Diversão e Arte

Documentário registra o carisma magnético do músico Lula Côrtes

postado em 26/05/2011 09:09

Zé Ramalho se apresenta hoje em Brasília, no Açougue Cultural T-Bone. No repertório, músicas como Avohai, Frevo mulher, Admirável gado novo e Chão de giz, que ajudaram a fazer o nome do cantor paraibano a partir do final dos anos 1970. O que muitos de seus fãs não sabem é que, anos antes, Zé já estava na ativa e tinha até gravado disco, o mítico Paêbirú, parceria com Lula Cortês.

O álbum virou tema de documentário. Zé não quis participar (Paêbirú é um assunto que ele evita), mas aprovou sua produção. Lula Côrtes morreu sem assistir Nas paredes da pedra encantada, longa-metragem que investiga esse que é um dos mais raros discos brasileiros. O LP duplo Paêbirú ; Caminho da montanha do sol (1975) é o primeiro disco a levar na capa o nome do compositor de Avohai. Músico, poeta e artista plástico pernambucano, Luiz Augusto Martins Côrtes morreu em 26 de março, aos 61 anos, em decorrência de um câncer na garganta. O filme ganhou sua primeira exibição pública em 30 de abril, em São Paulo, dentro da programação do In-Edit Brasil ; 3; festival internacional do documentário musical.

Lula morreu em 26 de março, pouco mais de um mês antes da primeira exibição do documentário.O Correio teve acesso ao filme (em uma versão ainda não definitiva, sujeita a ajustes), dirigido por Cristiano Bastos e Leonardo Bomfim. O documentário, além de abordar a feitura do disco ; conversando com vários dos envolvidos, como o cantor Alceu Valença, o cartunista Lailson de Holanda, o artista plástico Raul Córdula e a cineasta Katia Mesel ; tem na figura de Lula seu fio condutor. E não teria como ser diferente. Com um carisma magnético, ele rouba a cena.

Rodado nas cidades pernambucanas de Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Recife, e nas paraibanas João Pessoa e Ingá do Bacamarte, Nas paredes da pedra encantada é um road movie que captura muito do espirito da época em que o disco foi feito, em plena efervescência do udigrudi pernambucano. Produzido com dinheiro do próprio bolso dos diretores (orçado em aproximados R$ 30 mil), o filme acompanha Lula de volta até a Pedra do Ingá, sítio arqueológico onde se encontram as misteriosas inscrições rupestres que inspiraram as letras do álbum ; que apresenta em suas músicas uma rica combinação de ritmos nordestinos e rock psicodélico.

As premissas dos diretores resultaram em vários planos sequência, longos e detalhados depoimentos, que passeiam por temas como ecologia, arqueologia, contracultura, música e lisergia, permitindo ao espectador entrar na história sem pressa. ;Queríamos que o filme respirasse, fugisse de edições frenéticas, de ritmo videoclíptico. E que tudo nele fosse novo, sem imagens de arquivo ; até porque elas não existem ;, mostrando o que a gente viu;, conta o jornalista gaúcho radicado em Brasília Cristiano Bastos. ;A ideia não era apenas entrevistar, mas olhar as pessoas. Como o Pennebaker em Don;t look back, filmando detalhes dos personagens, um filme observador;, emenda o carioca Leonardo Bomfim, mestrando em comunicação morando em Porto Alegre, em referência ao documentário do diretor americano que captura Bob Dylan em 1965.

Registro vívido
Em alguns momentos, a limitação financeira da produção surge na tela, mas isso não interfere em seu encanto justamente pela riqueza das imagens e das falas dos personagens. Há depoimentos divertidíssimos, como Lula contando como pediu Katia (sua mulher na época) em casamento ou o avistamento de elefantes em pleno sertão paraibano. Em Ingá do Bacamarte, onde se localiza a pedra, os moradores dão versões ingênuas e hilárias para a origem das inscrições. Além da natureza, a música exerce grande força no documentário. O próprio Paêbirú serve de trilhas sonora, mas foram feitas cenas musicais exclusivas. Em uma delas, Lula e seu tricórdio (espécie de cítara popular marroquina, instrumento que ele dominava e está por todos os quatro lados do LP) acompanham, em espontânea sintonia, Alceu Valença em uma música inédita do compositor de Tropicana e Coração bobo.

Em um dos depoimentos, Lula fala sobre o futuro, a vontade de construir uma nova casa no terreno que ganhara de um amigo. O músico se foi, mas permaneceu seu legado. E com Nas paredes da pedra encantada, permanece também um registro vívido desse incrível personagem da música brasileira.


NOITE CULTURAL T-BONE
Hoje, às 19h, no Açougue Cultural T-Bone (312 Norte). Show com Zé Ramalho. Abertura: Carlos Pial. Acesso livre. Informações: 3274-1665.


Relicário do poeta

Depois de anos de procura, Williams de Almeida encontrou, em um sebo de Taguatinga, um exemplar do Paêbirú. Na época, começo dos anos 1990, ele pagou aproximadamente R$ 100 pela rara bolacha. O LP era o único que ele não tinha até então em sua coleção de discos do Zé Ramalho. ;Mas, por uma infelicidade, alguns anos depois, levaram o vinil. Hoje, tenho só a edição em CD, europeia;, conta o servidor público de 48 anos.

O disco, claro, era item importante no acervo de Williams. Afinal de contas, há 21 anos, ele é presidente do Oficial Zé Ramalho Fã-Clube. Em um quartinho em sua casa, em Ceilândia, ele guarda dezenas de pastas com recortes de revistas e jornais sobre o ídolo, pôsteres, camisetas, calendários, fotos, CDs, vinis, DVDs e vários outros objetos relacionados ao cantor paraibano. Alguns deles têm valor ; ao menos afetivo ; muito maior do que o LP furtado. ;Tenho duas jaquetas que foram dele, as que ele usa nas capas dos discos A terceira lâmina e Opus visionário;, conta Williams.

Ainda mais valioso do que qualquer peça de seu pequeno ;museu; é a amizade que ele mantém com Zé Ramalho. ;Ele tomou conhecimento do fã-clube pelo pessoal do fã-clube do Alceu Valença. Daí me escreveu uma carta, mandou telefones para mantermos contato. Depois passou a me enviar material de divulgação, fotos, etc. Mas foi uma longa caminhada. Hoje até xerox da certidão de nascimento dele eu tenho;, relembra o servidor público. Em 1993, o cantor visitou o fã-clube. O que ajudou a perpetuar a amizade entre os dois. Depois do show de hoje, Williams pretende entregar a ele os calendários 2011 com fotos do cantor que mandou fazer.

Hoje em dia, o Oficial Zé Ramalho Fã-Clube promove encontros periódicos. O último foi há dois meses. ;Ele aborda nas letras coisas místicas, proféticas, sobre a política, sobre o brasileiro comum que batalha pelas coisas. Eu tenho ele como uma pessoa comum, mas de grande criatividade;, comenta Williams, justificando a admiração por Zé Ramalho. Quem também for admirador do artista e quiser conhecer o fã-clube, pode entrar em contato pelos telefones 3371-6550 e 9328-9352.

Assista ao trailer de "Nas paredes da pedra encantada"

Confira vídeo-entrevista com Williams de Almeida, do fã-clube de Zé Ramalho

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