pais que entendiam isso e de certa forma incentivaram, sem muita recriminação. Nunca levei uma surra, mas a cada sentada para conversar com meu pai era rum negócio, às vezes, era melhor levar uma surra (risos). Esse negócio de menino paradinho em casa é ruim. Antigamente, a educação era vertical. Pai e mãe em cima, professor no meio e a gente embaixo dizendo ;sim senhor;. Hoje, mudou, A educação é horizontal. Somos todos maluquinhos.

Você tem medo de quê?
Medo? Tenho medo não. Vivo perigosamente desde os 16 anos. A forma que eu escolhi para viver sem um salário, com minha carteira de trabalho sem nenhum carimbo, me soltou na vida para arriscar.

Tem acompanhado os novos talentos musicais do DF?
Sim. E a Ellen Oléria é o grande nome. Hoje, ela começa a sair de Brasília e a fazer shows, mas é a artista daqui. Ellen é pulsação, coração, bota a voz à frente. Ela dá de 10 a zero em Sandra de Sá quando começou a carreira. Hoje, temos uma grande artista em nível internacional. Ninguém, no momento, chega perto.

Brasília, que foi capital do rock, hoje é a capital de quê?
Do samba e do choro. A molecada que faz o rock nas garagens, estúdios e porões está sem o espaço para mostrar

Não será por que não tem nada a dizer?
Mas esse é o mal do Brasil, que não tem nada a dizer. O samba e o choro têm a ver mais com o virtuosismo.

Tem como salvar a Feira do Livro de Brasília?
Nós merecemos salvá-la. Só que existem outros interesses que têm a ver com essas emendas parlamentares, dinheiro público pra lá e pra cá. As pessoas perderam a capacidade de se organizar. A Feira de Porto Alegre ocorre todo ano e eles se organizam antecipadamente. Primeiro, é preciso ter coragem para assumir a Feira do Livro. Precisamos de uma pessoa honesta para emprestar o nome dela. A Feira do Livro me deve há dois anos. É uma vergonha não pagar tão pouco. Merecemos um feira à altura do nosso cenário. Saiu agora o Jabuti para vários brasilienses, há um celeiro forte. Mas estamos há três anos com a feira caindo. Neste ano, os jornais até anunciaram, mas a feira de fato não aconteceu, porque não tinha ninguém.

Qual a receita pra fazer um bom livro infantil
Soltar a tua criança que existe aí dentro.

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