Diversão e Arte

Cia de teatro coloca quatro garotos no palco encenando conflitos de adultos

Matéria-prima, da Cia. espanhola La Tristura, está na programação do Cena Contemporânea

postado em 29/08/2013 06:54

Candela Recio (E), Gonzalo Herrero, Ginebra Ferreira e Siro Ouro. No palco, eles são adultosHá uma festa de casamento em Matéria-prima. Os noivos aparentam ter 9 anos. Os convidados também. Perturbador? E se forem crianças interpretando adultos? Diálogos e situações adultas. Assusta? O ousado artifício da companhia espanhola La Tristura tenta mostrar que somos corpos históricos e políticos desde o nascimento, dotados de significados múltiplos. A peça entra em cartaz amanhã e figura como a mais controversa obra desta edição do Cena Contemporânea.



[SAIBAMAIS]No palco, quatro atores nascidos após o ano 2000 interpretam jovens adultos. Os medos, as angústias, os questionamentos, inerentes àqueles que rondam os 30 anos. Um trabalho delicado. Em todos os aspectos.
;Em termos burocráticos e legais, foi muito difícil. Na época, eles tinham 9 anos (hoje estão com 12). Não foi nada fácil colocá-los no palco;, admite a atriz Violeta Gil, uma das quatro integrantes adultas do La Tristura responsáveis pelo intenso treinamento de interpretação das crianças. ;Lidar com as famílias foi outro desafio. Imagina: um estranho te bate à porta e pede para carregar seu filho mundo afora? Tinha tudo para dar errado. Mas deu certo;, completou.


Formação
Tudo em Matéria-prima correu às avessas. ;O processo de formação foi bem lento. Começamos com jogos, brincadeiras. Queríamos que eles se entendessem;, contou Celso Gimenez, ator (adulto) do grupo. ;Depois, começamos os trabalhos com os textos. Nossa maior preocupação era que eles compreendessem cada palavra que estavam dizendo;, argumentou.

Toda interpretação ficou a cargo das crianças. Somente elas tomam o palco. Coube ao elenco adulto treiná-las. A expressão cênica é delas. ;O resultado é um meio-termo. Não é nem eu, nem a Violeta. Mas um personagem que criamos a partir de nós duas;, explica a pequena Candela Recio, com desenvoltura de gente grande.

Formação

Tudo em Matéria-prima correu às avessas. ;O processo de formação foi bem lento. Começamos com jogos, brincadeiras. Queríamos que eles se entendessem;, contou Celso Gimenez, ator (adulto) do grupo. ;Depois, começamos os trabalhos com os textos. Nossa maior preocupação era que eles compreendessem cada palavra que estavam dizendo;, argumentou.

Toda interpretação ficou a cargo das crianças. Somente elas tomam o palco. Coube ao elenco adulto treiná-las. A expressão cênica é delas. ;O resultado é um meio-termo. Não é nem eu, nem a Violeta. Mas um personagem que criamos a partir de nós duas;, explica a pequena Candela Recio, com desenvoltura de gente grande.

Para a escolha dos atores mirins, a La Tristura visitou escolas, principalmente aquelas com o cuidado de manter uma programação teatral feita pelos alunos. ;Percebemos que seria muito difícil encontrar crianças com menos de 9 anos que tivessem o mínimo de maturidade para encarar essa empreitada. Com 13, 14, a inocência já está perdida. Seria uma outra peça. Assim, decidimos a idade com a qual gostaríamos de trabalhar;, esclareceu Celso.

Na peça, não há uma narrativa específica. Textos são declamados com uma sobriedade perturbadora. Conversas sérias. Conflitos e risos. Eles interagem, dialogam e se tocam como se fossem mais velhos. Bem mais velhos. Nas cadeiras, os espectadores experimentam a inquietude provocada por um nervoso inesperado. Talvez pela consciência plena de que são crianças que os provocam.

;A entrevista já acabou?;, interrompe Candela. Diante da resposta afirmativa, ela convoca os fiéis companheiros de cena. Correm para o lado de fora do Museu da República, onde o papo foi agendado. Logo estão com picolés e pipocas nas mãos e voltam a ser crianças. Pelo menos até a próxima apresentação.


>> entrevista Candela, Ginebra, Gonzalo e Siro

Vocês têm medo de estar, de alguma maneira, renunciando à infância?

Siro: Não perdemos nada. Não deixa de se ser uma forma de desfrutar da infância também.
Gonzalo: Não deixamos de fazer nada que outras crianças façam. Mas temos a chance de viajar, conhecer pessoas novas e, acima de tudo, atuar. Não me parece ruim (risos).
Candela: O teatro nos agrega mais do que nos tira.

