Diversão e Arte

Em Ceilândia, evento reúne repentistas para celebrar tradições da viola

postado em 29/04/2011 09:16

;Aqui a gente continua a tradição da cantoria, como se fosse uma extensão de lá;, diz sem pestanejar Zé do Cerrado. O repentista e radialista de Piancó (PB) mora na capital do país desde 1998 e faz daqui um pedacinho da terra natal, com direito a sotaque afinado e prosa musicada. Com Messias de Oliveira, outro que escolheu o cerrado para viver, há 20 anos, vai comandar a segunda edição da Sexta do repente, novidade na agenda cultural de Ceilândia programada para ter mais oito edições até dezembro, sempre mensalmente, às sextas, às 20h, na Casa do Cantador. ;É uma extensão do projeto que a gente já tinha aqui, que é o Cantoria de pé de parede. Fazíamos às sextas e, na época, não trabalhávamos com dinheiro público. Agora, os cantadores estão sendo mais bem remunerados e não deixam uma casa desse tamanho ociosa. Ainda mais porque não estamos no nosso habitat natural, onde a cantoria é coisa rotineira, em festivais, congressos, clubes, residências, aniversários;, adianta. Do Nordeste, vêm os convidados Severino Feitosa, de Campina Grande (PB), e Sebastião da Silva, de Caicó (RN).

Zé do Cerrado:
Os versos espontâneos, aliados aos acordes da viola, exigem dom e técnica. ;E o amor pela coisa também;, completa Zé. Segundo ele, o manejo das palavras é para poucos, ;um troço difícil;. ;Hoje o repentista é um jornalista muito bem atualizado. Estamos numa cantoria dessa, aí chega um cidadão que gosta do saudosismo: ;Cantem um pouquinho da minha região, do tempo que eu era vaqueiro, que tangia gado;. Aí é fácil, porque a gente viveu isso. Agora, de repente chega um cara e diz assim: ;Queria que vocês falassem do casamento do príncipe William com a Kate;. Não basta só contar a história, tem que botar um temperinho, uma metáfora, uma filosofia;, explica o músico.

Tradição
O que começa como uma poesia aparentemente solitária logo se transforma num debate, numa troca constante de ideias. Apesar de a voz ser comandada por frases imprevisíveis, existem regras muito bem definidas. O bom repentista precisa seguir à risca os preceitos de rima, métrica e oração. Zé dá um exemplo: ;Não rimamos mulher com fé. Mas com Ester, e café com fé, pé. E tem o poeta cordelista. Muita gente mistura as duas coisas. Ele pega determinado tema, todos os detalhes e transforma isso tudo em versos premeditados, em livrinhos. Nós somos poetas da hora;, define.

O parceiro da cantoria de hoje, Messias de Oliveira, ar de sábio, é mais quieto que o paraibano. Cearense de Nova Russas, ele diz que tem o dom desde adolescente, mas que começou a cantar já adulto, depois dos 20 anos. Conhece Brasília desde 1975 e sempre sentiu que a cidade tem uma vocação para acolher a cultura nordestina. ;A recepção aqui é muito boa, principalmente em Ceilândia;, conta. Orgulha-se de sempre ter vivido exclusivamente da viola e é dono de um otimismo invejável.

;Eventos como esse ajudam a expandir uma das manifestações mais autênticas, bonitas e criativas do nosso país. Tenho até medo de que a cantoria de viola tome conta do mundo nesse terceiro milênio. Porque o cantador canta tudo;, afirma com um sorriso.

Isto é, tema é o que não falta: a natureza, as agruras e alegrias da vida, o amor, a política, a memória. ;É o porta-voz do povo;, anuncia Messias. ;Na poesia, quanto mais você busca, mais você acha. A gente deve zelar por isso e não deixar a nossa cultura morrer. Tem jovem por aí que está gostando porque passou a conhecer melhor, descobriu que não é cantar uma coisa só. O repentista é muito criativo, tem sempre uma novidade, nunca é repetitivo. E não precisa cantar o produto enlatado do estrangeiro. Nosso país dá tudo;, não duvida o trovador.

Agenda lotada

Diretor da Casa do Cantador, Francisco de Assis também é repentista desde a juventude e reside em Brasília há 17 anos. À frente da instituição, planeja vários eventos para 2011 e pensa em projetos envolvendo outras frentes culturais. ;Não tem como trabalhar só a cantoria, porque você não vai ter tempo para fazer isso direto, nem artista. E trazer os de fora custa caro. Ceilândia é uma cidade grande, mas não tem cinema e o único teatro é o do Sesi, que, para muitas pessoas, é coisa de rico, para uso do pessoal da indústria e do comércio: em parte timidez, em parte falta de divulgação. O único espaço aberto é a Casa. E por que não abri-lo para a comunidade, para todos os segmentos culturais, todas as modalidades e expressões da cultura nacional?;, afirma.

Em 13 e 14 de maio, a instituição recebe o segundo Festival Regional de Repentistas. Seis duplas já foram selecionadas para participar, com mais duas de outros estados. Os dois primeiros colocados garantem vaga na competição nacional, em setembro. Para agosto, Assis pleiteia montar a Semana de Cultura Nordestina, que vai abraçar produtos e atividades dos nove estados da região.

Em outubro, durante quatro dias e com a presença de vários artistas, a casa poderá sediar O Piauí é aqui, iniciativa coordenada pela Associação de Piauienses. A revitalização também integra o calendário. ;Ainda não tem nada, mas a manutenção vai ser feita;, confirma.

SEXTA DO REPENTE
Hoje, às 20h, na Casa do Cantador (Ceilândia, QNN 32, área especial G, Av. Fundação Bradesco), apresentações dos repentistas Zé do Cerrado e Messias de Oliveira e dos convidados Severino Feitosa (Campina Grande, Paraíba) e Sebastião da Silva (Caicó, Rio Grande do Norte). Entrada gratuita. Classificação indicativa livre. Informações: 3378-5067 e 3378-4891.

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