Diversão e Arte

Filósofo Adauto Neves fala sobre a preguiça no ciclo Mutações

Severino Francisco
postado em 09/09/2011 08:50

Adauto Novaes: O filósofo Karl Marx vaticinou que, com a era da automação, os homens se livrariam do trabalho pesado e poderiam se entregar livremente às delícias do ócio criativo. Mas tudo indica que quem acertou nos augúrios foi Nelson Rodrigues, o nosso profeta do óbvio, ao sentenciar que o desenvolvimento tecnológico humaniza as máquinas e maquiniza os humanos.

Nunca se trabalhou tanto, o labor saiu dos espaços convencionais e invadiu os restaurantes, os aviões, as filas de espera nos bancos, os feriados e os fins de semana, com todos empunhando, freneticamente, os seus celulares e lap-tops, ligados 24 horas no ar. Esse cenário provocou o filósofo Adauto Novaes a incluir o tema Elogio à Preguiça no ciclo Mutações, que começou, ontem, em Brasília, com palestra de Franklin Leopoldo da Silva, sobre o tema Rousseau e os Devaneios do Caminhante Solitário. No dia 20, Francisco Oliveira dará sequência ao ciclo, discorrendo sobre o mote Que Preguiça.

O próprio nome do ciclo já indica uma mudança na interpretação negativa das transformações provocadas pela tecnociência no sentido de abordá-las não na condição de ;crises; e sim na de mutações. Os sintomas deste tempo de mutações são visíveis: com o abandono das ideias do humanismo instaurou-se uma separação entre a técnica e o pensamento. O poeta Paul Valery qualificou esta de uma era de ;bárbarie dos fatos;.

Estamos vivendo em um mundo veloz, vertiginoso e cego. A tecnologia e a tecnociência estão interferindo na qualidade das coisas, comenta Adauto Novaes. Nós estamos vivendo sem as coisas vagas: as ideias, os valores, a reflexão e a arte. ;Por isso, de alguns anos para cá resolvi criar um núcleo de pensadores para refletir sobre estas transformações. Como diz o Robert Musil, não se pode pretender curar a decadência. Não sabemos se estas mudanças são para melhor ou para pior. O mundo está mudando vertiginosamente. Mas, só no século passado, morreram 191 milhões de pessoas em massacres ou tragédias.;

Pecado capital

Adauto considera importante pensar a preguiça, neste momento, por vários motivos. O primeiro é porque ela foi muito mal pensada e está estigmatizada, em razão da aliança do capital com a Igreja Católica. A preguiça era um pecado e o capital abominava a preguiça porque o trabalho é fonte do lucro. Os pensadores franceses estão avaliando que a preguiça é o tema mais subversivo da atualidade. ;Sem tempo livre, não existe pensamento e esse é o cerne do drama que estamos vivendo;, observa Adauto.

O filósfo Epicuro dizia que existem desejos sábios e necessários, desejos cegos e desejos que não são sábios, nem necessários:"Hoje, as pessoas trabalham em nome de desejos que não podem realizar", comenta Adauto. ;Não há mais tempo livre para nada, até as férias são organizadas para se ter uma agenda ocupada o tempo todo. Não há mais espaço para a aventura, a exploração e a decisão autônoma. O número de jovens que sofre de depressão no Brasil é assustador: 17 milhões. Eles perderam a ideia do prazer. Desde quando você tem prazer quando conhece 18 pessoas no facebook e não se liga em nenhuma? Não há tempo para viver, ninguém consegue realizar o desejo.;

Confira a programação completa do Elogia à preguiça, em Brasília:


Dia 20/9 - Que preguiça, por Francisco Oliveira
Dia 27/9 - Três ociosos: Sócrates, Montaigne e Machado, por José Raimundo Maia Neto

Dia 29/9 - Dizer sim ao ócio ou "Viva a preguiça", por Oswaldo Gioacoia Junior

Dia 4/10 - Ócio, labor e obra, por José Miguel Wisnik

Dia 5/10 - Experiência de improdutividade, por Guilherme Wisnik

Dia 19/10 - Poesia e preguiça, por Antonio Cicero

Dia 25/10 - O leitor preguiçoso, por Francisco Bosco

Dia 29/10 - O esgotamento da ética do trabalho, por Vladimir Safle

Local: Caixa Cultural

Horário das palestras: 19h30

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação