Diversão e Arte

Em Locarno, filme "Punhos Cerrados" mostra a insatisfação dos Black Blocks

Gravado há um ano e meio, o filme tem algo de pioneiro, pois foi anterior às primeiras manifestações de junho do ano passado, seguidas de protestos contra os gastos exigidos pela Copa do Mundo

Rui Martins - Especial para o Correio
postado em 11/08/2014 09:19
Locarno (Suíça) - O filme cearense Punhos Cerrados do trio de realizadores Pedro Diógenes, Ricardo e Luiz Pretti é experimental, em outras palavras não a praia do grande público. Além disso, pode parecer old fashion por tratar de política e expressar posições anarquistas de esquerda.

Puro engano, o filme é bastante atual e transporta para Locarno o clima brasileiro de contestação e de insatisfação dos Black Blocks, que pode ser minoritário, mas é revelador do ressurgimento de uma juventude desvinculada do pensamento único. Além disso, filmado há um ano e meio, o filme tem algo de pioneiro, pois foi anterior às primeiras manifestações de junho do ano passado, seguidas de protestos contra os gastos exigidos pela Copa de futebol.

[SAIBAMAIS]Sintoma ou confirmação de um despertamento da juventude brasileira, a apresentação do filme, diante de um cinema repleto, pelo trio de cineastas, parecia manifesto político da época do CPC dos anos 60 - "o Brasil vive um momento político em que se querem mudanças mas se punem e prendem manifestantes" frase completada depois com "enquanto se observa o surgimento da caretice e ameaça dos evangélicos conservadores, empenhados em retirar conquistas e direitos", ,no caso, entenda-se a esperada mas sempre adiada legalização do aborto e a citação das Sagradas Escrituras para se justificar propósitos homofóbicos.



A assimilação da temática do filme e das declarações dos realizadores com a revolta dos Black Blocks é automática, e bem aceita pelos realizadores, mesmo porque no Rio de Janeiro continua a repressão contra quem enfrenta o governo e, em Fortaleza, foram reprimidos os contrários à remoção de favelas e casas habitadas pela população pobre para a construção de uma super-estádio, numa cidade pobre e sem saneamento básico, destinado à recente Copa do Mundo.

O filme Punhos Cerrados é uma imaginária convocação do povo à rebeldia anarquista por uma rádio pirata, cujos dirigentes são procurados pela Polícia. "Por que rádio pirata e não Facebook, instrumento mais moderno de divulgação ?" alguém perguntou na conversa dos realizadores com o público e veio a explicação: " porque seria cinematográfico" e além disso o trio detesta a rede social do Facebook..

Resta, então, como referencial no mundo do cinema, o filme Pump up the Volume, de 1990, contando como um estudante criou uma rádio pirata no campus de uma universidade norteamericana. Para quem não se lembra, o disc-jockey anônimo e subersivo da rádio-pirata tinha sucesso com seu cinismo e revolta, junto aos estudantes. Não só a direção da escola como a Polícia queriam descobrir a identidade do insolente.

Punhos Cerrados utiliza como mensagens transmitidas pela rádio-pirata, apenas textos consagrados de escritores, dramaturgos, compositores como Artaud e Léo Ferré, entre muitos outros. "A anarquia é o direito de se questionar a todo tempo, de não se aceitar posições políticas como absolutas e definitivas", acentuam.

O filme de 70 minutos faz parte da mostra Sinais de Vida e foi convidado pelo Festival de Locarno há mais de seis meses. A produtora é a Alumbramento com a qual o trio já fez três curtas-metragens, mas na verdade a realização do filme contoucom recursos dos próprios realizadores, amigos e colaborações diversas. "O orçamento inicial era de 5 mil reais, porém saiu muito mais caro. Houve também doações de amigos feitas através de uma "vaquinha" lançada pela Internet."

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