Diversão e Arte

Mostra no CCBB apresenta 16 filmes com a participação da atriz Odete Lara

Ricardo Daehn
postado em 17/05/2011 11:56

De um lado, uma sossegada senhora, aos 82 anos, moradora do Flamengo (Rio de Janeiro), liga a televisão ; em vez de ir ao cinema, um dos programas que mais a entusiasmam. Do outro lado, irradia do televisor a figura mística de uma loura lasciva, dotada do diferencial da placidez. ;Sim. Às vezes, sou surpreendida: ligo lá a tevê, e estou na tela. Digo, ;meu Deus do céu, o que é isso?;;, conta, às risadas, Odete Lara, eternizada como a ;musa maior do Cinema Novo;. Lisonjeada e agradecida são as palavras imediatas dela, diante da iniciativa de exibição gratuita de 16 filmes dos quais tomou parte, numa seleção sob a curadoria de João Juarez.
Odete Lara em Copacabana me engana: uma das interpretações marcantes de sua carreira

;Acho estranho que, depois de tanto tempo de eu ter deixado a carreira, façam um negócio desses comigo;, comenta em torno da mostra Odete Lara ; Atriz de cinema, que, em exibição no Rio, chega a Brasília e ainda irá para São Paulo, sempre nos centros culturais do Banco do Brasil. Há 33 anos a paulistana deixou a cena, depois atuar por duas décadas nos sets de filmagem. ;Saí num tempo em que o cinema estava acabando: começaram a fazer filmes apelando demais para o sexo;, relembra. No começo dos anos 1980, já adepta do budismo ; vale lembrar que ela escreveu os livros Eu, nua; Minha jornada interior e Meus passos em busca de paz ;, Odete passou a melhor das épocas, incógnita, em São Francisco (Estados Unidos). ;Era uma ilustre desconhecida, e eu adorei. Fiquei num templo zen, mas aí saiu uma foto no jornal, por causa de um festival de cinema, e foi o que bastou para mudarem o comportamento comigo, me chamando de ;the actress;;, conta.

Reservada, Odete Lara aponta as entrevistas como uma das causas de ter deixado a carreira. ;Eu gostava do trabalho em si, mas a parte de divulgar me enjoava;, confessa. Reações adversas também emanavam do teatro. ;Tinha pavor de palco, e sofria. Eu dizia: ;tenho que parar com isso;. Ficava nervosa todas as noites;, diz. Diante de tanta resistência, então, pra que se entregar às artes? ;Gostava muito de fazer cinema, porque se formava uma pequena família, e dependia de todos para o filme sair. Durava uns três meses, e saía dessa família para chegar à outra. Gostava era disso;, explica a atriz, que não teve filhos e cujos pais cometeram suicídio. A tevê, que teve as últimas aparições dela nos anos 1990 (com O dono do mundo e Pátria minha), ao contrário, não despertou boas lembranças. ;É muito bom, mas para quem vê. É um trabalho muito penoso e se tem que estar lá, à disposição;, sintetiza.

Os filmes seguem encantando Odete Lara, mas como espectadora. ;É das únicas coisas que ainda gosto de fazer. Adoro cinema, aquele bonito, romântico. Não vejo filme de violência;, ressalva. Com mais de 30 filmes no currículo, a atriz diverte-se ao rever a carreira com fitas que nem se lembra de ter feito, como As sete faces de um cafajeste e Um filme 100% brasileiro. Num retrospecto, os trabalhos mais memoráveis formam invejável lista: O dragão da maldade contra o santo guerreiro, Copacabana me engana, A rainha diaba e A estrela sobe. Mas a relação de longas é abruptamente interrompida pela apurada autocrítica da atriz: ;Isso quem tem que falar (da qualidade dos filmes) é o público, não sou eu. Eu vou me elogiar, por acaso?;.

