Diversão e Arte

Dossiê lança críticas sobre espetáculos de Nelson Rodrigues

postado em 06/06/2011 09:49
Paulo Francis estava lá, sentadinho na tumultuada temporada de O beijo no asfalto, no Teatro Ginástico, em 1961. O texto escrito por Nelson Rodrigues, sob encomenda para Fernanda Montenegro e o Teatro dos 7, irritava o público conservador por conta de um simples beijo entre homens. Tinha gente que interrompia a sessão aos gritos enquanto outros aplaudiam a ousadia do autor do festejado Vestido de noiva (1942). Em meio ao fuzuê, um elenco de arrancar suspiros. Com direção de Fernando Torres, estavam lá Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi, Sergio Britto, Oswaldo Loureiro, Zilka Salaberry, Thelma Reston e Mario Lago. Juntos, narravam como a imprensa sensacionalista tinha o dom de derrubar vidas inocentes ao chão.

ESPECIAL NELSON RODRIGUES FOLHETIM. Do Teatro do Pequeno Gesto. Editora Pão e Rosas. R$35. Aquisição pelo folhetim@pequenogesto.com.brO olho crítico de Paulo Francis, que tempos depois se transformaria em comentarista televisivo de voz cadenciada, entediou-se com o que viu. Classificou a montagem como um ;melodramazinho;. Insinuou que Nelson Rodrigues viu Chá e simpatia, encenada pela Companhia Sérgio Cardoso, tamanha semelhança com o tema tratado no palco. Dos atores, só salvou Oswaldo Loureiro e Suely Franco. Mesmo assim, sugeriu que a atriz, hoje uma das damas do teatro, procurasse uma escola.

; A impressão que tenho é que Nelson Rodrigues fez uma peça para agradar a gregos e troianos. Não me admira que a censura não tenha reagido contra o texto. O texto é um dos mais mansos do autor. O que ele tem a dizer sobre a imprensa e a polícia não ameaça nem de longe subverter a ordem. Dentro das bravatas obscenas, há um coração ansioso de aceitação e aplausos. E a julgar pelas noites de estreia, os aplausos não faltaram;, observa o crítico do extinto Diário Carioca.

As críticas de Paulo Francis sobre O beijo no asfalto ocupam seis páginas e meia do Especial Nelson Rodrigues ; Folhetim, publicação do Teatro do Pequeno Gesto, que completa 20 anos de atividade. Ao todo são 430, contendo resenhas, artigos feitos por especialistas, como Fernando Marques (dramaturgo e professor da UnB), e uma entrevista de Antunes Filho, diretor que tem mergulhado, sem folclore, na obra daquele que é considerado historicamente o maior dramaturgo brasileiro. Um dossiê precioso para quem deseja entender como Nelson Rodrigues foi absolvido pelo seu tempo a partir do ponto de vista da recepção. O livro será lançado no Anfiteatro 9 da UnB, em 7 de julho, uma quinta-feira, às 12h30.

; Esse dossiê foi elaborado como um quebra-cabeças montado com o que estava disponível nos arquivos, em bom estado de conservação para propiciar uma leitura fidedigna, e que nos parecia interessante para o estudo e recepção da obra de Nelson;, observa Fátima Saadi, tradutora e dramaturgista da Companhia Teatro do Pequeno Gesto.

Incontestável objeto de pesquisa, a edição especial da Folhetim traz, aos olhos do leitor, a angústia de se estar diante da obra de Nelson Rodrigues, sobretudo, nas críticas dos espetáculos que lançaram os textos dramáticos do autor. Tanto na forma, ali, muitas vezes, com a mão firme de Ziembinski, como no conteúdo, com temas ásperos à moral da época. Noves foras as resenhas de elogios rasgados, hoje sem valor histórico, os textos de estranhamento são os que apontam o rico contexto da época.

; O teatro de Nelson Rodrigues tem suscitado em nossos meios artísticos as mais desencontradas manifestações. Elogios amplos, totais, de uns. Combate, guerra feroz de outros. Dividem-se, assim, em duas correntes inteiramente opostas os julgadores da obra desse escritor patrício. Agora com sua volta ao cartaz, apresentado, terça-feira última, no Phoenix, Doroteia, farsa trágica, é de se esperar que as duas facções surjam nas colunas dos jornais. Virá com seus louvores, uma, com seus apupos, outra, na apreciação do espetáculo que está em cena no teatro da Av. Almirante Barroso. E o público, atônito, cotejando os ;prós; e os ;contras;, fará certamente como o incrédulo São Tomé, indo ver o que causa tanta divergências;, escreve magistralmente Jota Efegê no Jornal dos Sports, em 11 de março de 1950.

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