Diversão e Arte

Exposição no Espaço Ecco reproduz com fidelidade sons de cidade irlandesa

Os sons da cidade conta com quatro instalações que remetem à década de 1960 em Belfast, na Irlanda do Norte

Nahima Maciel
postado em 16/03/2013 06:00
Dearbhaile, uma das cinco habitantes de Belfast escolhidas para o projeto, grava sons nos arredores de um castelo
Os ruídos acumulados em uma memória sonora até podem ser evocados na lembrança, mas raramente ficam armazenados com a mesma precisão de uma paisagem ou de uma cena. Talvez por isso os cinco habitantes de Belfast (Irlanda do Norte) tenham ficado igualmente surpresos e encantados ao serem procurados por um grupo de artistas interessados em suas memórias sonoras. Professor da Queen;s University, em Belfast, o português Pedro Rebelo juntou seus alunos de doutorado para colher as memórias dos habitantes e organizá-las em um projeto poético sobre a relação entre as paisagens urbanas e seus contornos sonoros. Depois de entrevistas e muita pesquisa de campo, Matilde Meireles, Rui Chaves, Aonghus McEvoy e Rebelo criaram as quatro instalações de Os sons da cidade, em cartaz no Espaço Cultural Contemporâneo (Ecco).

Ao entrar no espaço, o público caminha por uma rampa da qual saem barulhos de passos e vozes. É como se deixasse para trás uma das imensas fábricas de uma centro industrial ao final do expediente. Belfast foi uma cidade tipicamente industrial até a década de 1960 e produzia, principalmente, navios. Os empregos nas fábricas garantiam a sobrevivência de boa parte da população local e as instalações características desse tipo de indústria marcavam a paisagem da cidade. Um conjunto de megafones pendurados no teto da exposição emite os diferentes sons de sirenes, todos semelhantes aos apitos das antigas fábricas.

Confira a entrevista com Pedro Rebelo

Os sons da cidade é uma exposição feita por artistas e não artistas, já que os participantes eram fundamentais para dar sentido às instalações. Como foi essa troca?

Trabalhamos com duas comunidades em Belfast e houve um processo de workshops, entrevistas e atividades ao longo de quatro meses que serviram, no fundo, para verificarmos temas que depois foram mostrados na exposição. A ideia aí era tentar identificar qual era a relação entre as pessoas que viveram a cidade e o som do ponto de vista da vida cotidiana, quer através de memórias sonoras ou do som relacionado com o espaço ou o lugar importante para o indivíduo ou a comunidade. Queríamos tentar perceber qual a experiência do dia a dia com o som. Os temas foram desenvolvidos no formato da exposição. São cinco instalações sonoras com um momento visual, seja em texto ou fotografia, que contextualiza o porquê daquele som e o que a pessoa está ouvindo.

Há também uma intenção de deslocamento na exposição?

Esta instalação foi feita para tentar explorar o processo do que é, para uma pessoa que não está habituada, ir a um lugar que é importante para ela, gravar os sons com microfones e depois ouvir as gravações. Tirar fotos como uma forma de memória é comum, mas a gravação sonora como lembrança, não. A ideia era tentar expor as pessoas ao que é o processo de gravação.

Por que cidade e o som?

A relação com a cidade é importante porque desde o início o projeto começou como uma experiência comunitária e só fazia sentido trabalhar essa componente de uma forma local. Tentamos evitar projetar uma noção de espaço genérica porque não se pode separar o som de um contexto visual, mas tentamos explorar a experiência de um indivíduo num espaço específico. O som serve como uma forma de explorar uma experiência. O som tem características muito interessantes de imaginar. Nós fechamos os olhos e podemos ver e imaginar, mas com o som é muito difícil fazer essa experiência de configurar o corpo no espaço. E Belfast é uma cidade complicada, como todo mundo sabe, mas está num ritmo de mudança muito grande e precisou se reinventar para outras áreas e outras atividades.

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