Diversão e Arte

Exposição conta a trajetória do principal jornal de resistência à ditadura

Na II Bienal do Livro e da Literatura, desenhos de "O Pasquim" abordam também a resistência à censura

postado em 12/04/2014 07:01


O ano de 1969 foi pesado para o Brasil, um dos períodos mais duros do regime militar, pós AI-5, e marcado pelos rastros de sequestros, desaparecimentos, exílios e torturas. Caetano Veloso e Gilberto Gil embarcaram para Londres com as cabeças raspadas pelos militares, Chico Buarque de Holanda foi para Roma e 99 deputados foram cassados. Mas da anarquia de uma esquerda festiva, mesmo que um pouco acuada, nasceu um tabloide que incomodou muita gente: O Pasquim. O semanário logo ganhou ares de contestação e de protesto, tudo por meio da ironia e da irreverência de mestres do traço e do texto.

[SAIBAMAIS]Além do humor, a composição das edições mantinha uma fórmula simples, com uma entrevista como destaque, bastante ilustração e textos curtos. Para costurar tudo isso, havia uma equipe implacável, composta por nomes como Tarso de Castro, Ivan Lessa, Jaguar, Ziraldo, Fausto Wolff, Claudius, Millôr Fernandes, Henfil, Luiz Carlos Maciel, Paulo Francis, Fortuna e, aos poucos, Caetano, Glauber Rocha e Vinicius de Moraes ; turma que formava o que era considerado o mundo pensante de Ipanema. Um pouco dessa história será contada na exposição O traço do Pasquim no combate à ditadura, durante a II Bienal Brasil do Livro e da Leitura.

Ricky Goodwin, curador da mostra e um dos integrantes da patota do subversivo jornal, conta que se trata de uma exposição de denúncia e de humor. ;Ver esta exposição dá uma tristeza de constatar os absurdos cometidos, mas também dá vontade de rir diante das piadas contra o regime. Tanto que a epígrafe da exposição é um desenho do Ziraldo com os dizeres: ;Só dói quando eu rio;. E o riso foi justamente uma das armas do Pasquim para combater nessa luta extremamente desigual contra as forças da opressão. Uma arma eficiente, pois as gargalhadas desmoralizam.;

Leia mais sobre histórias censuradas do Pasquim:

O riso do Pasquim se transformou em escudo diante dos abusos de um sistema autoritário e violento. "No início, o regime não entendeu muito bem qual era a daquele jornal. Descobrimos que muitos militares até gostavam do Pasquim, achavam graça de algumas de suas piadas. Quando perceberam que o jornal funcionava como um veículo poderoso para a insatisfação com a ditadura, era tarde. O Pasquim era um fenômeno de vendas, tinha o respaldo da imprensa internacional e de organizações como a Anistia Internacional", diz Ricky Goodwin.

As tentativas de estrangular o Pasquim foram muitas, mas, segundo Ricky, quanto mais apertavam, mais o jornal se fortalecia. "A ausência de espaços para as pessoas se expressarem levou inúmeros jornalistas, escritores, músicos, humoristas, artistas, políticos, sindicalistas a buscarem o Pasquim, que se transformou numa trincheira contra o avanço da escuridão. A trincheira do humor. Um exemplo disto foi quando prenderam por meses praticamente toda a equipe do jornal, para que deixasse de circular, e houve um mutirão de pessoas, de toda parte do Brasil, de diversos países, que mantiveram o Pasquim funcionando." Veja as histórias de censura dos jornalistas e artistas que faziam O Pasquim.

Ricky Goodwin: "A censura prévia, em certo momento, era feita na propria redação do Pasquim por uma senhora muito séria e empertigada que passava o dia à sua escrivaninha recebendo o material produzido. Lia e mais vetava do que aprovava. A redação do Pasquim era um caos, uma esbórnia, uma festa que muitas vezes varava noite adentro. E a censora sempre firme no seu posto, nenhum sorriso no rosto. Aí... Jaguar começou a perceber que, ao final do expediente, todos cansados, a senhora lançava olhares para as onipresentes garrafas de uísque que eram constantemente entornadas. Uma noite ele ofereceu: "A senhora não quer tomar um pouquinho antes de embora?" Ela, timidamente, aceitou um pequeno gole. No dia seguinte Jaguar deixou, estrategicamente, como quem não quer nada, uma garrafa de uísque e um copo ao lado da mesa dela. Foi indo, indo, e em breve a senhora censora estava bebendo com todos no meio da redação, feliz da vida... e aprovando geral. Claro, logo ela foi sumariamente demitida. E veio o General Juarez, que é outra história."

Ziraldo: "A censura era ridícula e nunca pode ser exercida com critério. Foi horrível, foi esquisito, mas hoje só ficou ridículo. A convivência com os censores foi absolutamente maluca, mesmo, então, eu tenho muita história. Os tipos que censuravam a gente, nenhum deles tinha ideologia. Tinham as moças que passavam nos concursos e iam censurar a gente. Coitadinhas das meninas, a gente infernizava a vida delas. Era uma raça muito doida. Uma vez eu fui para Europa e mandei um cartão para as minhas censoras aqui no Rio. Mandei um cartão com aquela estátua do Davi de Michelangello de costas. E disse: estou mandando essa foto do Davi de costas, porque se mandar de frente, vocês vão cortar fora. Aí quando eu voltei na polícia federal para levar material para censurar, as três tinham sido removidas da função por ter dado confiança ao censurado. Tem também a história de um General, pai da Garota de Ipanema, que era nosso censor, e a gente mandava um monte de anedotas. Ele lia e dizia: Pqp, vocês são ruins demais de piada, essa aqui não vou aprovar, não, porque está mal contada (risos)."

Ruy Castro: "Fui um dos primeiros colaboradores do "Pasquim" --- estreei no número 7 ou 8, menos de dois meses depois de fundado, em 1969, e prossegui pelos meses seguintes. Quem me levou para lá foi Paulo Francis. Mas, a partir daí, minha colaboração foi esparsa, exceto em 1977 e 1978, quando colaborei semanalmente. Meu orgulho é o de ter meu nome nas chamadas de capa da edição mais famosa do jornal: a do número 22, com a entrevista de Leila Diniz --- da qual não participei. Frequentei o "Pasquim" em todos os seus endereços --- Lapa, Botafogo, Copacabana ---, fui muito amigo de Millôr Fernandes, Jaguar, Henfil, Sergio Augusto, Ivan Lessa, e, de alguma maneira, sempre estive próximo do jornal, mas não tive nenhuma função importante nele."

O traço do Pasquim no combate à ditadura

Visitação até 21 de abril, de 9h às 22h, no Café Literário da II Bienal Brasil do Livro e da Leitura. Esplanada dos Ministérios. Entrada franca. Classificação indicativa livre.

II Bienal Brasil do Livro e da Leitura

Visitação até 21 de abril, das 10h às 22h, na Esplanada dos Ministérios. Entrada franca. Senhas serão distribuídas antes
das palestras.

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