Reencontro

Quanto ao hábito de assistir ao Canal Brasil, Odete Lara não faz segredo do caráter nostálgico: ;Vejo obras de colegas meus que nem mais existem;. O leque de antigos companheiros é formado por um elenco de grandes personagens: de Glauber Rocha a Vinicius de Moraes, passando por Mazzaropi e Walter Hugo Khouri e desembocando em Dercy Gonçalves e Nelson Rodrigues. Num enredo desse último, por sinal, residiu momento especial, com a adaptação de Bonitinha mas ordinária. ;Não era admiradora daquele universo do Nelson Rodrigues, e via que não me assentava bem nas histórias dele. Como não sei trabalhar sem sentir, me surpreendi pelo risco de uma cena feita tecnicamente: foi até aplaudida, quando vimos no copião;, conta, ao reforçar outro êxito rodrigueano, Boca de Ouro, em que fez a sedutora Guigui, sob a direção de Nelson Pereira dos Santos.

;Me dei bem com todos os diretores que trabalhei. Sempre fui cooperativa;, observa a atriz de cineastas ilustres, como Bruno Barreto, Antônio Carlos da Fontoura e Anselmo Duarte. Da participação no 1; Desfile de Moda Brasileira (Masp) até a entrada para a TV Tupi, e do plano cômico (O gato de madame) até os elogiados registros dramáticos (O princípio do prazer e Câncer), o segredo das interpretações residiu numa regra: ;sempre representei dando-me, inteiramente, emocionalmente;.

Sem aval médico para viajar, a atriz conta que não virá à capital, para a homenagem com a mostra. Odete Lara diz ainda que vive momento ;difícil; com a venda do sítio de Nova Friburgo, um refúgio constante, desde 1976. ;Sempre fui muito apegada, mas tive que me desligar, porque o caseiro, que é a alma daquilo tudo ; uma pessoa admirável, gente nobre e da terra ;, ficou viúvo;, lamenta. Com a base do sistema de vida modificada pelo budismo, aceitar mudanças, porém, não parece grande empecilho. ;Li muito para conhecer novos setores, ter novas ideias. Você é um ser que depende de tudo. Você não é só você. Cada átomo da gente interfere em tudo. Hoje em dia, pra mim, tudo é bonito e valioso;, conclui.

ODETE LARA ; ATRIZ DE CINEMA
Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Tr. 02, lote 22, 3310-7087).
De 17 a 29 de maio. Sessões, de terça a domingo, às 17h, às 19h e às 21h. Entrada franca.

CONFIRA A PROGRAMAÇÃO


17 de maio, terça-feira

17h00: Absolutamente Certo (95;)

19h00: Moral em Concordata (95;)

21h00: Bonitinha, mas Ordinária (101;)

18 de maio, quarta-feira

17h00: Sábado a Noite, Cinema (103;)

19h00: O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (95;)

21h00: Câncer (86;)

19 de maio, quinta-feira

17h00: Um Filme 100% Brazileiro (83;)

19h00: Em Família (100;)

21h00: A Estrela Sobe (105;)

20 de maio, sexta-feira

17h00: O Gato de Madame (90;)

19h00: Boca de Ouro (103;)

21h00: Copacabana me Engana (93;)

21 de maio, sábado

17h00: Bonitinha, mas Ordinária (101;)

19h00: O Princípio do Prazer (90;)

21h00: A Rainha Diaba (100;)

22 de maio, domingo

17h00: Copacabana me Engana (93;)

19h00: Noite Vazia (93;)

21h00: Moral em Concordata (95;)

24 de maio, terça-feira

17h00: Sábado a Noite, Cinema (103;)

19h00: A Estrela Sobe (105;)

21h00: Um Filme 100% Brazileiro (83)

25 de maio, quarta-feira

17h00: O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (95;)

19h00: O Gato de Madame (90;)

21h00: Noite Vazia (93;)

26 de maio, quinta-feira

17h00: A Rainha Diaba (100;)

19h00: Copacabana me Engana (93;)

21h00: Bate-papo com convidados

27 de maio, sexta-feira

17h00: Moral em Concordata (87;)

19h00: Absolutamente Certo (95;)

21h00: O Princípio do Prazer (90;)

28 de maio, sábado

17h00: Em Família (100;)

19h00: Um Filme 100% Brazileiro (83;)

21h00: Câncer (86;)

29 de maio, domingo

17h00: Boca de Ouro (103;)

19h00: A Estrela Sobe (105;)

21h00: O Gato de Madame (90;)

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