Diversão e Arte

Associação musical em Brasília fecha sem pagar funcionários e artistas

postado em 09/05/2011 08:00

Descoberta no fim de abril, a fraude do compositor ;fantasma; Milton Coitinho dos Santos, que se dizia autor de trilhas sonoras de 24 filmes nacionais, expôs apenas um fiapo da malha desgastada e de costuras frágeis do sistema brasileiro de arrecadação e distribuição de direitos autorais. Coitinho recebeu, durante dois anos, R$ 127,8 mil da União Brasileira dos Compositores (UBC), da qual era associado, em Minas Gerais, uma das nove instituições ligadas ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), órgão que monopoliza os créditos destinados a compositores, músicos, intérpretes e produtores musicais.

Em Brasília, onde era sediada a extinta Associação Nacional de Autores, Compositores, Intérpretes e Músicos (Anacim), as irregularidades teriam sido cometidas pela própria administração da instituição, que não fazia o repasse de quantias arrecadadas pelo Ecad como deveria: em vez de transferir os créditos para os autores, retinha parte do dinheiro em seus cofres particulares e adulterava recibos, segundo contam ex-funcionários da associação. Na tentativa de se livrar do problema, o Ecad resolveu desfiliar a associação. Mas é de se estranhar que não tenha movido nenhum processo criminal contra a Anacim.

B., que não quis se identificar, foi membro da associação durante a gestão da então presidente Suely Peres de Sousa. Ele era responsável por receber as listagens do Ecad, com os nomes de obras e seus autores, e lançar as ordens de pagamento para os compositores. ;E aí que entra o ;x; do negócio. Quando chegava o dia do pagamento, para alguns dos caras, a gente agia assim. Por exemplo: depositávamos R$ 11 mil de R$ 49 mil. E para onde ia o resto? A gente era obrigado a falar que só tinha aquele dinheiro. E ela (Suely) não atendia os artistas. Não atendia telefone de ninguém;, afirma. Também compositor e músico, B. conta que a associação lhe deve créditos de execução de obras suas e reclama o não pagamento de cinco meses de salário (quantia aproximada de R$ 2,5 mil).

Segundo conta I., que conheceu gestões anteriores à de Suely, e também não quis ter o seu nome divulgado temendo retaliação, a antiga presidente não tinha nenhuma relação com a música, o que, para ele, não a qualificava para dirigir a associação. ;Outros roubaram, mas eram gatunos, profissionais, sem deixar furos. Ela era semianalfabeta, uma servente da Anacim. Quando chegou a vez dela, enfiou os pés pelas mãos. Começou a simplesmente se apropriar do dinheiro. Ela se defende dizendo que ficou com dívidas de administrações antigas, até de Imposto de Renda;, descreve. A equipe de reportagem tentou contato com Suely de Sousa por meio de seu telefone celular (deixou mensagens na caixa postal), mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. I. diz que a Anacim, fundada no fim dos anos 1970, sempre teve histórico de graves problemas de distribuição. E o pior: sem qualquer fiscalização do Ecad, o que provocou uma onda de desfalques.

Na metade dos anos 1990, a Anacim esteve sob investigação por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Ecad, que identificou retenção de direitos autorais. Lacyr Vianna, então presidente da associação, se dizia compositor de várias canções e recebia mais créditos do que artistas conhecidos nacionalmente. Reportagens da época revelaram recibos com os nomes de Neuza Ferreira Vianna e Sérgio Ferreira Vianna, mulher e filho de Lacyr. I. acompanhou o golpe todo de perto. ;O Lacyr não tinha repertório que justificasse o que estava ganhando da Anacim. A Anacim degringolou a partir desse momento;, confirma.

P., outro que não quis se identificar, diz ter sido uma espécie de ;faz tudo; na Anacim. ;Trabalhei fichado lá por quatro anos. Comecei lá limpando banheiro, passando pano. E fazia serviços externos. Nunca peguei nenhum centavo. Saía com R$ 50 mil às vezes, mas sempre depositei. Ela (Suely) realmente me prejudicou. Estão me devendo R$ 10 mil de salário;, reclama.

Extinção
Ano passado, as denúncias de associados ao Ecad, informando a ausência de repasse de crédito por parte da Anacim, resultaram na criação de uma comissão de sindicância, formada pela Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), pela Associação de Músicos Arranjadores e Regente (Amar) e pela UBC. Em nota oficial, assinada pela superintendente do Ecad, Gloria Braga, a assembleia geral do escritório, composta pelas associações musicais, ;decidiu em 9 de dezembro de 2010 que a associação em questão, a partir daquela data, não faria mais parte do sistema de gestão coletiva;.

Os autores filiados à Anacim tiveram até 28 de fevereiro de 2011 para se ligarem a outro órgão e serem contemplados pela distribuição de direitos. ;Com o intuito de preservar os direitos dos titulares;, continua a nota, ;os valores distribuídos mensalmente aos associados da Anacim passaram a ser depositados na Caixa Econômica Federal (de maio de 2010 a fevereiro de 2011) em nome dos titulares, que foram devidamente comunicados.;


Como encontrar os créditos
; O Ecad informa que ex-sócios da Anacim precisam se filiar a outra associação e solicitar histórico de rendimentos. Mas o escritório só divulga créditos do período de maio de 2010 a fevereiro de 2011.

; Os valores foram depositados na Caixa, de acordo com o cadastro feito pela Anacim no banco de dados do Ecad. O associado deve se dirigir à agência bancária registrada no cadastro.

; A filiação a uma nova associação garante o acesso do associado às planilhas dos créditos repassados pelo Ecad às instituições.

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