A peça sofreu mudanças para vir ao Brasil?
Ginebra: Não. Teremos legendas para auxiliar o público. Estamos mais preocupados com a reação da plateia. Aquilo que funciona na Espanha, pode não dar certo por aqui. Ou pode causar uma compreensão diferente. Na Espanha, os espectadores são mais soltos e ficam mais à vontade. O que nos ajuda. Estivemos na Polônia, por exemplo, e o pessoal lá era bem sério. Espero que os brasileiros sejam mais parecidos com os espanhóis (risos).

Como é a relação entre vocês?
Gonzalo: Há algo de especial. Como; irmãos. Talvez mais que isso. Fazemos tudo juntos. Viajamos, atuamos, compartilhamos tudo. Se alguém tem uma opinião diferente, conversamos até que todos concordem. Quando penso nos meus melhores amigos, penso neste grupo (aponta para os demais).
Ginebra: Quando cheguei, fiquei com medo que pudéssemos não nos dar bem. Que não seríamos próximos. Tive medo, inclusive, de que a própria peça não funcionasse. Mas funcionou.

Vocês se consideram mais maduros que as demais crianças?
Todos: sim.
Candela: O teatro nos permitiu conviver com pessoas mais velhas, então, passamos a partilhar muito da opinião e dos assuntos deles. Falamos de certas coisas que talvez não seria possível com outras crianças de nossa idade.
Siro: Eu não diria mais maduros. Mas temos uma forma diferente de pensar.

E os pais de vocês, o que acham disso tudo?
Gonzalo: Foi meu pai que me levou no primeiro dia. Eu fui, praticamente, forçado (risos).
Siro: Praticamente?
Gonzalo: (risos). Está bom. Eu fui forçado. Era muito tímido. E meu pai achava que poderia me ajudar a me soltar mais. E ele tinha razão. Ajudou-me muito.
Ginebra: Meus pais ficam muito felizes por eu poder viajar e ter essa experiência. Claro, há uma preocupação com o colégio, com o número de faltas (risos), mas eles sempre me apoiam.

O que desejam ser quando crescerem?
Candela: Quero escrever um livro.
Ginebra: Eu sempre quis ser atriz. Gostava da ideia de ser famosa. Mas, agora que conheci de perto, já não tenho tanta certeza (risos). Talvez arquiteta! Alguma coisa que tenha relação com artes.
Gonzalo: Não faço ideia do futuro. Não sei o que vai acontecer.
Siro: Quero ficar aqui, na companhia. Por mim, não acabaria nunca. Ficaria com eles para sempre.

Trecho

Se você tem 9 anos na Europa
É provável que tenha filhos
Prometeram-lhe coisas que não
se poderão cumprir
E como foi prometido tudo
Você também prometeu
E agora você sabe que os que lhe prometeram coisas
Não poderão cumprir nunca
E você também não vai poder cumprir
Aquelas coisas com as quais se comprometeu
Eram coisas importantes
Coisas que iam mudar o mundo
E você não vai poder cumprir

"La Tristura concentrou o trabalho na investigação de novas linguagens cênicas, por meio da criação de mundos próprios e de um cuidado com a palavra. A companhia acabou se convertendo em um dos grupos de maior destaque da cena europeia;

Crítica do jornal espanhol El país

Programação de hoje do Cena Contemporânea

Murga Madre
de Fernando Toja (Uruguai). No Teatro da Caixa, às 20h30. Classificação indicativa: 12 anos
Murga Madre é o conceito do carnaval original uruguaio moldado para o teatro por dois murguistas inveterados, tornados atores pelas mãos do diretor Fernando Toja. Ao contrário do show carnavalesco uruguaio, a Murga, na obra teatral, não coloca uma multidão no palco, apenas dois atores.
Espetáculo em espanhol com legendas em português

O duelo da Mundana Companhia (SP).

No Espaço Cultural 508 Sul, às 19h. Classificação indicativa: 12 anos
Inspirada na novela do escritor e dramaturgo russo Anton Tchekhov, O Duelo aborda a desavença entre duas hombridades e duas ideologias em meio às supostas civilização e barbárie. A história, inquietante e surpreendente, acontece sob o calor quase alucinógeno do litoral do lendário Mar Negro. O duelo que se anuncia desde o título revela-se, no entanto, uma guerra vã. Camila Pitanga atua na peça e se arrisca também como produtora.

Tempo e espaço: Os solos da Marrabenta

de Panaibra Gabriel Canda (Moçambique). No CCBB ;Teatro I, às 21h. Classificação indicativa: 12 anos
A peça desconstrói representações culturais de um corpo ;puro; africano; em particular, o corpo de Moçambique. A performance explora a ideia do corpo africano hoje, acompanhada pelo guitarrista Jorge Domingos, que explora a marrabenta, uma forma musical nascida na década de 1950.

Música
Apresentações de Jaime Ernest Dias e Liliana Gayoso (DF), Dillo D;Araújo ; Jacaretaguá (DF) e DJ Oops (DF). Na Praça do Museu da República, a partir das 22h. Não recomendado para menores de 18 anos.

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